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Aleluia!!! Os quadrinhos foram reabilitados!!!

Bons ventos sopram pela chamada “academia”; finalmente foram “descriminalizadas” as histórias em quadrinhos nas escolas. Aqueles que são jovens há mais tempo lembram muito bem que, num passado bem recente, as HQs eram proibidas em sala de aula. Professores de literatura e português faziam sinal da cruz diante de um álbum de quadrinhos, como se estivessem em frente ao demônio.

Mas, como tudo passa, esta onda também passou. Uma geração mais arejada de professores absolveu as HQs dos pecados da superficialidade dos quais era acusada e colocou finalmente nas mãos dos jovens leitores algumas obras-primas de arte e literatura.

Nós aqui da L&PM, que mourejamos nesta área desde os anos 70 – e que tivemos que abandonar temporariamente o barco devido à profunda rejeição – estamos de volta já há algum tempo e com um extraordinário cardápio de lançamentos. Na Coleção L&PM POCKET, os quadrinhos já conquistaram milhares de novos leitores com títulos dos consagrados Garfield, Snoopy, Hagar, Dilbert e o timaço de autores brasileiros composto por Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco, Edgar Vasques, Paulo Caruso, Mauricio de Sousa, Santiago entre outros. Todos por R$ 11,00.

Além do quadrinho em livros de bolso, a editora voltou a investir em grandes projetos, como Peanuts Completo, uma série em capa dura e acabamento luxuoso que publicará todo o magnífico trabalho de Charles Schulz. Já foram editados 4 volumes e o quinto sai em março. Publicamos também belas adaptações a cores das histórias de Agatha Christie, o clássico pacifista Valsa com Bashir, cuja versão em animação foi finalista ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010 e iniciamos a publicar a festejada série afro-francesa Aya de Margarite Abouet, que trata da vida dos jovens nos países africanos. Recomeçamos também a publicar álbuns para adultos como o clássico Erma Jaguar do craque do desenho erótico Alex Varenne.

Como estamos livres para publicar o que de melhor se faz no mundo e para recomendar às escolas que usem e abusem das histórias em quadrinhos (já que não é mais pecado), um dos grandes destaques da programação de HQ da L&PM Editores é sem dúvida a série de Clássicos da literatura em quadrinhos. Um coleção espetacular feita por roteiristas e desenhistas belgas e franceses, publicada originalmente pela Editora Glénat com o apoio da UNESCO, órgão cultural da ONU que só chancela projetos de alto valor pedagógico. Estes livros possuem, além da história em quadrinhos a cores, um “dossier” que traça um rico painel sobre o livro, o autor, sua vida e seu tempo. Já foram lançados Volta ao mundo em 80 dias de Júlio Verne, A Ilha do Tesouro de Robert Louis Stevenson, Um conto de Natal de Charles Dickens, Dom Quixote de Miguel de Cervantes, Odisseia de Homero e Robinson Crusoé de Daniel Defoe. Deverão sair nos próximos meses Guerra e Paz de Leon Tolstoi e Os miseráveis de Victor Hugo.

Mangás

Mas a grande novidade de 2011 foi a nossa entrada no mundo dos mangás. Iniciamos com os dois volumes de Solanin de Inio Asano e Aventuras de menino de Mitsuru Adashi, os três livros disponíveis nos mais de 2 mil pontos de venda da coleção L&PM Pocket pelo Brasil inteiro. Com a colaboração e a consultoria do tradutor e especialista em mangás Alexandre Boide, a L&PM está preparando novos títulos para 2012.

Enfim, a editora está definitivamente retomando uma de suas vocações que sempre foi a de editar HQs. E a prova disso é que, justamente o primeiro título da L&PM Editores, foi um livro de quadrinhos: Rango 1 de Edgar Vasques. (Ivan Pinheiro Machado)

Os últimos dias de Tolstói

Em 1910, Leon Tolstói já contava 82 anos. Mas nem a idade avançada e a saúde frágil o fizeram perder de vista a coerência entre seu modo de vida e seus ideais. Apesar da pressão de sua esposa para que lhe deixasse em testamento os direitos sobre sua obra, ele resolveu fazer o que achava certo: modificou seu testamento sem que ela soubesse. Para garantir que sua obra se tornasse pública após sua morte, todos os direitos foram deixados como herança para um de seus discípulos mais fiéis.

