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9. Um brinde com Woody Allen

Por Ivan Pinheiro Machado*

Quando publicamos Cuca Fundida, em 1978, Woody Allen ainda não era Woody Allen. Se é que me entendem. Só no ano seguinte ele ganharia todos os Oscars a que tinha direito com seu consagradíssimo “Annie Hall”, que no Brasil foi pateticamente batizado de “Noivo neurótico, noiva nervosa”. O livro foi uma indicação de Luis Fernando Veríssimo, sempre muito bem informado sobre literatura americana. Além disso, houve o acaso de eu encontrar em Frankfurt, na Feira de 1977, o agente de Allen. Avalizado pelo então editor da Nova Fronteira, Roberto Rieth Correa, fizemos o segundo contrato internacional da L&PM. Ruy Castro foi o tradutor e lançamos Cuca Fundida no final de 1978. Em março do ano seguinte, Woody Allen foi “Oscarizado” e o livro decolou na lista dos mais vendidos. Depois disso, editamos Sem Plumas e Que Loucura!, hoje reeditados na Coleção L&PM Pocket, e mais os roteiros Manhattan e Play it again Sam, as peças de teatro Lâmpada Flutuante e Adultérios e um livro em quadrinhos, O nada e mais alguma coisa. O Paulo Lima, que como vocês sabem é o “L” da L&PM, estava em Nova York no final dos anos 80 e resolveu arriscar uma segunda-feira no Michael’s, um tradicional pub na 55th Street (East side), onde Woody Allen costuma (ou costumava) tocar seu clarinete acompanhado de sua banda. O Lima é um cara de sorte, habitué de N. York (veja o post em que ele abafou no Limelight como sósia do Spielberg) e achou que era uma noite propícia para o Woody aparecer por lá. Ele nunca avisa quando vai, mas se for, é sempre numa segunda-feira. Não deu outra. Paulo Lima estava recém brindando com sua jovem companhia, quando o astro surgiu no palco. Tocou cerca de uma hora e, em seguida, foi jantar num lugar mais ou menos protegido dos curiosos, no próprio restaurante. Paulo Lima não confessa, mas tenho certeza de que ele quis impressionar sua companhia. Levantou-se e para espanto da moça ele disse “Vou lá bater um papo como o Woody Allen”. Ela gaguejou: “mas e os seguranças?” (havia um par de trogloditas de 2 metros e meio de altura impedindo a aproximação dos curiosos). “Deixa comigo” sussurrou o Lima. E foi na direção da mesa onde Woody Allen jantava com Mia Farrow e um casal de amigos, Kirk Douglas e sua mulher. Quando o gorila deu um passo para impedir que prosseguisse, Paulo Lima, no seu impecável inglês de Cambridge falou alto “sou o editor brasileiro de Mr. Allen”. Ele ouviu, virou-se e, vendo Lima luzindo no seu terno preto e gravata Hermés, pediu que ele passasse. Afinal, era o seu editor e, nos países civilizados, esta é uma profissão importante. Lima conversou rapidamente, apresentou-se, fez uns poucos comentários e pediu para o garçom 5 taças de Dom Perignon ano 1963 para um brinde com Woody, senhora e seus convidados. A seguir, cumprimentou-os e retirou-se para a sua mesa, olhado com inveja e admiração por todo o Michael’s. Na mesa, sua jovem acompanhante estava perplexa e encantada com aquela contundente demonstração de prestígio…

Abaixo, você pode conhecer o Michael´s Pub em um vídeo que mostra Woody Allen tocando ao lado Eddy Davis:

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8. Spielberg por uma noite

Por Ivan Pinheiro Machado*

No final dos anos 90, o Paulo Lima, o “L” da L&PM, meu parceiro há muitas décadas, estava em Nova York para a feira anual da American Booksellers Associations. Pra quem não conhece, o Paulo Lima é um homem elegante, com um nariz levemente pronunciado, barba bem esculpida e usa óculos. E nesta noite, em Nova York, ele estava acompanhado do nosso amigo comum Flavio Torriani e algumas amigas brasileiras e americanas. Estavam numa limusine, daquelas cinematográficas, que tem uns 150 metros, obviamente de terno escuro, e rumavam para o SoHo para rodopiar na pista fashion do Limelight, o célebre night club novaiorquino albergado numa velha igreja estilo medieval. A limusine parou em frente a boite. Em Nova York, a tradição das baladas é deixar uns caras enormes em frente aos dancings, dizendo quem pode e quem não pode entrar. Óbvio que tudo parou para que o pessoal da “limo” pudesse entrar na festa. E desceram belas mulheres e… alguém murmurou, “Mr. Spielberg!!”. Foi uma correria. Os caras estão habituados a montar um esquema especial de segurança quando aparece alguma celebridade. E Paulo Lima, que é igual a Mr. Spielberg, acenou levemente para a multidão que se acumulava em frente ao Limelight. Foram conduzidos para a melhor mesa da casa. Ele deu alguns autógrafos e depois pediu para que os seguranças cuidassem para que não fosse mais importunado…

Steven Spielberg e Paulo Lima – Separados no nascimento?

