Arquivos da categoria: 100 autores

Autor de hoje: Joseph Conrad

Berditchov, Ucrânia, 1857 – † Bishopsbourne, Inglaterra, 1924

Polonês (nascido em uma região da atual Ucrânia), naturalizado cidadão britânico em 1886, Joseph Conrad trabalhou como marinheiro, viajando pela Ásia, onde colheu material para a sua obra literária, que foi escrita em inglês. O conhecimento de um holandês que residia na Malásia motivou-o a escrever seu primeiro romance, A loucura do Almayer. A obra foi bem-aceita pela crítica e pelo público devido ao tom exótico, estranho à cultura inglesa. Mais tarde, Conrad fixou-se em Londres, onde se dedicou à literatura. Embora o mar esteja presente em grande parte de seus romances, o escritor costumava declarar que sua obra tinha por objetivo chegar ao valor ideal das coisas, dos acontecimentos e dos seres. O romance Lord Jim é considerado um dos livros mais importantes do século XX. Nele o escritor refina a visão psicológica da personagem, um marinheiro inglês que se vê atormentado pelo remorso por ter permitido o naufrágio de seu navio.

Obras principais: A loucura do Almayer, 1895; Lord Jim, 1900; Tufão, 1903; Nostromo, 1904; O coração das trevas, 1906; A flecha de ouro, 1919

JOSEPH CONRAD por Vânia L. S. de Barros Falcão

Nascido Teodor Jósef Konrad Korzeniowski, adquiriu o domínio da língua inglesa entre 1878 e 1895, já adulto, fato relevante, pois é considerado um de seus melhores estilistas, o que por si só justificaria a leitura de sua obra. É interessante lembrar que Conrad é filho de um escritor e tradutor, Apollo Korzeniowski, e assim foi inicialmente criado num ambiente familiar em que se valorizava a própria língua, os outros idiomas e a arte de escrever. O aspecto político também teve grande importância no cotidiano da família, que foi deportada para uma província distante na Sibéria, de onde Conrad retornou à Polônia, com seu pai enfermo e já órfão de mãe, em 1867. Aspectos de sua vida particular sugerem que a desfrutou num ritmo de aventura e drama (tentou o suicídio em 1878 por ter contraído débitos).

Buscou o mar como meio de vida, e certamente essa experiência resultou na escolha de temas e personagens ligados à vida marítima para seus contos, como “The Lagoon”, e romances, como Lord Jim e Victory (1915). Contudo, sua obra é bem mais abrangente, e seus personagens são delineados com cuidado e profundidade. As viagens que realizou pelo Extremo Oriente e pela África oportunizaram um contato amplo com culturas diferentes da sua e uma vivência que lhe permitiu escrever textos atraentes. Sua produção expõe amplo leque: contos, novelas, romances, peças de teatro, ensaios. Dentre eles, destacam-se: The Inheritors – An Extravagant Story (1901) e Romance – A novel (1903). Por um aspecto inusitado, foram escritos a quatro mãos, com a colaboração de Ford Madox (Hueffer) Ford. Quanto a inovações técnicas, críticos registram a mudança na seqüência temporal de acontecimentos e a apresentação da ação a partir do ponto de vista de vários personagens. Nostromo é considerado por muitos sua obra-prima. O próprio autor, em nota prévia publicada em 1917, explica que foi o texto que lhe exigiu a “mais ansiosa meditação” e que, ao escrevê-lo, “sentiu uma mudança sutil na natureza da inspiração”.

