Ao colocar o escritor, e especialmente o escritor francês, como tema central do 30° Salão do Livro de Paris a organização do evento rompeu com uma velha tradição de homenagear países. O Brasil, por exemplo, foi homenageado em 1998. Na prática, todos os principais eventos do salão eram focados na cultura e nos autores dos países homenageados.
Este que é considerado o maior evento cultural destinado ao público da Europa parece ter reencontrado o seu rumo. Ontem falávamos que “Paris celebra os seus heróis”, e é exatamente aí que está a razão do sucesso do salão deste ano. Trinta escritores internacionais e sessenta escritores franceses foram homenageados oficialmente pela organização. Mas centenas de autores confraternizaram com seus leitores e autografaram seus livros no imenso espaço do pavilhão de Porte de Versailles.
Veja aqui a galeria de fotos do evento.
Muitos foram os adjetivos usados para celebrar o sucesso do evento, mas o que ficou como a grande lição deste Salão foi o memorável encontro entre leitores e autores. Por outro lado, a expectativa criada em torno do livro digital deu em nada. Os poucos espaços destinados a “readers” não tinham cor, nem charme, nem gente. A pesquisa do “Le Figaro” jogou um balde de água fria nas grandes empresas de tecnologia que colocavam suas fichas em convencer o publico a aderir a leitura digital. E o Salão de Paris, nestes 5 dias por Porte de Versailles, provou que o velho companheiro livro de papel seguirá por muito tempo atraindo e encantando multidões de leitores, como aconteceu entre 26 e 31 de março neste início de primavera parisiense.
Arquivo mensais:março 2010
Aznavour, Eco, Paul Auster e Salman Rushdie : o lado pop do Salão
Quem achava que os “famosíssimos” escritores internacionais seriam o “must” do salão, surpreendeu-se pelo imenso prestígio junto ao público dos escritores pariesienses e franceses em geral. No outro post já falei das filas enormes e da reverência aos autores locais.
Mas hoje é o grande dia dos astros internacionais. O lado pop do salão começou no domingo mesmo, quando Charles Azanvour baixou em Porte de Versailles para assinar seu livro de memórias. Confesso que não vi Aznavour. Sua presença era prometida no final da tarde, para promover seu livro de memórias. Ele se atrasou, para variar. Mas a fila em frente ao estande da editora Albin Michel era enorme e começara a se formar na abertura do Salão, às 10 horas de domingo. As tietes estavam lá para celebrar o “Frank Sinatra” francês que, com seus 85 anos, ainda quebra corações.
Ontem Umberto Eco deu uma voltinha causando um espetacular burburinho. Mas hoje, às 14 horas, juntamente com os escritores Enki Bilal e Jean-Claude Carrière, ele estará apresentando em grande estilo uma apologia ao “livro papel”. O vanguardista Eco, que encantou os anos 70 com sua transgressora e precursora “Obra Aberta”, está lá garantindo aos seus milhares de admiradores que o livro não vai acabar nunca no seu velho e bom suporte de papel. Sobre isso, a pesquisa promovida pelo jornal “Le Figaro” um dos mais tradicionais da França e divulgada com exclusividade no Brasil por este blog, teve grande repercussão nos debates. A pesquisa diz que apenas 1% dos franceses lêem em “readers”. Um número ridículo, diante das páginas e páginas que os jornais dedicam diariamente à “revolução dos readers. Umberto Eco ao anunciar sua conferência, disse aos jornais de Paris: sobre o quê eu vou falar ? Bom, basicamente que eu amo meus livros em papel”.
Mais tarde, às 17h, acontece o mais aguardado evento de todo o 30º Salão do Livro de Paris. Paul Auster, o grande autor de Trilogia de Nova York, encontrará o indiano-britânico Salman Rushdie. Auster é um velho conhecido dos franceses, morou quatro anos em Paris, e Rushdie ganhou o status de celebridade internacional ao ser “condenado a morte” em 1989 pelo não menos famoso Aiatolá Khomeini, que acusava seu livro Versos Satânicos de trazer ofensas ao Islã.
