Arquivo mensais:setembro 2011

A história dos bestsellers

Quem nunca leu um Bestseller? Velho conhecido do público leitor, ele significa, literalmente, “Melhor vendido” ou, num português mais sonoro, o livro “Mais vendido”. O termo foi registrado pela primeira vez em 1889 pelo jornal norteamericano “The Kansas Times & Star”, mas o fenômeno da popularidade imediata de um livro é bem anterior a isso.

Os primeiros Bestsellers que se têm notícia eram, em sua maioria, religiosos. E não estamos falando da Bíblia que, quando começou a ser vendida, era considerada uma publicação “cara”. Para figurar no topo da lista, era fundamental que um livro fosse pequeno e, portanto, barato. Versões em pocket do Apocalipse, por exemplo, eram muito populares e vendidas em larga escala num formato que era chamado de “block-book”.

Na lista dos maiores bestsellers da história estão A Tale of Two Cities (Um conto de duas cidades) de Charles Dickens, publicado originalmente em 1859 e que vendeu mais de 200 milhões de cópias. Também está lá O Senhor dos Anéis, de J.R.R. Tolkien que, lançado em 1954, teve venda superior a 150 milhões de livros. O sonho da câmera vermelha, de Cao Xueqin, originalmente lançado em chinês, vendeu mais de 100 milhões. Nesta faixa, aparece também Agatha Christie cujo maior sucesso, O caso dos dez negrinhos (que a L&PM publica em quadrinhos) também chegou aos 100 milhões de livros vendidos. Claro que aqui não estamos contando a Bíblia, o Alcorão e outros do gênero que já venderam bilhões pelo mundo afora.

E por falar em Bestseller, Feliz por nada, de Martha Medeiros, está mais uma vez no topo da lista dos mais vendidos da Revista Veja desta semana. Uma notícia que é… “the best” pra nós.

O resgate de uma trip beat

Uma viagem lisérgica, libertária, lendária, hippie, beat… “Magic Trip” é isso. Na verdade, mais do que isso. O filme de Alex Gibney e Alison Ellwood é o resgate de uma viagem real, liderada por Ken Kensey, autor de “One Flew Over the Cuckoo’s Nest (Voando Sobre Um Ninho de Cucos)”. Em 1964, Kensey botou o pé na estrada, num ônibus embalado por LSD, e na companhia de “The Merry Band of Pranksters”, um grupo de renegados da contracultura que estava em busca da “verdade”. O grupo incluía Neal Cassady, o companheiro de Jack Kerouac em On the road. Cassady não apenas ajudou a pintar o ônibus psicodélico, como também dirigiu o veículo. Kesey e os Pranksters gravaram toda a viagem com uma câmera 16mm, pois pretendiam fazer um documentário. Mas o filme nunca foi terminado e as imagens ficaram praticamente perdidas. Até agora. Gibney e Ellwood tiveram acesso exclusivo a este material bruto através da família de Kesey. Eles trabalharam com a Fundação de Cinema e História da “UCLA Film Archives” para restaurar mais de 100 horas de filme e áudio e conseguiram moldar um documento de valor inestimável. O filme “Magic Trip“, que conta ainda com a participação de Jack Kerouac e Allen Ginsberg, estreou no circuito underground americano em agosto deste ano. Vamos ficar torcendo pra que ele participe de algum festival de cinema alternativo por aqui também.

Clique sobre a imagem e assista ao trailer legendado pela L&PM WebTV:

Autor de hoje: Daniel Defoe

Londres, Inglaterra, 1660 – † Londres, Inglaterra, 1731

Descendente de holandeses, estudou em uma escola para protestantes ingleses não-anglicanos. Mais tarde, alistou-se no exército do duque de Monmouth, que pretendia depor o rei Jaime II. Derrotado o duque, Defoe passou a servir-se da palavra escrita como arma de combate. Exerceu cargos no governo, viajou a Portugal e Espanha e dedicou-se a escrever e publicar ensaios políticos. A instabilidade dos governantes determinou mudanças na situação pessoal e profissional do escritor. Sempre contrário ao anglicanismo, sofreu reveses e benesses, alternando cargos lucrativos, humilhações públicas e prisão. Sua obra ficcional trata questões importantes à época, como a bondade natural do homem corrompida pela civilização, tema central de Robinson Crusoé, depois retomado em Moll Flanders. Essas duas obras continuam suscitando o interesse dos leitores e da crítica, servindo de argumento para o cinema norte-americano.

