Arquivos da categoria: Era uma vez…uma editora

49. A arte literária de Iberê Camargo

Em outubro, o “Era uma vez… uma editora” será dedicado a relembrar alguns livros que marcaram não apenas a nossa memória, como toda uma época. São obras que atualmente estão esgotadas, mas que permanecem na lembrança, no imaginário e na prateleira de muita gente. O escolhido de hoje é “No andar no tempo”, de Iberê Camargo.  Iberê era amigo de Ivan Pinheiro Machado* que, além de editor da L&PM, também é artista plástico. Ivan poderia contar melhor esta história, mas como no momento ele está na Alemanha, onde amanhã tem início a Feira Internacional do Livro de Frankfurt, vamos nos limitar a falar do livro.

Era Outono de 1988 quando mais uma obra de Iberê Camargo foi concluída. Desta vez, no entanto, sua arte não estava impressa na tela, mas em um livro publicado pela L&PM Editores. No andar do tempo ­– 9 contos e um esboço autobiográfico era o nome da obra que, em pouco mais de 100 páginas, trazia além do que o título prometia, mais dez ilustrações do pintor gaúcho de renome internacional (duas delas estão logo abaixo).

Os cinco primeiros textos de No andar do tempo, escritos na década de 80, eram marcados pela ironia e segundo escreveu o jornalista Antonio Hohfeldt na orelha do livro “Atingem certa dimensão metafísica por trás da brincadeira aparente”. “Ao fazer a barba pela manhã, vejo pelo espelho um mosquito pousado na parede do banheiro, às minhas costas. É apenas um traço vertical, minúsculo risco a creiom, na alvura vítrea do azulejo. Vou aniquilá-lo, penso comigo, com um golpe de toalha. Concedo-te a vida somente o tempo que necessito para fazer a barba. Devo usar a lâmina com cuidado, devagar, para não cortar o lábio superior já chupado pela idade. Torno a fitar o mosquito. Ele continua imóvel na imagem do espelho, à espera, sem o saber, de sua morte, como todos os viventes.” escreveu Iberê em “O mosquito”, conto que abre o livro.

Há outros quatro contos escritos por Iberê na década de 1950. Mais densos e dramáticos do que os primeiros, eles às vezes trazem os mesmo elementos de suas pinturas, como mostra um trecho de “O relógio”: “Sobre a enxada enrola-se estranha serpente: um suspensório. Ele o desenlaça e com a arte o estende por terra, desenhando um ipsilone. Encontra também um soldadinho de chumbo com a perna quebrada, uma cornetinha e carretéis…”

Já em “Um esboço autobiográfico”, que fecha o livro, Iberê Camargo conta desde seu nascimento: “Nasci em 18 de novembro de 1914, no Rio Grande do Sul, em Restinga Seca, onde meu pai era o agente da Estação da Viação Férrea” até sua visão de mundo: “Vejo o mundo ameaçado pela insanidade. Em 1984, em Porto Alegre, pintei um cartaz de rua que dilacerou na chuva e no vento, e escrevi um texto em solidariedade àqueles que se opõem ao holocausto nuclear. É preciso criar no Brasil uma consciência ecológica. Talvez um partido. Tenho sempre presente que a renovação é uma condição da vida. Nunca me satisfaz o que faço. Vejo nisso um estímulo permanente à criação. Ainda sou um homem à caminho.”

Este era Iberê Camargo. Eternizado em palavras e pinturas.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo nono post da Série “Era uma vez… uma editora“.

48. Com os beats na alma


Alma Beat foi o trabalho mais completo editado sobre a Geração Beat no Brasil. Um painel apaixonado e preciso sobre o que eram e o que fizeram os beats. Em suas páginas, eram oferecidos textos escritos por poetas, jornalistas e escritores brasileiros que, de uma forma ou de outra, tiveram suas vidas e suas obras influenciadas pelo movimento. Além de textos inéditos dos próprios beats – como um poema de Kerouac sobre Rimbaud, um texto de Gary Snyder sobre o Brasil e um poema de Ginsberg para Che Guevara! –, Alma Beat trazia artigos de Eduardo Bueno, Antonio Bivar, Roberto Muggiati, Cláudio Willer, Leonardo Fróes, Pepe Escobar e Reinaldo Moraes sobre a ligação dos beats com o jazz, com as drogas, com o zen, com a estrada, com os autores malditos e com a tradição romântica. O livro era ainda complementado pelas autobiografias de Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs, Gregory Corso, Neal Cassady, Gary Snyder, Peter Orlovsky e Lawrence Ferlinghetti. E tinha também trechos de cartas e entrevistas, além de fotos que naquela época nunca haviam sido vistas no Brasil (lembre-se que em 1984 não dava para pesquisar imagens no Google).