Feito isto, o melhor a fazer era abandonar tudo e fugir em busca de uma vida diferente. Ao deixar a mansão na calada da noite para uma longa viagem de trem, Tolstói renunciava definitivamente à família, à propriedade, mas também à própria vida. O frio, a fumaça e as péssimas acomodações dos vagões da terceira classe (já que luxo e conforto não estavam em acordo com a vida simples que buscava) lhe renderam uma penumonia, que se agravou rapidamente e culminou em sua morte no dia 20 de novembro de 1910, aos 82 anos, numa modesta estação de trem em Astapovo, cercado de curiosos, seguidores fanáticos, e de uma das filhas, a única da família que aderiu à sua cruzada.

A saga dos últimos meses de vida do autor de Guerra e paz está contada no filme A última estação (2009), do diretor Michael Hoffman, lançado em 2009. Emocionante e intenso, o longa traz Christopher Plummer no papel de Tolstói e Dame Helen Mirren como sua esposa Sofia. Veja o trailer:

Aristocrata russo, filho do conde Nicolau Ilich Tolstói e da princesa Maria Nikolayevna Volkonski, Leon Tolstói teve uma infância carente e complicada. Sua mãe morreu quando ele tinha dois anos e seu pai foi vítima fatal de uma apoplexia antes do pequeno Leon completar dez anos. Ele e os três irmãos foram criados por parentes próximos na província de Kazan. Já adulto e incentivado por seu irmão, o tenente Nicolai Tolstói, Leon alistou-se no exército e participou da guerra da Turquia e da guerra da Criméia, onde conheceu profundamente a vida militar, os horrores e os heroísmos de uma guerra. Quando finalmente desligou-se do exército, já com 30 anos, ele conheceu a bela e moscovita Sofia, com quem se casou e teve 13 filhos. Foi neste período que ele escreveu suas obras mais conhecidas: Guerra e paz e Anna Karenina.

Anarquista convicto, Tolstói era admirado pelo filósofo Joseph Proudhon, cujas ideias coincidiam com a filosofia que ele difundia entre seus empregados e vizinhos. Seus escritos foram aplaudidos também por seus contemporâneos russos Fiódor Dostoiévski, Ivan Turguêniev e Anton Tchékhov e festejados por Gustave Flaubert, que comparou-o a William Shakespeare.

No final de sua vida, trocou intensa correspondência com Mahatma Ghandi, cuja teoria de resistência não-violenta tinha muito em comum com suas teses, inclusive as que ficaram imortalizadas no tratado pacifista Guerra e paz, uma das maiores obras da literatura mundial – não só em volume de páginas mas também em excelência literária.

Na apresentação da edição de bolso de Guerra e Paz publicada pela L&PM em 4 volumes, o editor Ivan Pinheiro Machado faz a seguinte comparação: “Guernica de Pablo Picasso está para o povo espanhol assim como Guerra e paz de Leon Tolstói está para o povo russo”.

Já não resta dúvidas de que este livro é leitura obrigatória, né? 🙂

Foi dada a largada para a coleção de clássicos em HQ com apoio da UNESCO

O primeiro volume da coleção “Clássicos da Literatura em Quadrinhos” acaba de chegar. A adaptação de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, foi realizada pela dupla francesa Christophe Lemoine (que fez a adaptação e o roteiro) e Jean-Cristophe Vergne (responsável pelos desenhos e cores).