A partir de uma experiência de juventude, no Golfo do México, quando ouviu a história de um “homem que teria roubado, sozinho, uma chata carregada de prata, em algum ponto do litoral, durante os percalços de uma revolução”, e da leitura, cerca de 27 anos depois, de uma biografia de um marinheiro americano que “trabalhara, durante alguns meses a bordo de uma escuna, cujo mestre e proprietário era o ladrão de quem ouvira falar na juventude”, o romancista empenhou-se na escritura de uma obra que se passa no país imaginário de Costaguano, na América Latina. O inglês Gould, dono da concessão da mina de prata da cidade de Sulaco, e Nostromo, seu capataz italiano, vivem uma trama, envolvendo corrupção e instabilidade política numa sociedade colonial governada pela oligarquia espanhola. O texto merece atenção pela oportunidade que oferece ao leitor brasileiro de refletir sobre o colonialismo e o póscolonialismo em suas manifestações históricas e sociais.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Honoré de Balzac

Tours, França, 1799 – Paris, França, 1850

Honoré de Balzac nasceu em Tours, em 20 de maio de 1799, filho do camponês Bernard-François Balssa (mais tarde Honoré mudou o nome para Balzac, precedido de um aristocrático de) e de Anne-Charlotte-Laure Sallambie. A mãe de Balzac, 33 anos mais jovem que Bernard, era filha de uma modesta burguesia da província e teve uma relação distante e ao mesmo tempo marcante com o filho mais jovem, Honoré. Ele conheceu na infância e na adolescência a solidão e a dureza dos internatos, onde fez sua formação básica. Formou-se em Direito, profissão que jamais praticou. Aventurou-se em numerosos negócios em busca de fortuna, fracassando nisso de maneira sistemática. Paralelamente ao sonho de enriquecer, escreveu uma das maiores e mais consistentes obras da história da literatura mundial. Morreu em 18 de agosto de 1850.

Obras principais (Quase a totalidade da obra de Balzac foi publicada sob o título geral de A comédia humana): A pele de Onagro, 1831; Eugénie Grandet, 1833; O Pai Goriot, 1834; O lírio do vale, 1835; A mulher de trinta anos, 1835; Ilusões perdidas, 1843; Esplendores e misérias das cortesãs, 1847.

HONORÉ DE BALZAC por Ivan Pinheiro Machado

A comédia humana é o título geral que dá unidade a obra de Honoré de Balzac, composta de 89 romances, novelas e histórias curtas. Esse enorme painel do século XVIII foi ordenado pelo autor em seis subséries: Cenas da vida privada, Cenas da vida provinciana, Cenas da vida parisiense, Cenas da vida militar, Estudos filosóficos e Estudos analíticos.

A comédia humana é um monumental conjunto de histórias, em que cerca de 2.500 personagens se movimentam por vários livros, ora como protagonistas, ora como coadjuvantes. Genial observador do seu tempo, Balzac soube como ninguém captar o “espírito” do século XVIII. A França, os franceses e a Europa no período entre a Revolução Francesa e a Restauração têm nele um pintor magnífico e preciso. Friedrich Engels, em uma carta a Karl Marx, dizia que “eu aprendi mais em Balzac sobre a sociedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historiadores, economistas e estatísticos da época, todos juntos (…)”.

Tido como o inventor do romance moderno, Balzac deu tal dimensão aos seus personagens que, já no século XVIII, mereceu de Hippolyte Taine, o maior crítico literário do seu tempo, a seguinte observação: “Como William Shakespeare, Balzac é o maior repositório de documentos que possuímos sobre a natureza humana”. Esse criador de milhares de personagens foi – quem sabe – o mais balzaquiano de todos. Obcecado pela idéia da glória literária e da fortuna, adolescente ainda, convenceu sua família de recursos limitados a sustentá-lo em Paris por no máximo dois anos, tempo suficiente para que ele se consagrasse como escritor e jornalista. Começou a vida literária publicando obras de terceira categoria sob pseudônimo. Era a clássica “pena de aluguel”. Escrevia sob encomenda histórias de aventuras, policiais, romances açucarados, folhetins baratos, qualquer coisa que lhe rendesse algum dinheiro.