Para completar, Alma Beat mexia com temas considerados explosivos como punk, revolução, sexo, dinheiro e drogas, além de oferecer uma ampla bibliografia. Ou seja, era uma fonte primordial para entender a história e a obra deste grupo de escritores que, mais do que qualquer outro, provocou as maiores e mais significativas mudanças no comportamento dos jovens do mundo inteiro.

Vale dizer que Alma Beat não foi apenas o nome de um livro, mas de uma Coleção criada por Eduardo Bueno que, em 1984, já oferecia Uivo, de Allen Ginsberg, Cartas do Yage, de William Burroughs e Ginsberg, Uma Coney Island da Mente, de Lawrence Ferlinghetti, O livro dos sonhos, de Jack Kerouac, Gasolina e a Lady Virgem, de Gregory Corso, Como nos velhos tempos, De Gary Snyder, O primeiro terço, de Neal Cassady e Crônicas de Motel, de Sam Shepard. Depois, claro, vieram muitos outros. Alguns dos títulos da saudosa “Coleção Alma Beat” estão na Série Beat da Coleção L&PM POCKET. É realmente um mergulho no espírito de Kerouac e sua turma. Vale a pena!

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

47. Ideias e aventuras: o primeiro site de editora do Brasil

Por Ivan Pinheiro Machado*

Você consegue imaginar a cidade de Porto Alegre com apenas 450 pessoas conectadas à internet? Pois um dia foi assim. Você, jovem leitor, tente imaginar um mundo com pouco mais de 400 internautas, sem Facebook, Twitter, MSN, Orkut, Youtube, Google e sem iPhone, iTunes, iPad e outras invenções correlatas. Era um tempo onde Steve Jobs tinha problemas sérios de grana e nem ele, nem Bill Gates mandavam na Internet. Aliás, eles nem sequer estavam na Internet.

O “cara” era o velho “Netscape” que, durante uns poucos anos, foi soberano: o único programa de acesso a web e e-mails. Até ser atropelado pela turma do Bill e pela trupe do Steve que, por sua vez, atropelou todo o mundo. Tudo isso aconteceu no período paleolítico, 1995 para ser mais preciso. Alguém leu sobre as possibilidades remotas e futuras da internet aqui na L&PM. Ficamos maravilhados com a oportunidade de sermos lidos em computadores de qualquer lugar do mundo. Uma mágica que, naquela época, poucos acreditavam ser possível. O Renato Kling, nosso consultor de informática, trabalhava também para a PROCERGS, empresa pertecente ao Estado do RS que cuidava de toda a parte técnica dos sistemas de informática do Governo gaúcho. Fizemos contato com diretora da estatal, Marli Nunes Vieira, e depois de muitas reuniões foi estabelecida uma parceria com a empresa para colocar no ar o site inaugural da L&PM. Que seria o primeiro site de uma empresa no Rio Grande do Sul e o primeiro site de uma editora no Brasil.

Cabe, como curiosidade, contar rapidamente como eram feitas as coisas na internet, no tempo em que os bichos falavam. Já foi dito que seria a primeira página feita pela PROCERGS. Havia a teoria e nenhuma prática. A ideia era colocar todo o catálogo da L&PM Editores na Internet, com capa, sinopse e preço. Eram 2.000 títulos. E haveria uma busca simples, por título e por autor, a única disponível naquela época. O processo de trabalho: escanearíamos as 2.000 capas e faríamos 2.000 sinopses.