Paris festeja seus heróis
As fotos que ilustram este post foram tiradas no sábado. A chamada “multidão incalculável”, como diria Eduardo Bueno, acorria ao Salão por todos os meios – metrô, ônibus, táxi, tramway. Cartazes pela cidade anunciavam o salão com o simpático personagem que estiliza um livro e parece saído de uma história em quadrinhos. Ao pé do cartaz o endereço da web e todas os meios de transporte com o número certinho das linhas para chegar a Porte de Versailles.
O número de visitantes até aqui foi o suficiente para os organizadores festejarem o grande sucesso deste em relação a outros salões, do tempo em que a organização homenageava países. Homenagear 90 escritores, dentre os quais 60 franceses, foi o golpe de mestre. No bom sentido, é claro. O público parisiense quer saber mesmo é dos seus autores, seus heróis. Enormes filas se formavam em frente aos estandes onde escritores dedicavam uma hora para dar autógrafos aos fãs. Mal comparando, lá em Porto Alegre, a famosa Feira do Livro já foi assim. A fórmula é infalível. E o Salão de Paris pulsa ao reverenciar seus livros e autores. Hoje e amanhã, último dia, os holofotes estarão voltados para as celebridades internacionais como Umberto Eco, Salman Rushdie e Paul Auster. Eles circularão nos estandes de seus editores confraternizando com o público e participarão de conferências e debates.
Nesse final de semana passaram por lá os mais festejados e populares autores franceses, como Bernard Werber (autor da trilogia “As Formigas”), que, apesar de ter vendido 18 milhões de exemplares em todo o mundo, é literalmente – e reclama disso o tempo todo – ignorado pela critica francesa. Sua fila de autógrafos era digna de um Paulo Coelho, assim como eram também as filas da belga Amelie Nothomb e da nossa querida Nancy Huston, autora do festejado Marcas de nascença. Muitos outros escritores de grande prestígio em Paris como Georges Balandier, Emmanuel Carrère, Patrick Rambaud (se escreve assim mesmo) e Philippe Jaccottet compareceram sob o crivo seletivo dos “convidados especiais” do Salão, e várias mesas redondas desenvolviam o tema “o futuro do romance francês”. Uma questão tão penosa quanto difícil, pois a crítica hegemônica das grandes publicações culturais ainda é dominada pelo intimismo do velho nouveau roman que, apesar de ter perdido muito público nos últimos anos, é quem dá as tintas no “quem é quem” nas letras francesas.
E-books: muito barulho por nada
O mote shakespereano cabe como uma luva depois de se percorrer esse imenso Salão. No final de um corredor secundário perto da praça de alimentação, um estande com meia dúzia de curiosos expõe vários tipos de readers. Ao lado, um auditório alugado pela Sony anunciava uma palestra sobre “a leitura do futuro”. Entrei e vi um japonês falando um bom francês, auxiliado por slides superproduzidos, tentando convencer uma plateia que não ocupava nem um terço dos 150 lugares que o futuro já havia chegado. Afora neste pequeno setor do pavilhão não vi mais nada sobre leitura digital.
Quem passeia pelos acolhedores corredores do grande pavilhão está totalmente alheio ao marketing fabuloso das empresas de tecnologia. A multidão que enfrentou as filas e a garoa parecia se sentir feliz naquele ambiente cheio de cores e formas. Feliz como se fica quando se está entre bons companheiros. A onda digital chegou ao livro apenas pelos jornais via os espetaculares lances de marketing das empresas.
Uma pesquisa – a primeira feita sobre os e-books na França – publicada com estardalhaço pelo influente diário conservador “Le Figaro” comprova exatamente o contrário do que dizia o esforçado japonês da Sony no auditório quase vazio. O instituto Opinionway, contratado pelo jornal, ouviu três mil leitores que responderam a apenas duas perguntas.
– Hoje, sob qual suporte você lê um livro?
– No futuro, pretende ler em que suporte?
Com bom humor a matéria começa dizendo: “O papel está morto! Nos anunciam isso 10 vezes por dia. Mas parece que não é bem assim…” Na primeira pergunta, 91% dos franceses responderam que lêem em papel, 7% lêem na tela do computador e apenas 1% são adeptos dos readers. O restante não respondeu. Quanto à segunda pergunta, sobre onde leriam no futuro: 77% pretendem seguir lendo em papel, 11% lerão na tela do computador, 7% em readers, 2% em audiolivros, 2% no celular e 1% não responderam.