Somente em 1829, dez anos depois de sua chegada a Paris, Balzac sente-se seguro para colocar o seu verdadeiro nome na capa de um romance. É quando sai A Bretanha em 1799 – um romance histórico em que tentava seguir o estilo de Sir Walter Scott, o grande romancista inglês de seu tempo. Paralelamente à enorme produção que detona a partir de 1830, seus delírios de grandeza levam-no a criar negócios que vão desde gráficas e revistas até minas de prata. No entanto, fracassa como homem de negócios. Falido e endividado, reage criando obras-primas para pagar seus credores em uma destrutiva jornada de trabalho de até dezoito horas diárias. “Durmo às seis da tarde e acordo à meia-noite, às vezes passo 48 horas sem dormir….” queixava-se em cartas aos seus amigos.

Em 1833, teve a antevisão do conjunto de sua obra e passou a formar uma grande “sociedade”, com famílias, cortesãs, nobres, burgueses, notários, personagens de caráter melhor ou pior, vigaristas, homens honrados e avarentos, que se cruzariam em várias histórias diferentes sob o título geral de A comédia humana. Vale ressaltar que em sua imensa galeria de tipos, Balzac criou um espetacular conjunto de personagens femininos que – como dizem unanimemente seus biógrafos e críticos – tem uma dimensão muito maior do que o conjunto dos seus personagens masculinos.

Aos 47 anos, massacrado pelo trabalho, pela péssima alimentação e o tormento das dívidas que não o abandonaram pela vida inteira, ainda que com projetos e esboços para pelo menos vinte romances, Balzac já não escrevia mais. Consagrado e reconhecido na França e na Europa inteira como um grande escritor, havia construído em frenéticos dezoito anos esse monumento com quase uma centena de histórias. Morreu em 18 de agosto de 1850, aos 51 anos, pouco depois de ter casado com a condessa polonesa Eveline Hanska, o grande amor de sua vida.

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Autor de hoje: Oscar Wilde

Dublin, Irlanda, 1854 – † Paris, França, 1900

De família abastada, estudou em Oxford, onde liderou um movimento cultural que propunha o hedonismo extremado. O retrato de Dorian Gray, seu único romance, que possui inúmeras traduções em dezenas de línguas, desde o seu lançamento provocou reações simultâneas de ira e de admiração. Wilde também escreveu narrativas curtas, poemas e peças teatrais, sendo considerado o renovador da dramaturgia vitoriana. Em seus textos, critica a sociedade da época, marcada pelo preconceito e pelo apego às convenções. Sua obra caracteriza-se pela concisão verbal e pela elegância do estilo, veiculando uma visão de mundo amarga e crítica. Embora, no início de sua carreira, agisse como um dândi, devido ao comportamento extravagante e à prática da arte pela arte, seu talento superou os obstáculos e sua obra permanece como representativa da melhor literatura da passagem do século XIX para o século XX.

Obras principais: O príncipe feliz e outros contos, 1888; O retrato de Dorian Gray, 1891; A importância de ser prudente, 1895; A balada do cárcere de Reading, 1898; De profundis, 1905

OSCAR WILDE por Vicente Saldanha

Oscar Fingal O’Flahertie Wills Wilde é um autor normalmente associado a discussões estéticas e temas polêmicos. Sua vida e sua obra se entrelaçam e nos remetem a alguns aspectos importantes da Inglaterra vitoriana. Iniciou sua carreira literária com poemas de inspiração clássica e sobre temas variados. Um deles, “Ravenna”, recebeu um importante prêmio literário. Nele o poeta canta suas impressões sobre a famosa cidade italiana em versos decassílabos com rimas emparelhadas. Em seguida, lançou O príncipe feliz e outros contos. Trata-se de uma coleção de contos de fadas, originalmente escritos para seus filhos, em linguagem elegantemente simples e atmosfera charmosa. Um bom começo para quem pretende iniciar-se na sua obra em prosa. Também merecem destaque outros contos, como “O fantasma de Canterville” e “A esfinge sem segredos”. Com o romance O retrato de Dorian Gray, Wilde afirmou sua filiação ao movimento estético da “arte pela arte”, segundo o qual a arte seria auto-suficiente e não necessitaria servir a nenhum propósito moral ou político. É emblemático, nesse sentido, o prefácio da obra, composto de aforismos sobre a natureza da arte e da criação literária. A narrativa, em si, é uma fábula moderna que discute valores morais e estéticos da era vitoriana em uma tentativa de sobrepor-se à tendência moralizante das obras de ficção da época. Além da poesia e da ficção, a obra teatral do escritor merece destaque. Entre suas peças, a mais conhecida é A importância de ser prudente. Trata-se de uma comédia de erros em que os personagens exprimem opiniões cáusticas sobre temas variados como arte, casamento e crítica literária.

