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56. Estreia de luxo com o personagem do lixo. E com prefácio do grande Erico

Por Ivan Pinheiro Machado*

Ontem foi o dia em que morreu Erico Verissimo, no longínquo ano de 1975. De certa forma, este que é um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos está ligado ao nosso destino. Erico era muito amigo do Mario de Almeida Lima, pai do Paulo Lima, o “L” da L&PM.  Para orientação do leitor, vou fazer uma pequena rememoração; o Lima e eu vínhamos de uma desastrada experiência comercial com uma agência de publicidade, na qual éramos sócios do grande desenhista brasileiro Edgar Vasques. Na época, 1974, o Edgar fazia grande sucesso na mídia com seu personagem Rango, que era publicado em tiras diárias na Folha da Manhã. Muito crítico contra o governo, paradoxalmente, o Rango era publicado num jornal conservador. E só por isso os militares ainda não tinham acabado com ele. Ao colocarmos um ponto final na nossa Ciclo Cinco Propaganda, sentamos numa churrascaria em Porto Alegre, o Edgar, o Lima e eu, e ficamos assuntando sobre o que faríamos da vida dali em diante. Eu e o Edgar estudávamos Arquitetura e o Lima, Administração. Vivíamos os tumultuados anos 70. A ditadura na ofensiva. Intimidava e reprimia os estudantes que eram os grandes responsáveis por uma enorme onda de protestos que havia tomado conta do país. Decidimos então fazer uma editora e publicar o Rango. Pra incomodar os “milicos” como eram chamados,  pejorativamente, os militares que espancavam e torturavam aqueles que discordavam da ditadura. Reunimos as tiras e publicamos o Rango 1, cuja história já contei num post bem no comecinho destas publicações.

Mas voltando ao ponto; o Erico era amigo do Mario de Almeida Lima. Nós íamos publicar o Rango. Pedimos ao Mario Lima que fizesse uma “embaixada” junto a ele,  para que escrevesse o prefácio do livro de estreia da L&PM Editores. A contragosto, o “velho” Lima foi ao Erico e disse: “estes malucos querem fazer uma editora e querem que tu faças o prefácio do primeiro livro”.

Para os que não conheceram Erico Verissimo: guardo dele a imagem de um homem afável e extremamente generoso. Éramos muito, muito jovens e ele, o grande escritor, nos levava a sério, como se fossemos adultos experientes. Cada ida à sua casa, era uma ou duas horas da melhor conversa. Convocado pelo amigo, Erico pediu os originais e uma semana para fazer o prefácio. E não poderia ter sido melhor. Veja o fac-simile da página ofício onde ele escreveu um elogio definitivo ao nosso primeiro livro. Ele foi sincero, pois gostava do Rango e generoso ao extremo por topar a empreitada de fazer o prefácio do livro que fundou esta editora.

A edição em pocket de Rango 1, mais recente, mantém o prefácio de Erico

Foi graças a este prefácio que eu me salvei das garras da polícia da ditadura, quando fui “convidado” a prestar esclarecimentos no sinistro prédio da Polícia Federal em Porto Alegre. Era um edifício que, uma vez lá dentro, ninguém tinha certeza de que sairia.

O chefe da Polícia Federal de Porto Alegre, um pobre diabo com muito poder, em pessoa, depois de um longo chá de banco, me recebeu com o Rango aberto na sua frente. Ele não levantou a cabeça. Folheava lentamente o livro e fazia comentários tipo “olha aqui, piada com coronel… não é possível uma coisa destas”. Mais adiante, “estes comunistinhas usam até a bandeira do Brasil para fazer sacanagem…”. E eu ali, nem me mexia. Até que ele finalmente me olhou e disse: “isto aqui é uma revistinha e revista tem que ter um registro no departamento de censura. Onde está o registro?”. Eu gaguejei; “mas isto não é revista, é livro!”. “Como não é revista?” berrou o gorila, isto aqui é uma revistinha de quadrinhos e uma revistinha muito vagabunda!”. Aí eu tive uma iluminação. Procurei a voz mais firme que eu conseguiria para o momento e disse: “É livro sim! Olha o prefácio do Erico Verissimo”. Quis Deus, na sua infinita bondade, que o prefácio do Erico começasse assim: “Recomendo este livro com o maior entusiasmo…”. O troglodita leu, me olhou, abanou a cabeça desolado e por fim disse delicadamente: “Te manda daqui seu comunistinha, mas abre o teu olho…”