Para transportar dados só havia o velho disquete, lembram dele? Eles suportavam 1,44 mb, ou seja, duas capas escaneadas em média resolução ou 50 sinopses de 2 laudas cada. Foram seis meses de trabalho. Lembro do dia em que levamos o material para a PROCERGS. A Jó Saldanha, que havia operado toda a logística de escaneamento de capas e sinopses, o Renato Kling e eu, fizemos duas viagens de carro até o local de entrega, para transportar as seis enormes caixas de papelão com mais de mil disquetes… E assim, no final do ano de 1995, a página pioneira da L&PM foi lançada. A esta altura, vale dizer, o número de internautas já tinha quadriplicado. Em 2011 já não são 450 internautas. São milhões de pessoas conectadas, dependentes, interligadas, transformando a internet no mais corriqueiro meio de comunicação e informação. De lá para cá, assim como a web mudou, a L&PM cresceu. Tornou-se protagonista da única grande revolução que aconteceu no mercado editorial brasileiros nos últimos 20 anos: a implantação do livro de bolso como um hábito do brasileiro. Foram 20 milhões de livros de bolso vendidos nos últimos 14 anos. E aprofundou a sua participação na Web. Hoje temos todos os recursos de interatividade e mais uma WEB TV exclusivamente para prestar serviço aos nossos leitores. Um dia, há muito tempo, quando fizemos 10 anos, no final da ditadura militar, nós inventamos um slogam que dizia assim: “L&PM Editores: 10 anos de idéias e aventuras.” E é isso que nos move até hoje. Idéias novas e a aventura de colocá-las em prática. E sempre a mesma emoção, o mesmo risco e a esperança de que, no fim, tudo vai dar certo.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo sétimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

46. Quem nunca errou que atire a primeira pedra

Por Ivan Pinheiro Machado*

Você sabe quanto custa um erro?

Há aqueles que erram na vida e são punidos pela lei. Há os que erram por amor. Há os que simplesmente erram e vão em frente, há os que erram e capitulam, se submetem ao emaranhado de equívocos em que se enredaram. Há erros e erros. Uns maiores, outros menores. E há um custo para os nossos erros. Perdemos amores, perdemos empregos, amigos, lealdades e até a liberdade. Sempre há uma consequência, um castigo, uma penalidade.

Pois uma editora geralmente é refém da possibilidade de um erro.

Depois de tantos anos eu sempre digo que aprender a ser editor custa muito caro. Por exemplo: um belo dia, foram impressos 3.000 exemplares de um romance de Honoré de Balzac (1789-1850). Os livros chegaram na editora e a aquipe examinava o exemplar quando, de repente, alguém gritou desesperado: nããããããão, 1932 nããããão!!!

O Coronel Chabert saiu em 1832 e a contracapa do livro, em lugar nobilíssimo, exibia um rutilante 1932 como data de lançamento da primeira edição. Cem anos de equívoco. Recolhe-se o livro, devolve-se para a gráfica, corrige-se o erro e imprime-se de novo. Encaixa-se o prejuízo. Este é o caminho. Não tem outro jeito.

Duas versões da mesma quarta capa: a errada e a certa (clique para ampliar)

Um editora com 37 anos de vida como a nossa já passou por um longo e caríssimo aprendizado. Erramos muito no passado e de tanto errar, aprendemos. O lugar comum, “é com erros que se aprende”, é uma verdade absoluta quando se fala em editar livros.

Hoje, os recursos eletrônicos geram menos erros de digitação, o famoso “pastel” como se dizia antigamente. Se você digitar “atrazo” em vez de atraso, o Windows grita e você corrige correndo. Mas mesmo assim, com todo o aparato tecnológico, hoje, um livro passa no mínimo por cinco revisões, podendo chegar a seis ou sete. Há a revisão de originais, de tradução, a revisão de paginação, há a revisão da revisão, enfim. Há um enorme trabalho por trás de um livro. Tudo para que ele chegue quase perfeito nas mãos do leitor.