O sucesso teatral do autor, porém, não durou muito. Seu envolvimento amoroso com lorde Alfred Douglas, um jovem aristocrata, desencadeou um longo e penoso processo criminal que levou à condenação do escritor a trabalhos forçados. De sua experiência na prisão resultou A balada do cárcere de Reading. O poema trata de um condenado à forca e das impressões de Wilde acerca do cárcere. O ritmo elegante e tristemente musical do texto, juntamente com as rimas nos versos pares, acentua a atmosfera opressiva e soturna da prisão. Mais tarde, Wilde escreveu De Profundis, uma longa carta dirigida a Alfred Douglas, que se tornou uma espécie de réquiem do tumultuado relacionamento e do próprio Wilde. Hoje, passado mais de um século de sua morte, Oscar Wilde ainda é um autor que merece ser lido e apreciado. A leitura de seu romance, de seus contos, poemas e peças, além de propiciar uma viagem no tempo de volta à Inglaterra vitoriana, encanta pela elegância de suas palavras, pela espirituosidade, pela expressão de idéias anticonvencionais e por uma sensibilidade acentuada.

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Autor de hoje: Sófocles

Colona, Grécia, 495 a.C. – † Atenas, Grécia, 406 a.C.

Sófocles é considerado, juntamente com Ésquilo e Eurípedes, um dos três grandes poetas dramáticos da Grécia Antiga. Mestre incomparável da dramaturgia, inovou a construção e as técnicas teatrais de seu tempo, elevando o número de integrantes do coro, acrescentando um terceiro ator e substituindo a trilogia unida pela livre, em que cada drama formava um todo. Em sua obra, Sófocles não responsabiliza o homem pelo ato consumado, mas por sua intenção, porque as intenções do indivíduo nem sempre se realizam por vontade própria, dependendo também da cooperação de atos alheios ou do acaso. Exprimindo uma visão de mundo fatalista, pois acreditava na intervenção da “moira” ou destino. Sófocles soube captar o sofrimento, a dúvida e os sentimentos humanos. Tanto é que sua obra serviu de subsídio para Aristóteles, em sua Poética, e para Freud, muitos séculos depois, quando formulou as teorias da Psicanálise.

Obras principais: Antígona, c. 415; Édipo Rei, c. 425; As traquínias, c. 420; Electra, c. 415; Édipo em Colono, c. 401.

SÓFOCLES por Ivo Bender

Sempre que referimos a tragédia, enquanto gênero dramático, vem-nos à mente o Édipo Rei, de Sófocles. Embora existam, entre as cerca de três dezenas de textos trágicos remanescentes, outras tragédias exemplares, nenhuma alcança o mesmo nível de construção de Édipo Rei. Ao correr de seus 1.810 versos, Sófocles nos apresenta a trajetória de um homem que, ao amanhecer do dia trágico, se encontra no mais alto patamar de segurança e poder e que, ao cair da noite, vê-se aniquilado.

Embora Édipo tenha resolvido o enigma da Esfinge e, com isso, ganho o trono e a mão da rainha, mesmo que se esforce para livrar Tebas da peste e ainda seja o mesmo homem pleno de virtude, nada poderá libertá-lo de seu passado. Sequer os deuses, em tudo mais onipotentes, têm como travar a engrenagem trágica, uma vez acionada pelo Destino.