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

53. Três gerações de amizade e parceria

Por Ivan Pinheiro Machado*

Carlos Augusto Lacerda, meu amigo, dublê de surfista e brilhante editor, foi a terceira geração na proa da editora Nova Fronteira, esta que foi uma das maiores e mais importantes do mercado brasileiro. Pois coube a ele, em 2008, a dura missão de vender o respeitado e admirado negócio familiar para o grupo Ediouro.

Hoje, Carlos Augusto segue com o mesmo entusiasmo à frente da Editora Lexikon, especializada em livros de referência e dicionários em geral, com a autoridade do know how adquirido como editor do célebre Aurélio. Foi na editora Nova Fronteira que o mais famoso dicionário brasileiro adquiriu o respeito e a celebridade que goza até hoje.

Carlos Lacerda

A história da L&PM, em mais de 30 anos, se entrelaça ocasional e sistematicamente com a história dos editores Lacerda. Em 1974, Lima e eu chegávamos ao Rio de Janeiro com pouco mais de 20 anos para procurar um distribuidor para nossa recém fundada editora, que possuía apenas três livros em seu catálogo. Tínhamos uma carta de recomendação do jornalista e intelectual Mario de Almeida Lima (pai de Paulo Lima, o “L” da L&PM) ao seu amigo Carlos Lacerda, ex-governador do Rio de Janeiro, protagonista da cena política brasileira durante mais de três décadas. Nós queríamos que a Nova Fronteira distribuísse nossos livros no Rio. Lembro bem quando o Lima e eu chegamos no casarão de Botafogo, sede da editora, para a esperada entrevista com Carlos Lacerda. Defenestrado pela ditadura militar de quem se tornara inimigo, longe da linha de frente da política, Lacerda dedicava-se à sua editora e à pintura. Estávamos no jardim do casarão, quando vimos um homem grande atravessando o pátio e carregando, com uma certa dificuldade, uma grande tela de pintura. Ele parou e ficou nos olhando. Estávamos imobilizados diante daquela figura histórica. Afinal, era raro o dia em que não aparecia, estampado nos jornais, a sua foto de dedo em riste ou sua caricatura desenhada por algum dos grandes cartunistas do país.

Carlos Lacerda não agiu como o exuberante orador que conhecíamos pela imprensa. Muito pelo contrário. Mansamente, perguntou o que queríamos. O Lima identificou-se e ele abriu um sorriso ao ouvir o nome do seu amigo Mario de Almeida Lima. E a partir de então, naquele distante 1974, a Nova Fronteira passou a distribuiu nossos livros. Alguns anos depois, estabelecemos um contrato de exclusividade com um distribuidor e encerramos nossas relações comerciais.

Uma década mais tarde, tornei-me amigo de Sérgio, filho de Carlos Lacerda, que assumia com seu irmão Sebastião, o comando da empresa familiar. Foram muitas lembranças divertidas e agradáveis em conversas, jantares e churrascos pelo Rio Grande, Rio, Lisboa, Paris e principalmente Frankfurt, onde convivíamos todos os anos. Sérgio morreu aos 52 anos deixando-nos carentes de sua amizade e de sua liderança. Coube a ele comandar o grande salto da Nova Fronteira na década de 80. Ele trouxe para sua editora os principais autores brasileiros, recém saídos da então agonizante editora José Olympio. O seu ótimo catálogo foi então reforçado por Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Jorge de Lima, Josué Montello, Guimarães Rosa, Manuel Bandeira, João Cabral de Mello Neto entre outros.