Neste tempo todo editamos mais de 3 mil livros. E foram dezenas de edições perdidas. Livros que foram “reciclados” por conterem doenças incuráveis, que são os erros que saltam aos olhos, erros de português, de estrutura, de páginas que faltam, por erro nosso, ou simplesmente por uma fatalidade da informática. No envio de um arquivo à gráfica por internet, a pag 71 e 72, por exemplo, somem no éter virtual. E para o desespero do editor, o erro só aparece quando um leitor liga e diz: “quero meu dinheiro de volta! Faltam duas páginas no meu livro”. Aí então se recolhe o livro (para “reciclar”), corrige-se, manda-se os arquivos para a gráfica, revisa-se as provas pré-impressão e imprime-se de novo. E depois deste erro assustador, revisa-se a primeira rodagem da máquina. Enfim, revisa-se, revisa-se, revisa-se e mesmo assim, vez que outra, acaba se descobrindo um errinho…

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

45. Um começo para os novos leitores

Por Ivan Pinheiro Machado*

No Brasil, os projetos e planos para alfabetização de adultos tem tido maior ou menor impulso, dependendo dos políticos que estão no poder. Temos uma excelente marca no que diz respeito à alfabetização infantil, chegando o índice a 96% entre 7 e 14 anos. Mas, lamentavelmente, ainda temos mais de 15 milhões de adultos analfabetos (acima de 15 anos). Darcy Ribeiro, o grande educador, era contra o investimento do Estado na alfabetização de adultos. Para ele o importante era investir tudo o que fosse possível nas crianças, “pois elas é que fariam o futuro do Brasil”. Uma tese respeitável. Darcy era maravilhoso e radical. Hoje, a ideia considerada mais democrática é a de que os adultos analfabetos têm o direito de aprender a ler.

O problema sempre foi que tipo de livro os recém alfabetizados poderiam ler para aperfeiçoar-se no domínio do idioma e da escrita. A regra básica era que uma pessoa de 50 anos que aprendiam a ler só tinham a sua disposição, para o seu nível de habilidade, livros infantis. Homens e mulheres recém alfabetizados, que possuem intensa história de vida, mas que no entanto só conseguiam ler livros para crianças. Até que alguém percebeu que poderia ser diferente.

Em 2003, depois de uma conversa com o Ministro da Educação recém empossado do governo Lula, Senador Cristovam Buarque, um homem apaixonado pela questão da educação no Brasil, nós desenvolvemos um grande projeto no sentido de adaptar livros clássicos brasileiros e internacionais para que pudessem ser lidos por adultos recém alfabetizados.

Este projeto foi elaborado e apresentado para a UNESCO que não só endossou-o, como financiou parte dele. A coleção foi batizada de “É só o Começo” e o projeto e produção envolveram mais de 30 pessoas, entre professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, escritores-adaptadores, ilustradores, designers e revisores. Esta equipe multidisciplinar foi responsável pela elaboração de 12 títulos dos quais 11 já estão nas livrarias. O pessoal especializado em alfabetização que comandou o processo de adaptação explica na abertura de cada livro os critérios utilizados: “Os livros são baseados nas edições integrais dos clássico. Na coleção “É só o começo” os originais são adaptados especificamente para um público de neoleitores, segundo critérios linguísticos (redução de repertório vocabular, supressão ou mudança de pronomes, desdobramento de orações, preenchimento de sujeitos etc.) e literários (desdobramentos de parágrafos, eventual reordenação de capítulos e/ou informações, ênfase na caracterização de personagens etc.) que visam oferecer uma narrativa fluente, acessível e de qualidade”.

Os consagrados desenhistas Edgar Vasques e Gilmar Fraga foram chamados para ilustrar os textos e o resultado foi um sucesso fulminante. Mas de 200 mil livros foram distriuídos para programas de neoleitores, seja pela iniciativa privada seja por instituições como SESI e secretarias de educação de vários estados brasileiros.

O médico e o monstro“, de Robert Louis Stevenson, chegou esta semana e o próximo volume da coleção (e último) será a daptação de “Frankenstein” de Mary Shelley. Veja aqui os outros títulos disponíveis. E, para entender melhor este projeto, assista a um vídeo que fizemos para a L&PM WebTV.

As capas dos títulos da Coleção "É só o começo" com destaque para o mais recente lançamento

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo quinto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

44. Bienal do Rio: do Copacabana Palace ao Riocentro

Por Ivan Pinheiro Machado*

A XV Bienal do Livro do Rio de Janeiro é o maior evento do livro no Brasil. Já há alguns anos ela é realizada nos amplos pavilhões do Riocentro na Barra da Tijuca e tornou-se, não só pela magia da cidade, como pelo magnífico espaço, uma grande celebração do livro brasileiro.  A L&PM Editores está lá com o seu estande no Pavilhão Verde, rua N, número 20.