Supondo conhecer sua ascendência, Édipo descobrirá o equívoco em que sempre viveu e que, para sua infelicidade, ele próprio irá desfazer. Nesse sentido, é reveladora a observação do adivinho Tirésias ao dizer para o rei: “Verás num mesmo dia teu princípio e teu fim” (v. 528).

Nascido para matar o pai e desposar a própria mãe, Édipo, sem suspeitar, dá todos os passos necessários para que seu destino se realize por completo. Ao final do drama, Édipo está cego, mas é, finalmente, conhecedor de sua identidade e passa a experimentar todos os males que lhe advêm desse conhecimento.

Se no plano individual a catástrofe é absoluta, no plano coletivo dá-se o contrário – Tebas está liberta da peste, as searas voltarão a frutificar e as mulheres tornarão a dar à luz. E, pairando acima das ruínas da casa real e acima de Tebas liberada, o Destino tem mais uma vez referendada sua incompreensível ação.

Édipo Rei estreou por volta de 430 a.C., nas Frandes Dionísicas, em Atenas. A peça não recebeu o primeiro prêmio embora, como quer Aristóteles em sua Poética, provoque “Terror e piedade” até mesmo à simples leitura, sem a necessidade da encenação. 

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Autor de hoje: Jack London

San Francisco, EUA, 1876 – † Glen Elle, EUA, 1616

Pseudônimo de John Griffith, trabalhou como jornalista e correspondente de guerra. Sua vida foi rica em experiências: trabalhou como pescador e pesquisador de ouro no Alasca, chegando a tornar-se vagabundo de estrada. Socialista, sua obra literária caracteriza-se pelo relato de episódios de força primitiva, ou de aspectos brutais e vigorosos que articulou em contos e romances. A vida aventureira, entre os que buscavam o ouro nos confins do Yukon, forneceu-lhe material para a maior parte de sua ficção. Combinando experiências pessoais com as ideias evolucionistas de Darwin e de Spencer, mais as técnicas estilísticas colhidos nas obras de Rudyard Kipling, produziu obras de sucesso, desde a sua estreia com O filho do lobo (1900). Ao longo de sua vida, escreveu intensamente, produzindo cinquenta livros em dezessete anos.

Obras principais: O chamado da floresta, 1903; O lobo e o mar, 1904; Caninos brancos, 1906; Antes de Adão, 1907; De vagões e vagabundos, 1915

JACK LONDON por Ana Esteves

Como a figura do lobo diante de sua presa, Jack London abocanhou o mundo e, com a mesma voracidade que o devorou, transformou-o em literatura. Foram mais de cinquenta livros, entre novelas, contos, ensaios e reportagens, escritos em apenas dezessete anos, com a mesma intensidade com que London vivia sua vida. De forma magistralmente criativa, sua obra é resultado de um emaranhado de experiências pessoais, recheada de temas que o autor conheceu na prática. De um lado, nos deparamos com o olhar de um escritor politicamente engajado com a realidade social mutante de sua época que, para retratar a situação de exclusão e miséria dos habitantes do East End londrino, se faz passar por um deles. Sua obra está fortemente marcada pelo prisma do socialismo; nela o escritor/repórter narra com detalhes situações de desigualdade social, enfatizando as principais questões sociais e políticas então vigentes: a expansão imperialista, a exploração do trabalho, a concentração da riqueza. Sob esse viés, nos deparamos com um autor que produziu ensaios e contos altamente significativos, inseridos no debate político de sua época. Essa faceta de London se revela em contos como “The Apostate”, em que se mostra inconformado com a exploração do trabalho infantil nos Estados Unidos, ou em “The Mexican”, em que expressa simpatia pela Revolução Mexicana.