A tradução para a L&PM Editores foi feita por Alexandre Boide e o resultado é um lindo livro em capa dura, com 60 páginas todas coloridas e que traz ainda, no final, um completo dossiê contextualizando o clássico com informações detalhadas sobre o autor, sua época e sua obra. No caso de Robinson Crusoé, há dez páginas que contam, por exemplo, como Daniel Defoe começou sua carreira de romancista aos 59 anos em 1719. Há também um ótimo texto que complementa a história e faz com que o leitor entenda ainda mais a respeito do herói que fica 25 anos sozinho em uma ilha deserta: “O náufrago é uma espécie de novo Adão, que precisa aprender a dominar o ambiente na mais completa solidão. Ele se torna marceneiro, construtor, caçador, agricultor, ceramista, costureiro, cesteiro. (…) Através de Robinson, o arquétipo do intrépido marinheiro inglês, Defoe celebra a capacidade do homem branco de se impor, a coragem daquele que se aventura em uma terra desconhecida e o triunfo do individualismo motivado pelo lucro mas também interessado em apresentar os benefícios da civilização aos selvagens…”

A coleção é um grande sucesso na França e na Bélgica, formada por adaptações de alguns dos principais clássicos da literatura mundial. O objetivo é oferecer um livro que encante todos os leitores e que seja direcionado também para estudantes. Aliás, este caráter pedagógico fez com que a coleção ganhasse total apoio da UNESCO.

Além de Robinson Crusoé, L&PM Editores vai publicar, em breve, dentro da Coleção “Clássicos da Literatura em Quadrinhos”, A ilha do tesouro, de R. L. Stevenson; A volta ao mundo em 80 dias, de Julio Verne e Um Conto de Natal, de Charles Dieckens. E no primeiro semestre de 2012 deverão chegar também Odisseia, de Homero; Dom Quixote, de Cervantes, Viagem ao Centro da Terra, de  Júlio Verne; Guerra e Paz, de Leon Tolstói; Os miseráveis, de Victor Hugo e As mil e uma noites.

Autor de hoje: Leon Nikoláievitch Tolstói

Iásnaia Poliana, Rússia, 1828 – † Astápovo, Rússia, 1910

Filho de latifundiários da alta aristocracia russa, Tolstoi estudou Direito e Línguas Orientais na Universidade de Kazan. Mais tarde, entrou para o exército e tomou parte na Guerra da Crimeia. Sua obra literária inclui livros de memórias e romances. A experiência nas guerras resultou-lhe no conhecimento das aldeias cossacas, das expedições contra as tribos montanhesas e dos costumes do interior da Rússia. Após a guerra, viajou à Suíça, à França e à Alemanha e, ao retornar, fundou uma escola-modelo para camponeses. Considerado um dos romances mais importantes da história da literatura universal, Guerra e paz constitui um painel épico da sociedade russa entre 1805 e 1815. Dele emana uma visão de mundo otimista, que atravessa os horrores da guerra e os erros da humanidade. A obra de Tolstói também registra crises de consciência e a denúncia da mentira social e da ilusão do amor.

OBRAS PRINCIPAIS: Políkushka, 1863; Guerra e paz, 1863-1869; Anna Kariênina, 1877; Padre Sérgio, 1884; A morte de Ivan Ilitch, 1886; Sonata a Kreutzer, 1889; Ressurreição, 1899