A conclusão é simples. A gigantesca propaganda que vem do vale do silício (quase) conseguiu convencer a imprensa. Mas o leitor gosta e gostará ainda por algum tempo de ler no velho e bom papel.
Paris celebra a paixão pelo livro
A data cheia motivou a organização a programar uma verdadeira maratona de eventos que mobilizará 30 grandes estrelas da literatura internacional e 60 dos maiores escritores franceses. Estão previstas uma infinidade de palestras, debates e mesas redondas, além de uma programação especial para as histórias em quadrinhos, febre em Paris já há mais de uma década.
São quase 4O mil metros quadrados ocupados inteiramente por livros. Não há nos estandes nenhuma pirotecnia arquitetônica, tão comum nas bienais brasileiras. Por mais poderoso que seja o editor, as estandes são projetadas para expor livros. E este é o fascínio deste Salão: a diversidade. Tudo o que se publica no momento e se publicou nos últimos anos está aqui. Enfim, como disse o conceituado “Le Monde”, Porte de Versailles abriga por cinco dias a maior livraria da França.
Adultos e crianças compartilham igualmente deste ambiente. Os grandes olhos azuis de Dominique, uma das encarregadas do atendimento às crianças e escolas do Salão, brilham ao falar sobre a estratégia do Salão de misturar crianças e adultos. “As crianças tem acesso a todos os livros e os editores de livros infantis estão ao lado dos outros editores, sem se estabelecer guetos onde as crianças ficam longe dos livros que lerão em poucos anos”. Sábia lição.
Veja a galeria de fotos do evento aqui.
Rompendo com a tradição de homenagear um país todos os anos, este 30° Salão decidiu se focar na literatura e no negócio do livro, convidando ao debate sobre o futuro da literatura e especialmente o futuro do romance francês, um tema que aflige críticos e autores, conforme está estampado nos jornais e nas inúmeras revistas especializadas que são publicadas aqui.
Para o público é uma grande viagem que compensa os 9€ (tarifa cheia sujeita a descontos para estudante e aposentados, que chegam apagar apenas 2€). Tudo o que se faz por aqui está exposto. Um conjunto imenso de livros tão diferentes entre si que faz deste Salão um verdadeiro banquete para quem gosta de ler.
Frio, sol e chuva na pacata Paris
Apesar da descrença do dublê de crítico literário e historiador Eduardo Bueno, com quem já compartilhei infortúnios nessa mesma terra de Espanha, tudo é verdade, como diria Orson Welles. Já que agora estamos todos bem e em Paris eu digo como aquele radialista de Arapongas, no Paraná: “Eduardo, bem esta você aí em segurança na esquina da Dona Laura com a Mariante, mal estou eu aqui”…
Paris começou a primavera alternando fortes pancadas de chuva com sol. As mesas dos cafés estão desertas na rua, lembrando as tardes do inverno que terminou, pelo menos no calendário. O Salão do livro que começa amanhã já é assunto. Na grande banca de revistas em frente ao meu hotel no Boulevard Saint Germain, ao comprar um jornal ou revista, você recebe uma publicação de 32 páginas com toda a programação do Salão.
Me abasteci de revistas e jornais, inclusive a incensada novidade entre as publicações culturais, a “Books”, e fui matar a fome com uma cerveja e um sanduíche de queijo gruyère, a exemplo do inspetor Maigret, que trabalha aqui pertinho. Depois fui à legendária livraria La Hune, onde pude constatar a enorme quantidade de títulos lançados nesse início de primavera. Coisas muito boas. Já estou inclusive fazendo uma lista com sugestões para o Lima publicar. Até amanhã e um beijo no Peninha.
N.E.: Aos que não entenderam o texto, sugerimos que leiam a caixa de comentários do post anterior.