OBRAS PRINCIPAIS: Robinson Crusoé, 1719-1720; Moll Flanders, 1722; Um diário do ano da peste, 1722

DANIEL DEFOE por Maria Helena Martins

Não é preciso ser conhecedor de literatura para saber que o mais importante na leitura de um romance está no fato de ele prender nossa atenção, fazer com que se queira ler mais. O autor tem de criar suspense, despertar e manter nossa curiosidade, romper expectativas, deixando-nos presos à sua história. Qualquer contador de causos sabe disso intuitivamente. Imagine-se o que pode fazer quem também domine a palavra escrita, conheça meandros da alma humana, seus ditos e interditos, feitos e fantasias. Quem entre na pele de aventureiros e heróis, decentes e devassos… Pois Defoe literalmente tira de letra com facilidade camaleônica. Ora envolve o leitor com suas personagens e peripécias, ora escapa com elas por desvãos inusitados, deixando o leitor surpreso e desorientado, como quem é perseguido por trilhas ou ruelas estranhas.

Seu livro mais conhecido é Robinson Crusoé, porém Moll Flanders é emblemático de uma sociedade plena de falsidades, que encobre perversões e precariedades. Tratava da Inglaterra do século XVIII, mas percebia nela traços que persistem em nossos dias, em nossa realidade. Já no prefácio, ao antecipar seu relato da “vida amorosa” de sua protagonista, Defoe revela que toma “todo o cuidado” para sua história não provocar “idéias impudicas nem obscenas”, com “pormenores mais corruptos de sua vida”. Contudo, isso atiça a curiosidade para o oposto do que estaria propondo e, decididamente, fisga o leitor para a leitura do texto. Segundo ele:

(…) para contar uma vida de pecado e arrependimento é absolutamente necessário contar a parte pecaminosa com toda a verdade possível, para realçar e embelezar a parte do arrependimento, que é, sem dúvida, a melhor e a mais radiosa, se for contada com igual entusiasmo e realidade.

Insinua-se não ser possível relatar a parte do arrependimento com tanta realidade, tanto esplendor e tanta beleza como a pecaminosa. Se há alguma verdade nessa insinuação, seja-me permitido dizer que tal se verifica por não haver o mesmo gosto e satisfação na leitura e a diferença existir, deveras, mais no deleite e prazer do leitor que no valor real do assunto.

Mas, como este livro se destina, sobretudo, àqueles que o saibam ler e tirar dele o proveito que se recomenda ao longo da história, espera-se que tais leitores apreciem mais a pertinência que a narrativa, a moral que a ficção, o objetivo do escritor que a biografia da pessoa biografada.

Então, nada mais a recomendar do que uma boa leitura!

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Ele não pode faltar no churrasco!

Um belo churrasco pressupõe um final de semana feliz. Muitos amigos, família, carne suculenta saindo a todo minuto. Uma cena clássica. Antes das carnes principais, espera-se sempre os acepipes. Salsichão, linguicinha, pão com alho, queijo provolone. Esse é, na opinião de muitos, o ponto alto do churrasco. Leon Hernandes Dziekaniak, no livro Mais de 100 dicas de churrasco, nos brinda com alguns macetes que deixam a hora do aperitivo ainda mais gostoso. Você sabe como preparar um bom salsichão? Mãos à obra!

SALSICHÃO

É o preferido e quase obrigatório. Ultimamente vem mudando de nome e tem sido chamado de linguiça toscana ou linguiça para churrasco. O legítimo é todo de carne de porco, mas agora já temos o misto, porco e rês, e o de frango. E há os famosos, de Erexim, que agregam os temperos verde, que lhe dão outro sabor. O importante é escolher uma boa marca, de confiança. E cuide que não tenha gordura em excesso. Na hora de assar, o salsichão exige poucos cuidados. Basta usar um espeto fino, melhor um duplo, estreito, atravessá-lo e apresentar ao calor das brasas. Como a carne é de porco, demora um pouco mais. O cuidado maior é de não queimá-lo muito pelo lado de fora. Como em outros casos que já vimos, o que deve assar é o calor. Quando estiver quase na hora de servir, convém dar algumas espetadas com a ponta da faca, para que pingue fora a gordura que se liquefez.
Recomenda-se baixar bem o espeto para uma última e rápida tostada, que o fará chegar à mesa bem quente, crepitante. Aí é só cortá-lo em rodelas, com a farinha de mandioca à disposição e… bom apetite.

Sábado tem sempre uma “Receita do dia” vinda diretamente dos livros da Série Gastronomia L&PM.

