Por José Antonio Pinheiro Machado
Os brasileiros estão adorando a Paris Cookbook Fair, a feira mundial dos livros de gastronomia que se realiza no recém criado “104”, o “Le Cent Quatre”, novo espaço cultural e artístico da capital francesa.
Representantes de cerca de 100 países movimentam o pavilhão amplo, moderno e confortável, totalmente reciclado e modernizado — que no passado abrigou o órgão municipal das “Pompas Fúnebres de Paris” durante dois séculos. O Cent Quatre fica no XIXème Arrondissiment, valorizando uma região pobre de operários, desempregados e estrangeiros ilegais.
As Câmara Brasileira do Livro, está presente com um estande que tem a participação das editoras Melhoramentos, Senac e Bocatto. A L&PM, a convite da presidente Rosely Boschini, comparece como observadora. “Esta feira veio para ficar”, disse Rosely. “Aqui estão presentes as principais editoras do mundo que editam livros de gastronomia. Até no Brasil, o interesse editorial pela gastronomia é crescente. No ano que vem, vamos comparecer com representação reforçada.”
Embora ainda não seja a realidade brasileira, nos Estados Unidos e na Europa os livros de gastronomia, segundo o presidente da Paris Cookbook Fair, M. Edouard Cointreau, já são “a parcela mais apetitosa e mais rentável do mercado editorial.”
Esse entusiasmo parece contagiar nossos editores e livreiros, e vai se concretizar em duas frentes, num primeiro momento. Desde logo começa a preparação para trazer a Paris uma representação mais numerosa na Cookbook Fair do ano que vem. Além disso, outra novidade imediata: a criação de um espaço exclusivo para livros de gastronomia já na próxima Bienal do Livro, em São Paulo.
Na verdade, esta primeira edição da Paris Cookbook Fair ficou dividida entre duas inclinações: feira de negócios ou feira-festival? Numa feira de negócios, a exemplo da tradicional Feira de Frankfurt, o foco é a comercialização internacional de direitos entre editores de diversos países; na feira-festival, da qual a cinquentenária Feira do Livro de Porto Alegre é amostra, a idéia é um grande evento de público, de divulgação de autores e novos lançamentos.
“Talvez seja interessante cultivar essa dúvida existencial”, diz um dos editores mais chegados a M. Cointreau. “Essa duplicidade pode fazer bem à saúde financeira e ao marketing das próximas edições”, completa.
Por enquanto os negócios têm mais expressão do que a presença do público.
Mesmo assim, centenas de parisienses e turistas, no primeiro dia aberto ao público, enfrentaram a manhã gelada do fim de semana, com temperaturas em torno de zero grau, para ingressar no Cent Quatre, felizmente bem fechado e aquecido: além da calefação impecável, bailarinas indianas, conhaques e vinhos se encarregaram de fazer subir a temperatura.
Somando-se aos apelos dos estandes e das danças, o público desfrutou de quiosques com bebidas variadas e uma mini-feira livre de produtos bio, onde não faltaram cenas inesquecíveis. Um renomado produtor italiano de caríssimo aceto balsamico oferecia demonstração de seu produtos envelhecidos, com amostras diminutas servidas ao público em parcimoniosas colherinhas. Um japonês, entusiasmado pelo sabor foi polidamente advertido pela esposa, ao tentar a quinta colherada de repetição.
Nas demonstrações culinárias, o destaque (sem patriotismo) foi o Brasil, que apostou na simplicidade: a cozinheira e chef de cozinha Ana Trajano apresentou a uma platéia de dezenas de refinados gourmets o charque e a mandioca. Depois de uma apresentação teórica em que comilões de diversos países foram iniciados nas diferenças entre charque, carne seca e carne de sol, todos adoraram os finalmentes: charque com salada e uma boa farofa.
A mandioca brilhou especialmente: “De norte a sul do Brasil, chamada de mandioca, macaxera ou aipim, servida ao natural, ou na forma de pirão, farofa ou paçoca, é um alimento de primeira. A mandioca une o Brasil!”, disse Ana no evento em que lançou seu livro “Gosto do Brasil”. O editor Breno Lerner lembrou que 60 milhões de pessoas deixaram de morrer de fome na África graças ao crescimento da cultura da mandioca, que tem o Senegal na liderança mundial em matéria de cultivo.
Entre os livros de luxo de cintilantes capas dura,s apresentados na Paris Cookbook Fair por editores europeus em ternos Armani impecáveis, não deixa de ser estimulante constatar que brilhou o grande ingrediente da mesa brasileira. Quem diria. Os estandes refinados se transformaram, por momentos, em balcão da realidade, e a mandioca, normalmente reduzida a insossa curiosidade tropical, foi redimida.