Arquivo mensais:outubro 2012

Lisboa de Pessoa

Por Paula Taitelbaum

Semana passada estive em Lisboa. Lisboa que emana poesia: “Ó mar salgado, quanto do teu sal, são lágrimas de Portugal…”. Fernando Pessoa, aliás, é onipresente nesta cidade que se esparrama a partir das margens do Tejo. Valorizado por tudo e por todos, o poeta está não apenas nas vitrines das livrarias, mas também nas paredes dos restaurantes, no souvenir oferecido ao turista, nos desenhos do artista anônimo da esquina, nos grafites dos prédios. Imaginar que ele andou pelas mesmas ruas por onde passei, que viu a mesma paisagem, já seria bom demais. Mas entrar na livraria Betrand do bairro do Chiado – aliás, bem pertinho da casa onde nasceu Pessoa – e pensar que ele muitas vezes esteve ali, levou-me para uma viagem além do Tejo… Quase pude vê-lo “a folhear” alguma obra, quem sabe autografando um livro (pra mim!). Fundada em 1732, a Bertrand é considerada a mais antiga do mundo pelo Guiness Book e você pode imaginar quanta gente letrada já passou por lá nesses mais de dois séculos e meio.

A fachada da Bertrand do Chiado, a mais antiga livraria do mundo

O anúncio da vitrine revela que a Bertrand foi testemunha até do grande terremoto que destruiu Lisboa em 1755 (clique para ampliar)

O ano do Brasil em Portugal começou no dia 21 de setembro e vai até junho de 2013. Quem sabe você não aproveita e vai conhecer o país de Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Florbela Espanca e Luís de Camões. Pra facilitar, a TAP (Transporte Aéreos Portugueses) tem vôos que partem direto de dez capitais do Brasil. Pois, pois…

Sergio Capparelli e Moacyr Scliar entre os 100 melhores para crianças

Uma edição especial da Revista Nova Escola apresenta uma lista com os 100 melhores livros para bebês, crianças e adolescentes eleitos pela Fundação Victor Civita. A escolha foi feita em parceria com especialistas em leitura e oferece opções que têm como objetivo apoiar educadores e famílias na escolha de obras literárias. O critério utilizado para escolher as publicações foram as características de cada idade, as temáticas que mais interessam, a qualidade editorial dos livros e a diversidade de gêneros e autores. Com base nisso, os títulos literários e informativos considerados imperdíveis foram divididos em quatro grupos: até 3 anos (Livros para explorar), de 4 a 5 anos (Livros para sonhar), de 6 a 10 anos (Livros para se aventurar); e de 11 a 14 anos (Livros para crescer).

Dois livros publicados pela L&PM Editores estão entre os selecionados: Boi da cara preta, de Sergio Capparelli e Histórias para (quase) todos os gostos, de Moacyr Scliar.

Os livros de Capparelli e Scliar, selecionados pela Fundação Victor Civita

75 anos de Guernica

Há 75 anos, no amplo estúdio da rue des Grands-Augustins em Paris, Picasso pintava sua mais célebre obra, “Guernica”, que seria exibida no pavilhão espanhol da Exposição Universal de Paris de 1937. O quadro é uma violenta explosão de fúria e indignação diante da destruição da cidade basca de Guernica em 26 de abril de 1937 pela aviação nazista que apoiava o general fascista Francisco Franco. A enorme tela de 7,80 metros  x 3,50 metros ainda produz em que o vê um choque devastador. A cena de horror e sofrimento transmitida através de uma grandiosidade monocrômica é um violento libelo contra a guerra e a morte. Mas até chegar ao museu Reina Sofia em Madrid, este quadro rodou muito. Reza a lenda que, inclusive, ele esteve na caçamba de um caminhão completamente atolado na lama nos arredores do pavilhão do Ibirapuera em São Paulo, onde foi a grande estrela da 2ª Bienal de São Paulo em 1953. Na época, o quadro foi cedido pelo MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova York, que era o seu fiel depositário.