Com quantos Peanuts se faz uma parede?

O artista japonês Yoshiteru Otani ficou famoso por fazer um grande mural no Schulz Museum, na Califórnia, usando 3.588 tirinhas (algo perto do número total de tirinhas dos 4 volumes de Peanuts Completo) impressas em azulejos de 5 x 20 cm. Mas o trabalhão que ele teve valeu a pena! A cena que mostra Charlie Brown e Lucy jogando futebol ficou perfeitamente reproduzida na parede do museu e impressiona todo mundo que visita o lugar.

No site do Schulz Museum, estão as fotos que mostram o passo a passo da montagem do mural, feita sob o olhar atento de Jean Schulz, ex-esposa do criador de Peanuts, que também colocou a mão na massa:

As tirinhas foram impressas em azulejos de 5 x 20cm

Jean Schulz também colocou a mão na massa

As tirinhas com fundo preto foram usadas para desenhar os personagens

Jean Schulz e o artista Yoshiteru Otani

Ficou perfeito, não? 🙂

Morando na camisa embaixo do chapéu

Por Anonymus Gourmet (José Antonio Pinheiro Machado)*

Anonymus Gourmet, que sobreviveu ao regime militar, inclui entre suas vaidades favoritas a tolerância amável ao direito das minorias. Ele sempre esteve do lado mais difícil, orgulha-se Madame Queiroz, testemunha daqueles tempos. Ela gosta de repetir a frase de Borges (ele, sempre ele): A um verdadeiro cavalheiro só podem interessar causas perdidas. Houve um tempo em que os vegetarianos não passavam de uma minoria ridicularizada. Anonymus, então, não hesitou em empunhar alfaces e cenouras como se fossem estandartes que não poderiam ser calados. Hoje, a carne a carne vermelha como dizem aqueles que desejam estigmatizar nossos bifes, diz a solidária Madame Queiroz é o alvo da Inquisição.

– Ainda bem que os Torquemadas ainda não estão incendiando açougues! – constata Anonymus.

Em pleno mês Farroupilha (no início, era a “data”, com o tempo virou “Semana Farroupilha”, agora é o setembro inteiro), Madame Queiroz gosta de lembrar um dos maiores escritores do Rio Grande, o inesquecível Athos Damasceno: “Ao passo que o Norte flutuava numa doce enseada de calda, nós aqui singrávamos num mar vermelho de sangue – sangue de boi, de ovelha e de carneiro. E não raro, até sangue de homem, tanto nos custou, em diferentes épocas, levantar uma barreira de peitos contra a cobiça dos espanhóis e suas pretensões territoriais”.

Tudo isso adverte que o churrasco dominical rio-grandense tem raízes profundas. Anonymus gosta de lembrar que o gado bovino chegou ao Rio Grande do Sul no século 17, mostrando o recorte já amarelado de uma antiga revista Claudia, no texto excelente da querida amiga Adélia Porto. Era o chamado gado xucro ou gado chimarrão, que vivia à solta, sem cerca e sem controle, caçado pelos índios charruas, nativos da região, que se tornaram grandes mestres da arte do churrasco. Adélia conta que a habilidade e o apetite dos índios espantaram o padre Antônio Seppé, que esteve por aqui em 1691. Seppé escreveu um livro, Viagem às Missões Jesuítas e Trabalhos Apostólicos, onde se lê: “Impossível dizer-se com que perícia e rapidez os índios pegam uma rês, derrubam-na, tiram-lhe o couro e esquartejam-na. Mas muito mais rápidos ainda são no comer”. Perplexo, o padre fala de um casal de índios que, sentindo fome, interrompeu a lavração de uma roça e devorou um dos bois de serviço, utilizando o arado, que era de pau, para principiar o fogo – um insólito churrasco de emergência. Depois dos índios, vieram os comerciantes de couros e os tropeiros, que recolhiam gado para São Paulo e Minas Gerais. Eram os primeiros gaúchos, gente rude, sem governo, que “morava na sua camisa, debaixo do chapéu”.

* José Antonio Pinheiro Machado (Anonymus Gourmet) é autor de diversos livros da série Gastronomia L&PM. Este texto foi originalmente publicado na pg. 2 do Caderno Gastronomia de Zero Hora do dia 16 de setembro.

