Por Ivan Pinheiro Machado
A padiola é suspensa e içada até o navio. Lá embaixo, dezesseis homens olham calados depois de realizarem seu trabalho. Abdo Rimbo, como chamavam Arthur Rimbaud, está indo embora para morrer. A dor lancinante impede o riso, um aceno mais efusivo. Calados, aqueles homens do deserto quase perdoam seu algoz; aquele europeu duro, irrascível, que só se referia a eles como “negros sujos, imbecis, bestas de carga”. Depois de 11 anos na África Oriental, a maldita doença interromperia sua fuga.
O navio o levaria de Aden a Marselha e o grande poeta da França morreria poucos meses mais tarde, depois de um sofrimento atroz, aos 37 anos, em 10 de outubro de 1891.
Ninguém notou quando morreu. Mesmo o grande Verlaine já tinha esquecido o seu grande amor adolescente, o poeta irreverente, tresloucado, de grandes olhos azuis que escandalizara o Quartier Latin. Também pudera, ele havia sumido em 1880 na chamada “terra das sombras”, a tenebrosa Abissínia na África Oriental e ninguém, salvo sua família, havia tido notícias dele.
O tempo foi passando e sua poesia, enfim descoberta, espalhou-se pelo ar da França, como pólen na primavera. Seus versos ardentes, suas alucinações, seus poemas geniais, suas iluminações e sua temporada no inferno espantaram o mundo. Todos estavam perplexos; como aquela obra genial fora produzida por um adolescente que aos dezoito anos abandonara a poesia, a família, os amigos, a França?
Depois de rolar pela Europa e o Oriente próximo, aos 24 anos Arthur chegou ao norte da África. Nunca mais escrevera um verso. Queria enriquecer, queria desaparecer. Não seria mais Jean-Nicholas Arthur Rimbaud. Seria Abdo Rimbo, o mercador da Abssínia. O traficante de armas e – dizem, sem nunca ter sido provado– de escravos. O obsessivo francês que carregava consigo, sob o sol de 50 graus, um cinturão com o ouro acumulado atado à cintura. Vagarosamente a lenda cresceu. O poeta solitário, calado, internado no fundo da África. Traficando armas, escravos, camelos. Ingredientes poderosíssimos para excitar os sofisticados círculos literários parisienses e daí ganhar o mundo. O mito cresceu, histórias aqueceram a lenda do menino poeta que abandonou a poesia aos 18 anos e fugiu para a África. Milhares de livros foram escritos; biografias, ensaios, teses, todos tentavam decifrar o enigma. Seus passos pelos confins da África foram seguidos meticulosamente por centenas de biógrafos que escreveram milhares de páginas. Mas nada foi descoberto. Ficou o mito. Que cresceu com tempo e continua a crescer, ficando, quem sabe, maior que a obra poderosa, fundamental, que influenciou decisivamente a poesia dos séculos que vieram depois.
Rimbaud no Brasil
A coleção L&PM POCKET publicou Uma temporada no inferno, com tradução e introdução de Paulo Hecker Filho. Entre a reduzida bibliografia rimbaldiana publicada no Brasil destacam-se Poesia Completa (Top Books), com tradução e introdução de Ivo Barroso, a Correspondência Completa (Top Books), também um magnífico trabalho de tradução, introdução e notas do poeta e tradutor Ivo Barroso, Rimbaud Livre, um ensaio de Augusto de Campos, e o excelente livro Rimbaud na África (Nova Fronteira), do inglês Charles Nicholl. Destaque também para o livro A hora dos assassinos, um ensaio sobre a vida de Rimbaud por Henry Miller (L&PM POCKET). No início da década de 80 a L&PM publicou Rimbaud na Abssínia e Rimbaud da Arábia do especialista francês Alain Borer e uma antologia de cartas, “Correspondência de Arthur Rimbaud” (seleção e edição de Ivan Pinheiro Machado) com introdução de Ivo Barroso. Estes livros estão totalmente esgotados podendo ser encontrados somente em sebos ou no site Estande Virtual.
Rimbaud também está na Série Biografias L&PM.