Brasil entrou de cabeça na Operação Condor, diz jornalista
Com João Domingos/BRASÍLIA
Luiz Cláudio Cunha e o fotógrafo J.B. Scalco, na época da reportagem que revelou ações da Operação Condor (Foto Ricardo Chaves)
O repórter João Domingos, da sucursal do Estado em Brasília, conversou com o jornalista Luiz Cláudio Cunha sobre suas novas atividades na Comissão Nacional da Verdade. Ele vai participar de um grupo voltado exclusivamente para a investigação das ações do Brasil na Operação Condor – uma espécie de consórcio formado entre os governos militares do Cone Sul para perseguir opositores políticos. Cunha é o autor da reportagem publicada em novembro de 1978 pela revista VEJA que revelou o sequestro dos uruguaios Universindo Diaz e Lilian Celiberti, numa ação conjunta de policiais do Brasil e do Uruguai. Com a reportagem, Cunha venceu os prêmios Esso, Vladimir Herzog, Abril e Embratel e acabou com o segredo das ações conjuntas dos governos militares de seis países do Cone Sul no Brasil.
Por causa da reportagem, as vidas de Diaz e de Lilian foram poupadas. São os dois únicos casos conhecidos de pessoas sequestradas na Operação Condor que ficaram vivas. Diaz morreu no início deste mês de câncer.
Em 2008, quando o sequestro completou 30 anos, Luiz Cláudio Cunha lançou pela Editora L&PM o livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios. Segundo suas informações, o governo militar brasileiro foi um dos organizadores da Operação Condor e participou ativamente de suas operações, embora tenha negado sempre. “O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão”, diz ele.
A seguir, os principais trechos da conversa, que já teve trechos publicados na edição impressa do Estado.
Como será sua atuação na Comissão da Verdade?
Fui convidado para ser consultor sobre as questões que envolvem a Operação Condor. Serei apenas uma peça a mais, uma espécie de porta de entrada para a comissão, pelo conhecimento que tenho, pelas pessoas que conheço. Posso agregar informações e trazer para a comissão, que tem um poder de fogo muito forte.
Qual é o poder de fogo da comissão?
Ela tem poderes legais de abrir todos os arquivos, sejam públicos ou secretos. Ninguém pode negar a ela nenhuma informação. Se algo é secreto, pode ser secreto para outros, não para a Comissão da Verdade.
Como será o exame desses arquivos?
Nós vamos fazer um roteiro de trabalho, ver as conexões do Brasil com os países do Cone Sul no caso da Operação Condor, verificar documentos do Arquivo Nacional, do Centro de Informações do Exército (CIE), do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), pedir informações a embaixadas. O fundamental é achar um foco.
Como foi a participação do Brasil na Operação Condor?
O Brasil sempre foi cínico quando se tratou dessa questão. Sempre procurou dizer que era um problema dos vizinhos Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. Pelo que já se sabe, o Brasil entrou de cabeça na Operação Condor. Essa operação foi uma conexão transnacional, da qual o Brasil foi sócio fundador e militante. O Brasil tem que apurar essa coisa vergonhosa, relatar os nomes dos envolvidos.
Além do caso dos uruguaios Universindo Dias e Lilian Celiberti, que o senhor desvendou numa reportagem da revista VEJA, conhece mais algum caso?
Tem outro que deixa tudo muito claro. É o Caso Campiglia/Galeão. No dia 12 de março de 1980, os argentinos Horácio Campiglia e Mônica de Binstock foram presos ilegalmente no Aeroporto do Galeão. Eles eram militantes do grupo esquerdista Motoneros. O governo argentino mandou um Hércules C-130 pegá-los. Imagine se um avião desse porte desceria na Base Aérea do Galeão sem que as autoridades soubessem. Os dois foram levados para a Argentina, torturados e até hoje estão desaparecidos, conforme constatado por documentos da Embaixada dos Estados Unidos em Buenos Aires, revelados durante o governo de Bill Clinton.