Entrevista com o capista de Agatha Christie

Se você conhece as capas dos livros de Agatha Christie, deve ter notado que elas seguem um mesmo padrão gráfico, com um design meio retrô . Pois o responsável pela criação desta série de capas é o ilustrador e artista inglês David Wardler. David desenhou as capas para a HarperCollins, editora britânica que publica Agatha Christie em pocket na Inglaterra. Elas foram compradas pela L&PM Editores e agora chamam a atenção por aqui. Conversamos por email com David para saber como este trabalho começou e qual a sua capa favorita. Infelizmente, a preferida do artista ainda não está entre os 42 títulos já publicados na Coleção L&PM POCKET. Pelo menos não por enquanto…

L&PM: Quando você começou a desenhar as capas dos livros de Agatha Christie?
David:
Eu comecei a trabalhar para a HarperCollins assim que saí da Universidade. Trabalhei por seis anos com uma ampla gama de capas, fazendo parte do time “da casa”. Antes de virar freelancer, mudei-me para outra editora. Alguns anos depois de ter virado free, a HarperCollins ligou-me perguntando se eu estaria interessado em fazer as capas da metade dos títulos de Agatha Christie que eles tinham no catálogo.

L&PM: Quantas capas de livros da Agatha você já criou?
David: No total, trabalhei em aproximadamente 45 títulos da autora. Eu já havia trabalhado em brandings para os títulos da Agatha Christie quando ainda estava na HarperCollins, mas eram projetos menores de dois ou três títulos, edições especiais e de aniversário.

L&PM: Você tem alguma capa favorita?
David: Minha favorita é The Hollow.

L&PM: Você certamente leu os livros antes de fazer o design das capas. Você tem algum título favorito?
David: Acho que o meu livro favorito é o clássico Assassinato no Expresso do Oriente.

L&PM:  Você já era um leitor e/ou fã dos livros da Agatha antes de ser contratado para fazer as capas?
David: Não me descreveria como um grande fã, mas sempre estive bem ciente dos livros e das inúmeras adaptações feitas para TV e cinema. Eu também estava bem atento às fantásticas capas feitas para a primeira edição dos livros da Agatha Christie.

L&PM: Você teve alguma inspiração especial para criar o design dessas capas?
David:
Eu gosto muito de antigos cartazes ferroviários e pôsteres undergrounds dos anos 1950, que eram muito populares aqui no Reino Unido. Ilustrações de pessoas como Walter Spadberry.

15 de setembro foi o aniversário de Agatha Christie (121 aninhos!) e fizemos uma votação no QG do blog L&PM para ver quais eram as favoritas do pessoal. Aqui estão elas (clique para ampliar e ver melhor todos os detalhes):

Isadora Duncan: liberdade, revolução e dança

“Adeus, amigos! Vou para a glória!” foram as últimas palavras que Isadora Duncan disse em 14 de setembro de 1927, pouco antes de embarcar no carro que a matou. Sua echarpe ficou presa em uma das rodas do conversível, estrangulando-a. E assim termina a biografia da mulher de espírito revolucionário e apaixonado que reinventou a arte da dança e lutou até o fim da vida por um mundo melhor.

Descendente de escoceses e irlandeses, Isadora nasceu em São Francisco, nos Estados Unidos, no dia 27 de maio de 1877. Ficou na “Bay Area” até 1896, quando saiu para ganhar o mundo. Passou por Chicago, Nova York, Inglaterra, França, Grécia, Alemanha e Rússia, onde se envolveu com a revolução e os ideais comunistas.

Em sua autobiografia, escrita coincidentemente no ano em que morreu, ela conta que sua mãe tricotava roupas para vender e fazer algum dinheiro extra para o sustento dos quatro filhos, que criava sozinha. Vendo o desespero da mãe que não conseguia sequer comprar comida, a pequena Isadora resolveu vestir um gorro vermelho e ajudar nas vendas de porta em porta como narra Isadora – Fragmentos Autobiográficos, um dos primeiros livros da Coleção L&PM POCKET:

“De casa em casa, apresentei minhas mercadorias. Algumas pessoas eram bondosas, outras grosseiras. De modo geral, tive sucesso, mas foi o primeiro despertar, em meu peito infantil, da consciência da mosntruosa injustiça do mundo. E aquele pequeno gorro vermelho que minha mãe tricotara era o gorro de uma criança bolchevique.”