A história das andanças de “Guernica” começa em 1939 quando Picasso, convidado por Alfred Barr Jr., o fundador e diretor do MoMA, faz sua primeira grande exposição em Nova York. “Guernica” e mais 300 quadros causaram um verdadeiro rebuliço nos meios culturais novaiorquinos. O sucesso foi enorme e Picasso e Alfred Barr se tornaram grandes amigos a ponto do pintor deixar o grande quadro emprestado para o MoMA “até o dia em que Francisco Franco morresse e fosse restaurada a democracia na Espanha”. Sob estas condições, “Guernica” deveria ser entregue para o museu do Prado que seria sua morada definitiva. Franco morreu em 1973, em junho, coincidentemente 3 meses depois de Pablo Picasso. O processo de redemocratização ainda demorou alguns anos e, depois de muita diplomacia, idas e vindas, com enorme má vontade, o MoMA cumpriu o acordo e devolveu “Guernica” à Espanha. Tão expressivo e tão famoso, o gigantesco painel monocrômico pintado praticamente em preto e branco acabou ganhando seu próprio museu, o Reina Sofia, um anexo do Museu do Prado no centro de Madrid. (Ivan Pinheiro Machado)

Guernica em exposição na Bienal de Arte de São Paulo de 1953. Na foto, Ciccillo Matarazzo, responsável por trazer a obra de Picasso, em destaque ao lado de Juscelino Kubitschek

Picasso é um dos títulos da Série Biografias L&PM.

Os haicais de Kerouac estão mais perto de nós

Prepare-se para ler os haicais de Jack Kerouac em português a partir de 2013. Quinta-feira, 27 de setembro, Claudio Willer anunciou em seu blog que entregou à L&PM Editores parte da tradução do livro que traz os pequenos poemas de Kerouac. “Não resisti a postar o final do Livro de haicais de Kerouac (acabo de enviar ao editor o copião da tradução, sem revisão). Achei comovente. Ele escreveu até o fim, até seus últimos dias, até morrer. Acima de tudo, foi um poeta.”

Encolhido, arreganhando os dentes
para a nevasca,
Meu gato me encara

Encolhida na
nevasca, a antiga
Miséria do gato

Surpreendente briga de gatos
na sala em uma
Rancorosa noite de setembro

Chuva-na-Cara
olha desde a colina:
Custer lá embaixo

Touro Sentado ajusta
sua cinta: o cheiro
de peixe defumado

A mosca, tão
solitária como eu
Nesta casa vazia

O outro homem, tão
solitário como eu
Neste universo vazio

Willer, que também é o tradutor de Uivo, de Allen Ginsberg, é um verdadeiro expert em literatura beat. Autor do livro Geração beat, ele realiza uma palestra sobre hoje, 02 de outubro, às 18:30 na Livraria Sebinho em Brasília.

Só os tiras não dizem adeus…

Por Ivan Pinheiro Machado*

Quero relembrar um livro extraordinário, “O longo adeus” de Raymond Chandler, um clássico da chamada “literatura noir”, um gênero tradicionalmente americano e concebido por escritores admiráveis que acabaram colocando o romance policial – outrora considerado um subgênero – dentro da grande literatura. Philip Marlowe, o fascinante detetive de Chandler, figurou em oito romances como protagonista de tramas complicadas, numa época difícil, nos Estados Unidos em pleno período pós-recessão. Um país marcado por incertezas e por uma legião de losers andando pelas ruas em busca de um meio para sobreviver. Philip Marlowe, como o detetive Sam Spade, de Dashiell Hammett, é fruto desse país em crise, onde a construção da futura maior nação capitalista do mundo convivia com hordas de desempregados e aventureiros lutando pela vida. São homens da cidade, habituados a tensões e violência. Seus clientes seguidamente frequentam o mesmo círculo social, e sua atuação nada tem de “genial” no que diz respeito à sagacidade e à técnica investigativa. Marlowe é um cara durão. Aliás, essa tradução de tough guy é um achado dos primeiros tradutores de Chandler, Hammett e seus companheiros da literatura noir. E tornou-se comum a todos os romances, sendo quase uma marca registrada do gênero. Os “durões” aguentavam porrada, metiam-se em toda a sorte de confusões, mas, no fundo, eram uns sentimentais. O belo “O longo adeus” é um clássico sobre a amizade. A curiosa relação entre Marlowe e Terry Lennox, um homem enigmático, sempre envolvido em enrascadas. É um livro que trata também da solidão. Os personagens se aproximam, mas sempre se separam, se afastam. A imagem que fica é como um quadro de Edward Hopper; angústia, imobilidade e solidão. Philip Marlowe é um homem duro, mas sensível. Ele sabe que vai terminar sozinho. É dura a vida de detetive particular. É complicada a vida com as mulheres e os improváveis amigos sempre vão embora. Como está dito no final de “O longo adeus”, – sem dúvida a obra-prima de Chandlder – “só os tiras não dizem adeus”. Eles estão sempre no seu pé. Tiras não gostam de detetives particulares.