Jack London, porém, é muito mais. Trata-se de um autor que, mesmo comprometido com suas convicções político-ideológicas, lança-se à ficção, às narrativas de viagens e aventuras, baseadas em suas andanças pelo mundo. Sua composição é enriquecida pelo contato direto com outras culturas, diferentes regiões e tipos humanos, como quando relata suas experiências como marinheiro na Ásia, ou contextualiza suas narrativas em lugares pitorescos como o Alasca, onde trabalhou como garimpeiro. Assim ele se tornou conhecido, com seus romances e contos vigorosos sobre aventuras vividas em lugares exóticos e selvagens, sem esquecer, é claro, sua veia fantástica. Toda a vivacidade impressa em suas narrativas é reflexo da mentalidade de um escritor – como ele próprio define – que deseja ser convencido pela evidência dos próprios olhos e não pelos ensinamentos de quem não havia visto, ou pelas palavras dos que o tinham.

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Em maio, a L&PM lançará mais um dos principais livros de Jack London: O lobo do mar.

Autor de hoje: William Shakespeare

Stratford-upon-Avon, Inglaterra, 1564 – † Stratford-upon-Avon, Inglaterra, 1616

Considerado um dos principais dramaturgos da literatura universal, sua vida é ainda um enigma, já que existem poucas informações seguras a respeito. Filho de um homem próspero e de boa posição social, que logo se arruinou, casou-se aos dezoito anos. Pouco depois, mudou-se para Londres e, sozinho, trabalhou como guardador de cavalos no teatro de James Burbage, O Globe Theatre. Nesse mesmo ambiente, tornou-se ator e dramaturgo, reescrevendo textos de autores que vendiam seus repertórios às companhias teatrais. Com o tempo, Shakespeare tornou-se famoso e recuperou a fortuna familiar. Além de textos para o teatro, escreveu poemas e sonetos. Sua obra principal é formada por tragédias e comédias que atravessaram séculos e que são fonte de inspiração para numerosas narrativas, uma vez que transmitem um profundo conhecimento da natureza humana.

Obras principais: Romeu e Julieta, 1594-1595; Hamlet, 1600-1601; Otelo, 1604-1605; O Rei Lear, 1605-1606; Macbeth, 1605-1606; A tempestade, 1611-1612

 WILLIAM SHAKESPEARE por Léa Masina

Embora Shakespeare tenha escrito bons sonetos, é mais conhecido pelas peças para o teatro, tanto tragédias quanto comédias, um completo repertório sobre a condição humana. O crítico Harold Bloom considera-o como o centro do cânone ocidental e, portanto, paradigma para avaliar a literatura.

É difícil escolher uma tragédias de Shakespeare e indicá-la como leitura obrigatória. Em meu entender, Hamlet, Otelo, Macbeth, O Rei Lear e A tempestade ocupam um espaço fundamental na construção do universo shakesperiano, embora não se possa deixar de ler os Henriques e os Ricardos, Romeu e Julieta e as comédias. Questões éticas, políticas, morais, naturais e suas transgressões compõem esse universo rico e amplo.

Para iniciar-se no universo Shakespeare, recomenda-se ler Macbeth. A leitura é fascinante, já que ali estão representadas questões humanas de extrema intensidade. Perpassado pela crueldade de uma época em que a Inglaterra estava em formação, encontra-se em Macbeth a articulação literária da ambição e da loucura. Lady Macbeth é uma personagem inesquecível, que domina a cena até mesmo quando desaparece. Os diálogos de Shakespeare e seus maravilhosos solilóquios ensinam aos escritores de hoje a arte de construir falas capazes de identificar o caráter de cada personagem. Há em Macbeth – como também em O Rei Lear – a identificação medieval do rei com a natureza. E disso decorre a denúncia de que o mundo adoece quando entram em crise os valores morais de uma época. Shakespeare elege o sofrimento como mecanismo de ação e cria relações humanas de extremo conflito para expor os desvãos da consciência humana nas falas e nas ações. Em Rei Lear, por sua vez, encontramos a complexidade das relações familiares, sempre perpassadas pelo poder feudal. O bobo da corte ali é a consciência explícita de um rei que se despoja de seu reino e do poder em favor das filhas. Essas, à exceção de Cordélia, irão traí-lo e humilhá-lo, o que torna proverbial a constatação do bobo de que ninguém deve envelhecer sem antes tornar-se sábio.