O Copacabana Palace foi a sede da primeira Bienal do Rio em 1983

A história da nossa participação começa exatamente com a história da Bienal. A primeira edição foi realizada – pasmem – no hotel Copacabana Palace em 1983. Éramos um grupo restrito de editores, acomodados nos espaços do lobby e dos salões do velho e legendário Copa. Não havia nenhuma sofisticação nos estandes. Apenas expunhamos os livros para a visitação de um público pequeno e seleto. A sofisticação em si era do hotel mais badalado da cidade mais badalada do Brasil.

A Bienal de São Paulo havia iniciado o “ciclo das Bienais” – ano par em São Paulo, ano ímpar no Rio – e já era um grande acontecimento. Se no Rio era uma exposição recatada e sofisticada num hotel de luxo, a primeira bienal de São Paulo, um ano antes, havia sido um evento impressionante. Filas imensas serpenteavam em frente ao grande e também lendário pavilhão da Bienal de Artes Plásticas do Ibirapuera, um espaço bem mais adequado e que só foi abandonado quando a bienal cresceu demais. Lamentavelmente, na minha opinião, depois que deixou o Parque do Ibirapuera, ela nunca mais foi a mesma. Hoje é feita nos pavilhões da Fenit.

Estande da L&PM na Bienal de São Paulo de 1988

Mas voltando o Rio. Quando se vai para os pavilhões do Riocentro, quem segue pela praia tem uma clara visão da beleza empolgante da cidade. Passa-se por Ipanema, Leblon e entra-se na avenida Niemeyer rumo à São Conrado e de lá para a Barra. O cenário é o mar imenso, as baías, as praias de areia alvíssima, enfim, uma visão que é um bálsamo até visto dos engarrafamentos que são normais nestes trechos. Você anda bastante até chegar na Barra. Mas vale a pena. Impregnado da paisagem, você circulará por imensos pavilhões perfeitamente arejados e verá uma mostra de tudo o que se faz em termos de indústria editorial no Brasil.

Estande da L&PM na Bienal do Rio 2011

Este ano a inauguração de Bienal foi prestigiada pela presença, na quinta feira dia 1º, da Presidenta Dilma Rousseff. Isto dá uma amostra da importância deste grande evento. No final de semana, sábado dia 3 e domingo dia 4, o movimento de público foi impresionante. O estande da L&PM esteve lotado o tempo todo. Pessoas voltavam, pois não conseguiam entrar de tão abarrotado. No nosso estande estão expostos todos os livros em catálogo da L&PM. Em mais de 100 metros quadrados, o visitante tem uma idéia perfeita da produção da editora e especialmente dos quase 1.000 títulos já lançados pela coleção de bolso. Neste primeiro fim de semana, vendeu-se milhares de livros e lideraram as vendas o bestesller nacional Feliz por nada de Martha Medeiros e a versão em pocket de As Veias Abertas da América Latina do escritor uruguaio Eduardo Galeano, um velho conhecido dos cariocas. A XV Bienal Internacional do Rio de Janeiro vai até domingo próximo dia 11.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

43. Duas décadas com a Turma da Mônica

Por Ivan Pinheiro Machado*

Paulo Lima, o “L” da L&PM, foi o primeiro de nós dois a ter filho. E vendo o fascínio que Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Bidu e o resto da turma exerciam sobre Marcello (que na época devia ter uns 8 anos), ele botou na cabeça que iria editar Mauricio de Sousa, o criador da Turma da Mônica.

Era final do ano de 1987. Depois de vários contatos paralelos com amigos comuns, secretárias e assessores, finalmente o Lima conseguiu um encontro com o Mauricio. Consagrado como a tira de maior circulação entre os jornais brasileiros, e também como o campeão de vendas de revistas do país, Mauricio havia mudado de editora, passara da Abril para a Globo, e com isso conseguiu flexibilizar uma relação que era muito rígida nos tempos da editora Abril. No novo contrato, ele poderia administrar a sua obra em livro. Portanto, surgia a possibilidade de uma colaboração entre L&PM e os estúdios Mauricio de Sousa, um enorme complexo de produção editorial que envolve cerca de 300 pessoas entre roteiristas, desenhistas e administradores. Propusemos ao Maurico a edição de uma coleção de luxo, em capa dura, colorida com as principais aventuras da turma. Seriam 8 volumes com as melhores histórias da Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Bidu, Tina e Penadinho, com caixa especial que abrigaria a coleção e um display exclusivo para a venda nas livrarias. E mais, o livro seria comercializado também em Portugal.