Isadora recorda em sua autobiografia que a dança faz parte de sua vida desde muito cedo, só que não da forma clássica, como na vida das meninas que frequentaram aulas de balé, mas da forma mais natural, intuitiva e libertária:

“Na infância, não tive brinquedos ou brincadeiras de criança. Muitas vezes fugia sozinha para as florestas ou à praia junto do mar, e lá dançava. Sentia que meus sapatos e roupas apenas me estorvavam. Meus sapatos pesados eram como correntes; minhas roupas eram minha prisão. Por isso eu tirava tudo. E sem olhos me espiando, inteiramente só, eu dançava nua diante do mar. E parecia-me que o mar e todas as árvores dançavam comigo.”

Vários anos mais tarde, em 1915, Isadora repete o feito da infância no Metropolitan, em Nova York. Nua e descalça, vestida apenas com um xale vermelho, ela surpreende o público e encerra seu espetáculo dançando o hino nacional francês, numa tentativa intensa e desesperada de sensibilizar os americanos e chamar atenção para os efeitos da Primeira Guerra Mundial que devastava a Europa.

Mas seus ideais e sua arte nem sempre foram compreendidos – quiçá bem aceitos – pelo público. E não era pra menos! Muito antes do surgimento dos movimentos feministas, ela já se posicionava a favor da emancipação da mulher e criticava a instituição sagrada do matrimônio. E, em 1916, quando resolveu repetir o maravilhoso feito do Metropolitan num café em Buenos Aires, foi quase deportada em nome da moral, dos bons costumes e dos sagrados símbolos pátrios.

Diante desta história, Eduardo Galeano não poderia deixar de falar de Isadora Duncan em seu livro Mulheres. O texto que leva seu nome traduz a alma radical e libertária de uma das maiores dançarinas de todos os tempos, que se transformou em exemplo para aqueles que sonham com um mundo melhor e que, para realizar este sonho, não medem consequências:

Isadora

Descalça, despida e envolvida apenas pela bandeira argentina, Isadora Duncan dança o hino nacional.

Comete esta ousadia numa noite de 1916, num café de estudantes de Buenos Aires, e na manhã seguinte todo mundo sabe: o empresário rompe o contrato, as boas famílias devolvem suas entradas ao Teatro Colón e a imprensa exige a expulsão imediata desta pecadora norte-americana que veio à Argentina para macular os símbolos-pátrios.

Isadora não entende nada. Nenhum francês protestou quando ela dançou a Marselhesa com um xale vermelho como traje completo. Se é possível dançar uma emoção, se é possível dançar uma ideia, por que não se pode dançar um hino?

A liberdade ofende. Mulher de olhos brilhantes, Isadora é inimiga declarada da escola, do matrimônio, da dança clássica e de tudo aquilo que engaiole o vento. Ela dança porque dançando goza, e dança o que quer, quando quer e como quer, e as orquestras se calam frente à música que nasce de seu corpo.

Em 1996, a L&PM publicou Isadora – Fragmentos autobiográficos, com tradução de Lya Luft, mas infelizmente o livro está esgotado. A autobiografia completa de Isadora Duncan está no livro Minha vida.

45. Um começo para os novos leitores

Por Ivan Pinheiro Machado*

No Brasil, os projetos e planos para alfabetização de adultos tem tido maior ou menor impulso, dependendo dos políticos que estão no poder. Temos uma excelente marca no que diz respeito à alfabetização infantil, chegando o índice a 96% entre 7 e 14 anos. Mas, lamentavelmente, ainda temos mais de 15 milhões de adultos analfabetos (acima de 15 anos). Darcy Ribeiro, o grande educador, era contra o investimento do Estado na alfabetização de adultos. Para ele o importante era investir tudo o que fosse possível nas crianças, “pois elas é que fariam o futuro do Brasil”. Uma tese respeitável. Darcy era maravilhoso e radical. Hoje, a ideia considerada mais democrática é a de que os adultos analfabetos têm o direito de aprender a ler.

O problema sempre foi que tipo de livro os recém alfabetizados poderiam ler para aperfeiçoar-se no domínio do idioma e da escrita. A regra básica era que uma pessoa de 50 anos que aprendiam a ler só tinham a sua disposição, para o seu nível de habilidade, livros infantis. Homens e mulheres recém alfabetizados, que possuem intensa história de vida, mas que no entanto só conseguiam ler livros para crianças. Até que alguém percebeu que poderia ser diferente.

Em 2003, depois de uma conversa com o Ministro da Educação recém empossado do governo Lula, Senador Cristovam Buarque, um homem apaixonado pela questão da educação no Brasil, nós desenvolvemos um grande projeto no sentido de adaptar livros clássicos brasileiros e internacionais para que pudessem ser lidos por adultos recém alfabetizados.