Com relação às comédias, há muito o que dizer: nelas se lê amor e desencontros. Cabe advertir que a obra de Shakespeare é um mundo a ser desvelado ao longo de toda uma vida. E nunca é tarde para começar.

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Shakespeare é o escolhido deste final de semana porque dia 23 de abril foi seu aniversário de morte (e supõe-se que ele também tenha nascido neste dia).

Autor de hoje: Anton Tchékhov

Tanganrov, Rússia, 1860 – † Badenweiler, Alemanha, 1904

Descendente de servos da gleba e filho de um pequeno comerciante, formou-se médico pela Universidade de Moscou. Trabalhou duramente para pagar seus estudos e sustentar a família, exercendo a medicina numa clínica rural. Depois de alguns anos, dedicou-se apenas à literatura, publicando contos e revistas. A contenção necessária do conto, numa época em que o governo russo exercia rigorosa censura sobre a intelectualidade, fez dele o criador de textos intensos e concisos. Mestre do gênero, sua visão de mundo é ética e democrática, voltada para o combate das injustiças e para a sátira contra a sociedade. Apontado pela crítica como o criador do conto sem enredo ou de atmosfefra, sua obra veicula simpatia e compaixão entre os homens, sendo considerado o intérprete dos intelectuais, das mulheres e das crianças. Dramaturgo, romancisa e contista, seus textos influenciaram toda a literatura ocidental.

Obas principais: A estepe, 1888; Enfermaria  n˚ 6, 1892; Tio Vânia, 1898; A dama do cachorrinho, 1898

ANTON TCHÉKHOV por Juremir Machado da Silva

Neto de servo, filho de pequeno comerciante, o adolescente Anton Tchékhov foi arrancado de sua cidade natal, Tanganrog, situada à beira do mar de Azov, pela falência do pai. Descobriu, então, as ruas de Moscou e a “escola da vida”. Graças a esse aprendizado diário do cotidiano, complementado pelo curso de medicina, ele se tornaria um extraordinário observador e narrador da vida comum. Não lhe interessavam os grandes heróis nem os sábios exemplares, mas sim os homens médios, a gente de todo dia, a existência menor que constituiu o social como um todo. De certo modo, Tchékhov, mestre da pecisão e da narrativa concisa, sempre quis entender as engrenagens do vivido a partir de sua essência: o banal.

Como se fosse um cientista examinando fenômenos bem delimitados, tratou de individualizar os casos abordados pelo seu olhar de escritor e de mostrar o existente com base em dados e elementos concretos em lugar de refletir sobre abstrações ou generalidades. Essa maneira de ver o mundo e de construir os seus personagens aparece nas suas novelas ou no seu teatro. Habituado a escrever histórias muito curtas para jornais e revistas, ele sempre soube ir direto ao ponto, mesclando detalhes com uma percepção aguda e, através do humor, revelando o absurdo das situações descritas. Escreveu mais de seiscentos textos em quarenta anos de vida.

Nunca mudou seu método. Quem descobre Tio Vânia, Três irmãs (1901), O jardim das cerejeiras (1904), ou qualquer uma das suas histórias célebres ou menos conhecidas, defronta-se com uma mistura de cômico, patético e trágico. Em resumo, acompanha a transfiguação do banal pelos incidentes do cotidiano. Em “Angústia”, história muito breve, que pode ser lida na edição basileira de O homem no estojo (1889), toda a arte de Tchekhov emerge: num anoitecer gelado, sob a neve, o cocheiro Iona tenta falar com alguém sobre a morte do filho. Ninguém quer ouvi-lo. Ao final de uma jornada de trabalho infrutífera, no mais fundo da sua solidão, ele encontra, enfim, quem lhe dê ouvidos: sua égua. Uma última frase econômica resume um mundo em desespero: “Iona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo.”

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