"Nighhawks" (Falcões da noite), de Edward Hopper

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

Documentário de Flávio Tavares teve estreia no Festival do Rio

“O Dia que Durou 21 Anos” é o documentário escrito e dirigido pelo jornalista Flávio Tavares junto com seu filho, Camilo Tavares. Produzido em 2011, o trabalho foi realizado pela TV Brasil e aborda o papel dos Estados Unidos no golpe de 1964. Durante o processo de filmagem do documentário, Flávio precisou se distanciar de suas questões pessoais ao entrevistar ex-militares que participaram do golpe. No Cine Odeon, onde ocorreu a estreia, vaias foram direcionadas ao general Newton Cruz, ex-militar que compareceu ao evento. Veja o trailer de “O Dia que Durou 21 Anos”:

Flávio Tavares é autor do livro Memórias do esquecimento: os segredos dos porões da ditadura que, breve, será lançado na Coleção L&PM Pocket. Flávio Tavares também é autor de 1961: o golpe derrotado sobre o Movimento da Legalidade.

Nelson Rodrigues: Christian Grey “avant la lettre”

Por Ivan Pinheiro Machado

Segundo a revista Veja, 99,9% dos leitores de “Cinquenta tons de cinza” são mulheres. Portanto, estou entre os 0,1% dos homens que leram o livro. Porque eu li? Primeiro por dever profissional – meu trabalho é editar livros; segundo, por curiosidade. Desta esmagadora estatística que aponta quase 100% de leitura feminina, pode-se concluir que os homens não estão muito interessados em saber no que as mulheres estão pensando. E isto pode ser um problema… Nota-se que a mulherada está ávida por este livro, a ponto de estabelecer um recorde histórico no mercado editorial: “Cinquenta tons…” vendeu em seis semanas o que o mega bestseller “O Código da Vinci” vendeu em dois anos. Ou seja, nunca na história um livro vendeu tanto em tão pouco tempo. Não vou falar sobre os méritos literários, ou a falta deles. Longe de mim falar mal de uma obra que as mulheres – segundo todos os veículos de comunicação da terra – têm devorado ansiosamente em todos os quadrantes. Não sei o que a turma da burka acha disso, mas o fenômeno de vendas é planetário. Em poucas palavras, este mega bestseller consagra as frases célebres de Nelson Rodrigues escritas há mais de 50 anos: “Mulher gosta de apanhar” e “Dinheiro compra até amor verdadeiro”. Grosso modo (!), e vendo tudo com muito bom humor, esta é a síntese perfeita do livro “Cinquenta tons de cinza”. Christian Grey, o milionário pervertido e Anastassia, a virgem submissa, protagonizam a comprovação das teses rodriguianas, meio século depois. Eu acho que nós definitivamente não sabemos nada sobre o universo feminino. Somos seres anacrônicos que mandamos flores, dizemos gracinhas, fazemos galanteios… Christian Grey, o bilionário estúpido, tornou-se, com uma torrente de grosserias e muita palmada na bunda, o herói de (quase) todas as mulheres…

Duas grandes perdas no mundo das letras

O romancista mineiro Autran Dourado faleceu na manhã deste domingo, 30 de setembro, aos 86 anos. Autor, entre outros, de “Ópera dos Mortos”, “A Barca dos Homens”, “O Risco do Bordado” e “Uma Vida em Segredo”, teve uma literatura marcada por personagens angustiados. No ano 2000, Autran Dourado recebeu o Prêmio Camões, mais importante da literatura em língua portuguesa. Foi em 2000 também que o escritor lançou “Gaiola Aberta”, onde relatou suas memórias dos anos 50, época em que trabalhou como secretário de imprensa de Juscelino Kubitschek.