Este projeto foi elaborado e apresentado para a UNESCO que não só endossou-o, como financiou parte dele. A coleção foi batizada de “É só o Começo” e o projeto e produção envolveram mais de 30 pessoas, entre professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, escritores-adaptadores, ilustradores, designers e revisores. Esta equipe multidisciplinar foi responsável pela elaboração de 12 títulos dos quais 11 já estão nas livrarias. O pessoal especializado em alfabetização que comandou o processo de adaptação explica na abertura de cada livro os critérios utilizados: “Os livros são baseados nas edições integrais dos clássico. Na coleção “É só o começo” os originais são adaptados especificamente para um público de neoleitores, segundo critérios linguísticos (redução de repertório vocabular, supressão ou mudança de pronomes, desdobramento de orações, preenchimento de sujeitos etc.) e literários (desdobramentos de parágrafos, eventual reordenação de capítulos e/ou informações, ênfase na caracterização de personagens etc.) que visam oferecer uma narrativa fluente, acessível e de qualidade”.

Os consagrados desenhistas Edgar Vasques e Gilmar Fraga foram chamados para ilustrar os textos e o resultado foi um sucesso fulminante. Mas de 200 mil livros foram distriuídos para programas de neoleitores, seja pela iniciativa privada seja por instituições como SESI e secretarias de educação de vários estados brasileiros.

O médico e o monstro“, de Robert Louis Stevenson, chegou esta semana e o próximo volume da coleção (e último) será a daptação de “Frankenstein” de Mary Shelley. Veja aqui os outros títulos disponíveis. E, para entender melhor este projeto, assista a um vídeo que fizemos para a L&PM WebTV.

As capas dos títulos da Coleção "É só o começo" com destaque para o mais recente lançamento

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo quinto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

O primeiro vôo de Santos Dumont

Sete horas da manhã do dia 13 de setembro de 1906. Dividido em duas partes, o 14-Bis é levado pelas ruas até o campo de Bagatelle. Mais uma vez, a imprensa encarregou-se de tomar “instantâneos fotográficos” de cada detalhe da operação. Uma das partes, composta pelas asas, o motor e a barquinha, desliza sobre rodas de bicicleta. A fuselagem, com sua extremidade em forma de uma grande caixa oca, segue carregada por operários. Alguns curiosos acompanham o estranho cortejo. No meio deles, vestindo um terno escuro impecável, com o grande chapéu branco puxado sobre as sobrancelhas, caminha Alberto Santos Dumont. Poderia ter ido de automóvel, mas preferira, como era do seu feitio. Participar de todos os momentos da grande prova. Chegando ao campo de Bagattelle, vem a seu encontro um grande automóvel fumacento, o Mors de Ernest Archdeacon. (…) Archdeacon, embora tivesse oferecido três mil francos do seu bolso para o vencedor daquela façanha, não acreditava, como depois confessou à imprensa, que um aparelho pesado se erguesse no ar. E essa era a opinião da maioria das pessoas que olhavam para o estranho “bicho” já reunido em um único corpo. No outro extremo do campo, Santos Dumont subiu na barquinha, ligou o motor e consultou seu relógio de pulso: 7h50. Com um gesto imperativo, fez com que todos se afastassem. O 14-Bis começou a rodar, daquela maneira estranha, com a fuselagem voltada para frente, e ganhou velocidade. Mas não ergueu vôo. Sentindo que o motor falhava, Alberto teve que parar no extremo sul da clareira, limitada por algumas árvores. (…) Às 8h40, a estranha aeronave corre novamente pelo gramado a uns trinta quilômetros por hora. Todos os olhos, principalmente os dos jurados, estão fixos nas rodas, para ver se conseguem erguer-se e girar no vazio. E isso acontece, por alguns segundos, antes que o 14-Bis perca as forças e caia pesadamente no chão. O chassi afunda e a hélice rompe-se em pedaços, sem parar de girar. Os jurados cercam Santos Dumont e o felicitam. E Archdeacon pronuncia uma frase de efeito, que seria transcrita pelos jornais:
– Você voou! Uns poucos centímetros acima do solo, mas voou! (Trecho de “Santos Dumont“, de Alcy Cheuiche*, Série Encyclopaedia)

Há 105 anos, Santos Dumont voou baixo, mas voou

No mês seguinte, em 23 de outubro daquele mesmo ano, o 14-Bis finalmente conseguiria voar de verdade.

*Alcy Cheuiche acaba de lançar “Com sabor de terra” que terá sessão de autógrafos no próximo final de semana.