Momento Jason Bourne: assalto na Calle Layetana
Eu já estava na movimentada Calle Layetana, embarcando minha bagagem no táxi que me levaria ao aeroporto. Dei adeus e abracei minha amiga que incansavelmente me conduziu pelas calles e caves de Barcelona. Isso durou dois minutos. Quando me virei para pegar minha bolsa (onde estava tudo, inclusive passaporte), não havia nada. Centenas de pessoas passavam apressadas e uma me disse, “ele foi por ali”. Por instinto eu saí correndo numa velocidade que faria inveja a um velocista jamaicano. De repente eu vi o sujeito no meio da multidão. Reconheci pela alça que tem cor diferente da bolsa. Acelerei mais ainda diante dos pedestres e turistas perplexos e a uns cinco metros do sujeito gritei “ladron!”. Ele tentou correr e, num instante de irreflexão, pulei na garganta dele. Ele caiu e me olhou apavorado. Arrancou a bolsa, atirou-a em mim e se perdeu a toda velocidade pela Calle Princesa, uma transversal da Layetana. Meus batimentos cardíacos estavam, provavelmente, em 440. Pensei em ligar para o Dr. Lucchese… Alguns transeuntes vieram até mim indagando se estava tudo bem com uma admirada solidariedade. E eu saí passo a passo, agarrado na minha bolsa. Aos poucos as nuvens foram se dissipando e o sol apareceu radiante banhando de luz os telhados de Barcelona. Peguei o táxi finalmente. Meu destino é Paris. Amanhã começa o Salão do Livro. Apesar do incidente saio com as mais gratas lembranças dessa cidade amável, linda, onde quero voltar sempre. E espero que em Paris eu não precise utilizar novamente meu lado Bourne…
Restauração de O quarto ganha blog
Mestre da pintura, dono de uma vida polêmica e inovador no uso das cores, Van Gogh tem mais um item de pioneirismo. Dessa vez, sob a responsabilidade do museu que leva seu nome, naturalmente.
A obra O quarto, pintada em 1888, foi retirada de exposição para restauro. Até aí, nada de novo. A diferença é que a equipe responsável por devolver as cores da obra de Van Gogh criou um blog com o passo a passo do restauro.
Confere aqui como está o trabalho. E aqui, mais sobre a biografia de Van Gogh, lançada pela L&PM.
Picasso de Barcelona
Pablo Picasso nasceu em Málaga em 1881 e morreu em seu castelo em Mougins, na França, em 1973. Aprendeu a ler e a desenhar na Andaluzia. Mas foi em Barcelona, para onde a família se mudou em 1895, que ele tornou-se o Picasso que o mundo reverencia.
E a gênese da transformacao do jovem precoce em gênio está detalhada nas paredes do belíssimo prédio do seculo XIII, na estreita Calle Montcada, 15, no Bairro Gótico em Barcelona. Há obras de Picasso nos mais importantes museus e nas coleções particulares mais exclusivas do mundo. Mas em nenhum outro lugar é possível aos leigos e amadores entenderem de forma tão imediata por que ele se tornou o grande astro da arte do século XX. Porque aqui estão seus primeiros trabalhos.
Segundo ele mesmo, “aos 12 anos já desenhava como Rafael”. E aqui isso está provado, na virtuose e habilidade que ele mostra nos quadros dos seus 14, 15 e 16 anos. Há uma série impressionante de retratos de amigos, notivagos, bailarinas, cujo traço perfeito e clima melancólico daria origem ao seu início triunfal em Paris com as séries azul e rosa. São 213 quadros a óleo e 681 desenhos. Da fase da maturidade estão expostos 54 quadros da série “Meninas”, de 1957 (em que parodiava Velásquez), doada ao Museu pelo mestre em vida. Estes quadros são emblemáticos da grande revolucao na carreira do pintor, quando ele escandalizou o mundo esfacelando a figura humana que tão magistralmente ele construíra nas telas da adolescência e que estão penduradas nas paredes do museu da Calle Montcada.
O outro lado de Carol Teixeira
Falta pouco para você conhecer o Lado C, mais um programa exclusivo da nossa L&PM Web TV. A produção e apresentação é de Carol Teixeira que, a cada novo episódio, mostrará o lado desconhecido de uma cidade, quem sabe o lado escondido de uma livraria, de repente o lado mais divertido de um evento cultural. No programa de estréia, Carol passeia pelos bairros Prenzlauer berg e Mitte, que ficam no lado ex-comunista de Berlim, com direito a parada em livraria e tour por museus. Lado C está em fase de finalização e, breve, será exibido em uma tela perto de você. Avisaremos quando começar.