LEON NIKOLÁIEVITCH TOLSTÓI por João Armando Nicotti

O nome Leon Tolstói sugere considerações importantes em relação a outros nomes da literatura russa: sua obra surgiu,nas palavras de um crítico, a partir das denominadas escolas puchikiniana e gogoliana. Foi contemporâneo de Turguêniev, Dostoiévski, Gonchárov e Saltikóv-Schedrín; apreciou O herói de nosso tempo, de Liérmontov; ao reler A filha do capitão, de Púchkin, enfatizou que a psicologia dos personagens ficara em segundo plano e, mais tarde, estabeleceu estreitas relações com Korolénko, Tchekhov e Górki, a geração posterior. Suas primeiras obras (1852-1857) abrangem as épocas de sua vida: Infância, Adolescência e Juventude. Em seguida, sua participação em guerras (Cáucaso e Criméia) fica registrada também, na literatura. A partir de então, Tolstói, longe da carreira militar e tendo como preceptor Iván Turguêniev, investe na literatura, na educação, e concentra-se, também, nos problemas existenciais, sociais e filosófico-religiosos do homem russo. Idealiza uma sociedade russa (similar à apresentada em Os cossacos, 1864) em que todos desfrutem do mesmo plano de igualdade; constrói um vasto painel da vida russa a partir da invasão napoleônica em Guerra e paz (1863-1869) e discute a infidelidade conjugal num mundo hipócrita da alta sociedade russa e a morte em Anna Kariênina (1877), tema este reincidente e específico em títulos como A morte de Ivan Ilitch e Sonata a Kreutzer. O leitor de Tolstói, em especial o de Guerra e paz  e Anna Kariênina, é absorvido pela complexa rede de interesses e jogos psicológicos que confirmarão o destino de cada protagonista. O liame entre autor e leitor se fecha na tentativa deste de se compreender um pouco mais no cenário da existência humana. Tolstói foi um pensador da sociedade russa: escreveu sobre a repressão czarista (Não posso calar!, 1908), discutiu os ditames da Igreja (A confissão, 1882, e Padre Sérgio, 1911), sugeriu um modelo pedagógico novo para a educação (Abecedário, 1872) e buscou critérios para uma definição de arte (O que é a arte?, 1898). Expulso da Igreja Ortodoxa russa, em 1901, Tolstói pregava um cristianismo novo, desligado do dogmatismo eclesiástico a partir da transformação interior do indivíduo. Em Ressurreição, a espiritualização renovada em seus protagonistas deveria ser, segundo o desejo do autor, extensiva a todo o povo da Rússia. Com a chegada do século XX, Tolstói almejava uma nova vida para os injustiçados sociais, na perspectiva de reconciliação do bem, da moral reavaliada e da bondade acima de tudo. Sua obra como um todo enfatizou a vida e suas diferentes formas de amor, assim como apresentou, na essência de personagens como Anna Kariênina, Vronski, Liêvin, Ivan Ilitch, Guerássim, Políkushka, André Bolkonski, Natacha Rostov e Evgueni Irténiev, as manifestações problematizadas frente à vida e à morte, eternizando esse dualismo que compõe o grande mistério da condição humana.

* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.

Literatura em códigos

Literatura digital é a bola da vez. Em breve, os e-books L&PM já estarão disponíveis e as iniciativas independentes também não ficam para trás. O projeto books2barcodes, mantido pelo site Wonder-Tonic, transformou 12 clássicos da literatura em QRCode, uma espécie de código de barras que pode ser lido por celular. A ideia é “tornar a literatura de ontem acessível às tecnologias de hoje”. Alguns dos títulos disponíveis no books2barcodes são Alice no país das maravilhas, Sherlock Holmes, Orgulho e preconceito e Guerra e paz.

O formato alternativo, no entanto, apresenta alguns problemas como a baixa capacidade de armazenamento: cada código contém apenas de 800 caracteres, o que pode tornar a leitura um pouco trabalhosa. Os QRCodes que compõem Guerra e paz, por exemplo, se impressos, caberiam em 343 páginas formato A4. Tudo bem que os 4 volumes do clássico de Tolstoi, somados, têm 1492 páginas, mas se a ideia é inovar no formato, o resultado teria que ser, no mínimo, mais prático.

As pílulas de texto podem ser baixadas em qualquer celular com câmera fotográfica que tenha instalado um aplicativo que lê código de barras, como o RedLaser, ou ainda o Google Goggles. Não há entraves técnicos para a maioria dos smartphones, o problema realmente é a paciência para baixar o livro de 800 em 800 caracteres.