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3. A ditadura que odiava os livros – parte I

Por Ivan Pinheiro Machado*

Foi em setembro de 1978 que a última apreensão de um livro por motivos políticos aconteceu no Brasil. O título da obra em questão: “Memórias: a verdade de um revolucionário”. Seu autor: General Olympio Mourão Filho. Sua editora: a L&PM. Mesmo que estivéssemos no início de uma “abertura” – que mais parecia uma fresta de redemocratização, a censura insistiu em bater novamente à nossa porta. O general Mourão Filho havia sido o chefe das tropas que insurgiram em 31 de março de 1964, derrubando Jango e dando início à ditadura militar. Estabelecido o governo golpista, Mourão acabou sendo preterido na hora da escolha no Presidente da República. Primeiro, em detrimento do General Castelo Branco e, depois, do General Costa e Silva. A partir de então, o General Mourão deixou-se corroer pelo sentimento de injustiça até morrer amargurado em 1972. No leito de morte, legou a um amigo, o historiador Hélio Silva, um pacote com os originais das suas memórias, obtendo de Hélio a promessa de que o livro seria publicado. Louco de curiosidade com o que tinha nas mãos, assim que chegou em seu amplo apartamento na Avenida Atlântica, Hélio abriu o pacote e começou a ler a cópia datilografada em papel de seda, com tipos azulados do carbono. Ao final de algumas horas, ele já havia vencido 300 das 500 páginas do original. Estava pasmo. Tinha consigo uma metralhadora giratória cujos alvos eram os poderosos ex-presidentes Castelo Branco, Costa e Silva e Médici. Engoliu em seco ao lembrar do juramento ao General moribundo. Meses depois da morte de Mourão, Hélio havia mostrado os originais a todos os editores importantes do Rio de Janeiro e, diante das recusas em série, concluiu que só um louco seria capaz de publicar aquilo. Mas não desistiu. Mais do que obstinado, Hélio era um católico convicto e, para ele, juramento era algo divino.

Corria o ano de 1977. Meu pai, Antonio Pinheiro Machado Netto, era dono de um colégio, o Educandário Cecília Meirelles, que inaugurou em Porto Alegre a prática de trazer grandes personagens da cultura brasileira para conferências pagas. Lembro de Décio Pignatari, Barbosa Lima Sobrinho, Antonio Callado, Helio Pelegrino e muitos outros, entre os quais Hélio Silva, considerado na época um dos principais historiadores brasileiros do período republicano. Ele falou, foi brilhante e, no final de sua conferência, foi apresentado a mim e ao Lima pelo meu pai. Ali, ficou sabendo que tínhamos uma editora e interessou-se. Era um dos grandes autores nacionais, editado pela Civilização Brasileira, a mais importante editora do país na época. Seu “Ciclo de Vargas”, em 16 volumes de mais de 500 páginas cada, um é uma referência obrigatória para quem quer conhecer a História recente do Brasil. Pois bem. Hélio olhou para nós e perguntou sem rodeios:

“Vocês teriam coragem de publicar um material altamente explosivo?”

“Como assim?” perguntou o Lima.

“As memórias do homem que iniciou a revolução de 1964”.

Eu ri e disse: “Desculpe professor, mas nós não somos uma editora de direita…”

Foi a vez dele rir: “Vocês nem imaginam o que ele diz dos milicos. Ele brigou com todos os generais. É um livro importantíssimo, pois há informações absolutamente inéditas sobre o golpe de 64”.

Fez uma pausa e acrescentou: “Por uma questão de honestidade, devo dizer a vocês que é um material perigoso, pois vai incomodar muita gente. Ele esculhamba os generais e ridiculariza o golpe.”

Estávamos espantados com a revelação. Éramos muito jovens, iniciantes e querendo nos firmar nacionalmente como editores. Esta poderia ser uma boa chance. Topamos na hora. O acordo foi no jantar, com brinde e tudo. Estávamos muito excitados com a possibilidade de editar o livro. Meses depois, estaríamos quase arrependidos e tecnicamente quebrados… (continua na próxima semana)

Ivan Pinheiro Machado e Paulo Lima com o livro de Hélio Silva nas mãos

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