Hoje pedimos licença para publicar no blog uma pequena biografia. Em agosto, será lançado A espécie fabuladora, terceiro livro de Nancy Huston pela L&PM. A espécie… é um conjunto de ensaios sobre a necessidade dos seres humanos de encontrar um Sentido (assim, com S maiúsculo) para tudo e a consequente habilidade de formular histórias (já que todo Sentido encontrado é, na verdade, uma ficção criada por nós mesmos). E um nome insiste em aparecer em quase todos os ensaios do livro: Romain Gary, o nosso “biografado”. As inúmeras menções a ele nos deixaram curiosos, fomos pesquisar a respeito e agora dividimos nossas descobertas com vocês. É dele também a citação usada na abertura do livro de Nancy: “Nada é humano sem aspirar ao imaginário”.
Pois Romain Gary é, na verdade, Roman Kacew, um escritor russo (embora não se saiba se realmente nasceu em Moscou), filho de judeus e que cresceu na Lituânia. Nunca conheceu o pai, o sobrenome foi herdado do segundo casamento da mãe. Aos 11 anos, viu o padrasto deixar a família e, aos 14, foi morar na França com a mãe. Abandonou o “Kacew” e adotou o “Gary” quando escapou da França ocupada por tropas estrangeiras para se juntar ao exército inglês e lutar contra a Alemanha na 2ª Guerra.
Seu primeiro romance foi lançado em 1945 e ele acabou se tornando um dos escritores mais populares da França, tendo publicado inclusive alguns livros sob o pseudônimo de Émile Ajar, além de um como Fosco Sinibaldi e outro como Shatan Bogat. E é justamente a esse amontoado de pseudônimos que Gary deve a honra de ter sido o único escritor a receber duas vezes o prêmio Goncourt, concedido anualmente ao autor do melhor livro de língua francesa. Ele ganhou pela primeira vez por Les racines du ciel, e pela segunda com La vie devant soi, publicado sob pseudônimo de Émile Ajar. A Academia concedeu o segundo prêmio sem saber a verdadeira identidade do autor e boatos sobre o caso começaram a circular. O mais famoso atribuía a autoria de La vie… a um primo de Gary. A verdade só apareceu no póstumo Vida e morte de Émile Ajar.
Romain Gary e a segunda esposa, a atriz americana Jean Seberg
Gary casou e separou duas vezes, primeiro com Lesley Blanch, editora da Vogue, e depois com a atriz americana Jean Seberg. O relacionamento com Jean quase rende uma novela: quando ela engravidou, circularam boatos de que estava tendo um caso um dos integrantes dos Panteras Negras e que o filho não seria de Gary. Jean tentou o suicídio e foi encontrada quase morta em uma praia. Quando a criança nasceu, ela e Gary já haviam concordado em se separar. Alguns meses antes, ele havia descoberto que ela estava tendo um caso, na verdade, com o galã hollywoodiano Clint Eastwood.
Depois do suicídio de Jean (na segunda tentativa ela conseguiu), Gary também matou-se com um tiro de espingarda em 1980, mas fez questão de deixar um bilhete dizendo que sua morte nada tinha a ver com o suicídio da ex-esposa e confirmou que ele era mesmo Émile Ajar. A nota terminava assim: “Me renovar, renascer, ser outra pessoa, foi sempre a grande tentação da minha existência”.