Um século sem Leon Tolstói

Há poucos dias, fez 100 anos que Leon Tolstói morreu. Foi em 20 de novembro de 1910 que o mundo inteiro chorou a perda do grande escritor russo, considerado (por muitos) o maior de todas as épocas. Tão impactante foi sua morte que, alguns anos depois, o escritor Thomas Mann disse que “se o moralista Leon Tolstói ainda estivesse vivo, teria sido possível evitar a Primeira Guerra Mundial”. Um século depois do seu falecimento, seu texto continua fascinando leitores de todos os cantos do planeta. E seu nome permanece na lista dos mais admirados. No Tolstoy Estate-Museum, localizado em Moscou, na casa em que o escritor viveu por quase duas décadas com a esposa Sophia e dez filhos, foi organizada uma exposição e eventos literários. Com um enorme jardim, o local preserva muitos dos objetos pessoais de Tolstói e os visitantes ficam com a impressão de que o escritor pode voltar para sua casa a qualquer momento. A preservação do mobiliário, fotos e porcelana sobre a mesa de jantar foi conservada mesmo depois da Revolução para que os russos pudessem ter a chance de ver como o aristocrata vivia. No amplo salão, entre 1882 e 1901, circularam celebridades como os compositores Skriabin, Rachmaninov e Rimsky-Korsakov, e os também escritores Anton Tchékhov e Máximo Gorki. Durante os 19 que a casa foi ocupada por Tolstói e sua família, ele escreveu quatro livros, entre eles, “A morte de Ivan Ilitch”. Mas esse não é o único museu em homenagem ao autor de “Guerra e paz”. O Museu Yasnaya Polyana, 210 quilômetros ao sul de Moscou, é uma propriedade de 1.600 hectares que o escritor herdou quando tinha 19 anos e que durante décadas foi usada pela família Tolstói.  Neste museu, tudo também foi preservado e há uma exposição permanente que mostra como ele vivia, dormia e comia. Sem contar que em seu parque são apontados os caminhos que o escritor mais gostava de percorrer. Para completar, é em Yasnaya Polyana que está o túmulo de Tolstói, sepultado ali de acordo com seu próprio desejo.

Leon Tolstói e sua esposa Sophia na propriedade de Yasnaya Polyana

O museu Yasnaya Polyana, que conserva grande parte da memória de Tolstói, é também o local onde ele foi sepultado

Ivan Ilitch

Por Luiz Antonio de Assis Brasil

É uma preciosidade, esta pequena novela de Tolstói: A Morte de Ivan Ilitch. Tão preciosa quanto o romance Guerra e Paz. A primeira, um estudo minimalista; o outro, um poderoso drama acerca da invasão napoleônica à Rússia dos czares. Cada qual, à sua maneira, honra o gênio que os escreveu, e Ivan Ilitch possui uma grandeza que rivaliza com o famoso épico.

E por quê? Antes de tudo, pela segura condução da narrativa. O conflito central – a doença e morte do protagonista – só se agrava da primeira à última página. Aliás, muitos elogiam o admirável Crônica de uma Morte Anunciada como se fosse o primeiro livro a antecipar o seu final sem que isso seja um spoiler. Tolstói já fizera isso. Mesmo sabedores que Ivan Ilitch vai morrer, lemos, fascinados, como a personagem, a partir do anúncio de sua doença, vai ganhando em humanidade, revendo sua vida inútil e amparada por seu cargo burocrático e bem pago.

A questão tratada nesta narrativa não é a morte, que a ela nos acostumamos à medida que passa o tempo, mas é a morte como o fim da possibilidade de aprimorarmos nossa vida. Sim, com a morte cessa todo o esforço para sermos melhores. E quando essa morte surge como uma possibilidade logo ali, ao dobrar da esquina, tudo é pior.

Ivan Ilitch vê, a partir de uma pequena dor, que não é eterno, e que todo o amparo de um conforto conquistado, agora nada valem. Ivan, por isso, não suporta que sua esposa e sua filha decidam ir ao teatro, porque nada é mais importante do que sua doença. Ivan não admite sequer otimismo profissional de seu médico, detesta-lhe a saúde, o perfume, a pele rosada e hígida.

Tolstói consegue, como nenhum outro, utilizar-se da dor física para refletir sobre os limites de nossa vontade. Ivan Ilitch, o onipotente, deve dobrar-se a algo mesquinho e maligno que cresce dentro de seu corpo. Eis aí uma lição para os que, admitindo em tese que são mortais, não aceitam a inevitabilidade de sua morte pessoal. Uma boa reflexão para os neoarrogantes de nosso século.

E temos na praça uma premiada tradução, editada pela L&PM, assinada pela inesquecível e talentosa Vera Karam. É uma celebração da literatura.

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Texto publicado originalmente na coluna de Assis Brasil no jornal Zero Hora.