Acertados os detalhes, assinamos os contratos e começamos a executar este grande projeto. Não foi fácil. Na era pré-digital, uma produção a cores, além de caríssima, exigia um enorme trabalho, principalmente nos fotolitos. A técnica de preparação dos filmes escolhida foi a de “separação de cores”. Em poucas palavras, esta técnica funciona assim: quando da confecção dos fotolitos (que já não existem mais, hoje é tudo digital) é feita a indicação de cada cor sobre a arte que é desenhada em branco & preto. A cor só aparecia na impressão. Imaginem o trabalhão…

As edições em luxo editadas em 1991

Enquanto eram aprontadas as artes, negociávamos com Portugal, onde Mauricio já era muito conhecido. Mandamos uma cópia das artes para o importador e recebemos uma carta muito curta que dizia mais ou menos o seguinte: “Está tudo muito bem, mas para vender cá em Portugal é preciso que estas bandas desenhadas sejam traduzidas para o Português…” Com isso tivemos que fazer modificações importantes nos textos, do tipo, eliminar todos os gerúndios ou, onde estava escrito “fazendo”, alterar para “está a fazer”. Trem virou  “comboio”, ônibus se transformou em “autocarro”, camiseta mudou para “camisola” e assim por diante. Feito isso, foram exportadas para Portugal 5 mil coleções que venderam rapidamente. Ao mesmo tempo, em março de 1991, também com enorme sucesso, lançamos em todas as livrarias do Brasil a coleção “As melhores histórias da Turma da Mônica.

No começo dos anos 2000 voltamos a editar a Turma da Mônica. Agora na coleção L&PM Pocket. Já fizemos dez volumes e vamos fazer mais dez. Também com enorme sucesso. No final do mês de agosto deste ano de 2011 o Lima e eu fomos a cidade Passo Fundo, no planalto médio do Rio Grande do Sul, para a inauguração da famosa Jornada Literária em na sua 14ª edição. Fazia um frio de rachar e ao chegarmos na cidade encontramos um dos participantes mais célebres da Jornada: justamente Mauricio de Sousa.

Vendo a verdadeira comoção que Mauricio causava por onde passava, a correria de crianças e adultos em busca de um autógrafo ou de uma foto, eu refleti sobre o extraordinário trabalho deste grande desenhista brasileiro. Há 20 anos quando fizemos nossos belos álbuns a cores ele já era uma celebridade. O tempo melhorou o desenho, as histórias e seu prestígio continua intocado. Este homem modesto e gentil, sempre atencioso com os seus milhares de admiradores tem verdadeira obsessão pela novidade. Ele, que já viu gerações se sucedendo num ritual de amor com a Turma da Mônica, hoje é uma unanimidade. Mauricio de Sousa é um dos maiores fenômenos culturais brasileiros dos últimos 40 anos.

Encontro na Jornada Literária de Passo Fundo deste ano: Ivan Pinheiro Machado, Mauricio de Sousa, Paulo Lima e Edgar Vasques

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

42. Saudades de Josué Guimarães

Por Ivan Pinheiro Machado*

O texto a seguir foi originalmente publicado neste espaço em 25 de março de 2011. Como o editor Ivan Pinheiro Machado encontra-se na Jornada de Passo Fundo, evento que este ano homenageia Josué Guimarães, optamos por reproduzir este post dentro da Série “Era uma vez… uma editora”

Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.

Passado um quarto de século, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.

Josué Guimarães na parede da sala de Ivan Pinheiro Machado

Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.

Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 25 anos… Saudades do Josué Guimarães.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

41. Delirando com Bukowski em quadrinhos

Por Ivan Pinheiro Machado*

Em 1984, estava andando pelos corredores de uma livraria em Paris quando um grande álbum de HQ chamou minha atenção. Era um título de uma importante editora francesa de quadrinhos, a Glénat: “Folies Ordinaires”, de Charles Bukowski, ilustrado pelo alemão Matthias Schultheiss. Naquela época, publicávamos a coleção L&PM Quadrinhos, só de álbuns clássicos e que chegou a ter 120 títulos.

