Quarta-feira, 17 de outubro, publicamos aqui neste blog uma crônica de Martha Medeiros em que ela revela suas impressões sobre Uma história do mundo, novo livro de David Coimbra. No mesmo dia, o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva comentou sobre a mesma obra em sua coluna diária do Jornal Correio do Povo de Porto Alegre. Vale a pena ler as impressões de Juremir sobre o livro de David:
David Coimbra, o egípcio
Por Juremir Machado da Silva*
Na época da faculdade de jornalismo, quando morava no IAPI e pegava o T1 depois da aula, quando não ia se esbaldar no bar do Maza até encher o latão de cerveja, o David Coimbra já adorava história. Creio que já naquele tempo ele lia Will Durant, historiador americano que sabia tudo dos bastidores da vida das grandes personalidades históricas. David sempre teve um fraco pela história da antiguidade. Nunca tirou o olho da Cleópatra. Tenho a impressão de que só a rainha vadia podia concorrer com a Rosane Aubin pelo coração do David naqueles trepidantes dias de 1980 a 1984. Era certo que David acabaria por escrever livros unindo as suas paixões: literatura, história, crônica e jornalismo. É o que se vê em “Uma história do mundo – como se formou a primeira cidade, como nasceu o primeiro deus único, como foi inventada a culpa”(L&PM).
David, o egípcio, é o nosso Will Durant. Como uma vantagem: escreve muito melhor.
A ambição é a mesma. A história do mundo do David terá muitos volumes (a de Will Durant tem 23). Li os originais do primeiro tomo dessa enciclopédia em tom jocoso do David. É sensacional. Agora, relendo o texto publicado, renovei o meu encantamento. Como não se maravilhar com capítulos que começam assim? “Foi no Egito que Napoleão descobriu que era um marido traído?” Napoleão, o corno. Sobre a evolução tecnológica: “Olhe para você. Veja no que você se transformou. Você passa a noite ressonando em cima de uma colchão macio como as canelas da Scarlett Johansson e debaixo de cobertores quentes como o olhar da Megan Fox”. Nessa balada de cronista, David dribla a chatice da história positivista e o cientificismo da história estruturalista e conta a vida dos nossos antepassados ilustres ou não. Tudo tem uma explicação: “O governo centralizado e forte era tão importante no Egito que o faraó foi promovido de rei a deus. Essas coisas não acontecem por acaso. As instituições só funcionam quando as pessoas precisam”.
Pode-se aprender na sacanagem. David sempre encontra um jeitinho para empurrar a coisa (opa!) suavemente: “Dilma Rousseff, Margaret Thatcher, Evita Perón e todas as mulheres que um dia assumiram o poder máximo em seus países jamais conseguiram se igualar às façanhas da Primeira Grande Mulher da História. Maatkare Hatshepsut fez mais do que suplantar o poder dos homens quinze séculos antes de Cristo e 3,5 mil anos antes de Angela Merkel. Hatshepsut suplantou o próprio sexo”. Como? Aí é que a porca torce o rabo (certamente David explicará a origem dessa expressão nalgum dos seus volumes).
É ler.
David Coimbra trabalhou muito, durante quatro anos, leu incansavelmente, de Heródoto a Freud. De Heródoto, aliás, pescou relatos impagáveis: “No Egito, as mulheres vão ao mercado e negociam, enquanto os homens, encerrados em casa, trabalham no tear (…) As mulheres urinam em pé; os homens, de cócoras”. Se fosse resumir o livro de David a partir do clássico título de Paul Veyne, eu diria apenas: “Como se (re)escreve a história”.
Com talento!
Aquelas viagens no T1 só poderiam levar a algum lugar.
*Pela L&PM Editores, Juremir Machado da Silva publica História regional da infâmia e lançará, na Feira do Livro de Porto Alegre, o livro A orquídea e o serial killer. O texto acima foi publicado originalmente em sua coluna na pg. 2 do Jornal Correio do Povo de 17 de outubro de 2012.