O mineiro Autran Dourado

Outra grande perda do mundo das letras é a morte do historiador britânico Eric Hobsbawm que faleceu de pneumonia nesta segunda-feira, 1º de outubro, aos 95 anos. Considerado um dos maiores historiadores do século XX, escreveu “A era das revoluções”, “A era do capital”, “A era dos impérios”, “Era dos extremos”, entre outras obras. Filiado ao Partido Comunista da Inglaterra desde 1936, continuou membro da legenda mesmo após o ataque das forças soviéticas à Hungria em 1956 e das reformas liberais de Praga em 1968, embora tenha criticado os dois eventos. O ex-líder do Partido Neil Kinnock chegou a chamar Hobsbawm de “meu marxista predileto”. Em 2003, o historiador esteve no Brasil participando da Flip, Festa Literária Internacional de Paraty.

O britânico Eric Hobsbawm

Luiz Cláudio Cunha fala sobre Operação Condor e a Comissão da Verdade

Do blog de Roldão Arruda, no Estadão.

Brasil entrou de cabeça na Operação Condor, diz jornalista

Com João Domingos/BRASÍLIA

Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco, na época da reportagem que revelou ações da Operação Condor (Foto Ricardo Chaves)

O repórter João Domingos, da sucursal do Estado em Brasília, conversou com o jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre suas novas atividades na Comissão Nacional da Verdade. Ele vai participar de um grupo voltado exclusivamente para a investigação das ações do Brasil na Operação Condor – uma espécie de consórcio formado entre os governos militares do Cone Sul para perseguir opositores políticos. Cunha é o autor da reportagem publicada em novembro de 1978 pela revista VEJA que revelou o sequestro dos uruguaios Universindo Diaz e Lilian Celiberti, numa ação conjunta de policiais do Brasil e do Uruguai. Com a reportagem, Cunha venceu os prêmios Esso, Vladimir Herzog, Abril e Embratel e acabou com o segredo das ações conjuntas dos governos militares de seis países do Cone Sul no Brasil.

Por causa da reportagem, as vidas de Diaz e de Lilian foram poupadas. São os dois únicos casos conhecidos de pessoas sequestradas na Operação Condor que ficaram vivas. Diaz morreu no início deste mês de câncer.

Em 2008, quando o sequestro completou 30 anos, Luiz Cláudio Cunha lançou pela Editora L&PM o livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios. Segundo suas informações, o governo militar brasileiro foi um dos organizadores da Operação Condor e participou ativamente de suas operações, embora tenha negado sempre. “O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão”, diz ele.

A seguir, os principais trechos da conversa, que já teve trechos publicados na edição impressa do Estado.

Como será sua atuação na Comissão da Verdade?
Fui convidado para ser consultor sobre as questões que envolvem a Operação Condor. Serei apenas uma peça a mais, uma espécie de porta de entrada para a comissão, pelo conhecimento que tenho, pelas pessoas que conheço. Posso agregar informações e trazer para a comissão, que tem um poder de fogo muito forte.

Qual é o poder de fogo da comissão?
Ela tem poderes legais de abrir todos os arquivos, sejam públicos ou secretos. Ninguém pode negar a ela nenhuma informação. Se algo é secreto, pode ser secreto para outros, não para a Comissão da Verdade.

Como será o exame desses arquivos?
Nós vamos fazer um roteiro de trabalho, ver as conexões do Brasil com os países do Cone Sul no caso da Operação Condor, verificar documentos do Arquivo Nacional, do Centro de Informações do Exército (CIE), do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), pedir informações a embaixadas. O fundamental é achar um foco.

Como foi a participação do Brasil na Operação Condor?
O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão. Sempre procurou dizer que era um problema dos vizinhos Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. Pelo que já se sabe, o Brasil entrou de cabeça na Operação Condor. Essa operação foi uma conexão transnacional, da qual o Brasil foi sócio fundador e militante. O Brasil tem que apurar essa coisa vergonhosa, relatar os nomes dos envolvidos.

Além do caso dos uruguaios Universindo Dias e Lilian Celiberti, que o senhor desvendou numa reportagem da revista VEJA, conhece mais algum caso?
Tem outro que deixa tudo muito claro. É o Caso Campiglia/Galeão. No dia 12 de março de 1980, os argentinos Horácio Campiglia e Mônica de Binstock foram presos ilegalmente no Aeroporto do Galeão. Eles eram militantes do grupo esquerdista Motoneros. O governo argentino mandou um Hércules C-130 pegá-los. Imagine se um avião desse porte desceria na Base Aérea do Galeão sem que as autoridades soubessem. Os dois foram levados para a Argentina, torturados e até hoje estão desaparecidos, conforme constatado por documentos da Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, revelados durante o governo de Bill Clinton.