Por Luiz Antonio de Assis Brasil*
Quem lê jornal e se detém numa coluna de crônica, é porque tem experiência de leitura e possui muito conhecimento acumulado. Seu imaginário acerca da China, por exemplo, não se deixa seduzir por ideias feitas, como Mao-Tsé-Tung ou o catálogo de produtos industrializados que inundam nossas lojas e supermercados. Esse leitor já sabe que a China possui uma antiquíssima e invejável cultura, representada nas artes plásticas, na música, na arquitetura, no teatro e na poesia.
Tomando esses dados como autênticos, não cabe repetir que a poesia chinesa tradicional possui temas que em que está, por excelência e relevância, a natureza. É de Li Bai (701-762, na datação ocidental) o Diálogo sobre a montanha: Há quem pergunte / por que vivo / nestas verdes colinas. / Sem responder, sorrio, / de coração sereno, / enquanto as flores de pessegueiro / flutuam na água. / Tudo vai embora, tudo se apaga. / Aqui é outra, a terra, / e outro, o céu. / Nada parecido / com o mundo dos humanos / lá embaixo. Este poema, e outros do mesmo autor e, ainda, de Du Fu (712-770) e Wang Wei (701-761) foram reunidos no livro Poemas Clássicos Chineses, L&PM Pocket, com tradução e organização de Sérgio Capparelli (sim, o nosso estimado e premiado escritor de obras infantis, mas não só) e Sun Yuqi. Na abertura há um curto, mas cabal ensaio de Leonardo Fróes, recomendável a quem não está familiarizado com a poesia da China.
Não será possível, por óbvio, estabelecer qualquer juízo sobre a acuidade do trabalho da tradução, mas confiamos plenamente nos nomes da capa. Algo que chama atenção, em particular, é a extrema síntese linguística dos caracteres chineses, visível quando comparamos o original nas páginas pares com a respectiva tradução nas páginas ímpares. Os poetas chineses precisavam de apenas quatro linhas, quando precisamos do dobro, pelo menos. Nada de novo.
Mas voltando ao tema da natureza. Observe-se o refinamento deste poema do aristocrata Wang Wei, também músico e pintor: Pássaros / alçando voo. / Montanhas / que se repetem, / sempre, / na cor do outono… / Ando de um lado para o outro / no monte florido: / até quando / essa melancolia?
Quer-se dizer: enquanto, no mesmo período, os aristocratas ocidentais, sem nenhuma melancolia, matavam-se em batalhas cruentas, Wang Wei escrevia um poema sobre montes floridos. Algo a pensar. Mas, antes, é bom ler o livro por inteiro.
*Luiz Antonio de Assis Brasil acaba de lançar Figura na sombra. Esta crônica foi publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal Zero Hora em 19 de novembro de 2012.