A edição francesa que deu origem a tudo ainda está na prateleira de Ivan Pinheiro Machado

De volta ao Brasil, com a certeza de que aquele deveria ser mais um dos títulos da Coleção, escrevi uma carta à Glénat pedindo o contato de Schultheiss (naquele tempo se escreviam cartas!). Começamos a nos corresponder e marcamos, para o ano seguinte, um encontro na Feira de Frankfurt.

Matthias Schultheiss era (provavelmente continua sendo) um alemão alto e simpático que se mostrou muito agradável. Perguntei a ele de onde havia surgido a ideia daqueles quadrinhos e Schultheiss me contou que ficara muito impressionado com os livros de Bukowski. Falou ainda que ele e Buk se encontraram pessoalmente e que o escritor tinha gostado muito dos desenhos. E fez questão de salientar que os dois tomaram vários porres juntos.

Meses depois, contrato assinado, publicamos as cinco histórias de “Folies Ordinaires” em dois volumes: “Delírios Cotidianos” e “New York, 25 Cents ao dia” com tradução de Suely Bastos. Com o passar dos anos, os livros foram se esgotando e o contrato venceu. Até que, em 2008, resolvemos republicar. A primeira coisa a fazer seria encontrar Schultheiss e contatá-lo novamente. Felizmente, o Google ajudou e cheguei ao seu site oficial. Ele lembrava de tudo e, refeitos os contratos, Schultheiss nos enviou a ilustração da capa em alta definição. O novo “Delírios Cotidianos” saiu como na versão francesa, cinco histórias em um único volume.  

A capa da nova edição

Poucas vezes uma adaptação gráfica aproximou-se tanto de seus originais, como em “Delírios cotidianos”. Com um estilo realista, Schultheiss transpôs impecavelmente o universo dos bêbados, das prostitutas, dos marginais e dos desesperados que povoam as páginas do escritor que, se vivo fosse, estaria completando 92 anos hoje.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo primeiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

40. A volta da maior enciclopédia de quadrinhos do Brasil

Por Ivan Pinheiro Machado*

Goida é o codinome de Hiron Goidanich, um dos mais versáteis e respeitados intelectuais brasileiros. Além de grande boa praça, leitor compulsivo, publicitário, jornalista cultural com mais de meio século de atividades, Goida é um dos maiores arquivos deste país. Especialista em cinema e histórias em quadrinhos, Goida sabe, literalmente, tudo sobre estes assuntos. Aquela HQ que foi publicada somente durante 4 anos na década de 40 pela Ebal, ou o nome brasileiro de algum filme “B” americano da década de 50? Ele sabe.

Foi uma consultoria preciosa nos dois grandes projetos de dicionários de cinema que  fizemos aqui na L&PM. O primeiro, do francês Georges Sadoul e o segundo do também francês Jean Tulard. Eram milhares de filmes nos seus nomes originais. E tudo isto, obviamente, tinha que ser publicado com o título com que passou nas telas brasileiras. Como se sabe, as traduções no Brasil não são nem um pouco ortodoxas… Por exemplo, o clássico “Shane” virou “Os Brutos também amam”, “Annie Hall”, de Woody Allen, se transformou em “Noivo neurótico, noiva nervosa”, enfim, só um especialista abnegado, sábio e obcecado era capaz de enfrentar este desafio na era pré-Google. E Goida sempre fez isto com a maior naturalidade. Durante décadas, ele foi crítico de cinema do jornal Zero Hora de Porto Alegre. Na década de 80, baseado no seu acervo de HQs ele fez a maior enciclopédia brasileira de quadrinhos, publicada em 1990 pela L&PM. Este livro tornou-se um clássico, desapareceu das livrarias e passou a ser um “hit” no site “Estande virtual” de livros usados.

A capa da primeira edição da "Enciclopédia dos Quadrinhos", organizada por Goida

Agora, 21 anos depois, em colaboração com André Kleinert, ele concluiu a atualização dos verbetes e ampliou consideravelmente a “Enciclopédia dos quadrinhos”. Das 400 páginas originais da edição de 1990, a versão 2011 terá mais de 600 páginas e deverá ser lançada no final de setembro.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.