É aí que entra o nosso amigo Carlos Augusto Lacerda, terceira geração de editores, filho de Sérgio. Com ele firmamos as parcerias entre Nova Fronteira e L&PM POCKET, publicando Agatha Christie e Georges Simenon na nossa coleção de bolso. No final da década de 2010, ao sair da NF, Carlos Augusto fundou a Lexikon e nós retomamos – como velhos amigos – a nossa parceria. Deste vez com o prestigiado dicionário Caldas Aulete (“Aulete de bolso”) e outros livros de referência como “Dicionário de dificuldades da língua portuguesa” de Domingos Paschoal Cegalla, e “Gramática do português contemporâneo” de Celso Cunha.

Aulete de bolso, o dicionário que é uma parceria com a Lexikon, editora de Carlos Augusto Lacerda

Nós aqui na L&PM, que tivemos o privilégio de conviver com estas três gerações de editores, nos sentimos gratificados, pois fomos testemunhas da formação de uma das grandes editoras brasileiras. Uma família que soube conduzi-la por quatro décadas e deixou mais do que um grande acervo editorial, um exemplo de correção profissional, talento editorial e generosidade no trato e na relação com seus amigos.

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quinquagésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

A coleção Stein: o maior acontecimento cultural do ano em Paris

Por Ivan Pinheiro Machado*

“Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure des Stein” – Grand Palais, Paris 8º. De sextas às segundas das 9h às 22h; de terças às quintas das 10h às 22h. Entrada: 12 euros. De 5 de outubro à 15 de janeiro

“Uma rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa…” (“a rose is a rose is a rose is a rose”), poema escrito em 1914, tornou célebre a escritora Gertrude Stein (1874-1946). Esta genuína vocação para a vanguarda ela provaria uma década antes. Seu endereço parisiense, na rua Fleuris, 27, onde morava com seu irmão Leo e sua companheira da vida inteira, Alice B. Toklas, mais o grande apartamento  de seu irmão Michael e sua mulher Sarah, também em Paris, na rue Madame, 8, abrigaram nos primeiros 20 anos do século XX a maior coleção privada de arte moderna jamais reunida.

Em torno dos anos 1900 os franceses detestavam a arte moderna. O máximo que toleravam em matéria de modernismo eram os impressionistas, e apenas alguns, justamente os mais conservadores. Cubismos estranhos e sombrios de Picasso e cores feéricas e selvagens de Matisse eram motivos de risos e escândalo. Já os americanos e os russos entenderam que ali tinha alguma coisa. E foi graças a eles que Picasso, Matisse, Juan Gris, Cézanne, Marie Laurencin, Renoir, entre muitos outros conseguiram muitos pratos de comida.

Retrato de Gertrude Stein

Em 1903, Leo Stein comprou seu primeiro Cézanne. Um ano depois, Gertrude começaria a comprar Picassos (compraria 180 no total), enquanto seu outro irmão Michael e sua mulher Sarah comprariam praticamente toda a produção da época de Matisse (em torno de 200). Ao todo, entre desenhos, pinturas e esculturas, teriam sido cerca de 600 obras de arte acumuladas pela família Stein em 15 anos de compras. A coleção só não foi mais além, porque em poucos anos os quadros custariam 1000 vezes mais do que os Stein pagaram, inviabilizando a continuação da coleção. Foi então que eles começaram a vendê-la lentamente.

Sarah e Michel Stein retratados por Matisse

Os recursos que mantinham os irmãos Stein numa vida tão confortável em Paris vinham da venda da Omnibus Railway and Cable Company de San Francisco, empresa da família, e de muitos imóveis alugados na Califórnia. Um dos quadros emblemáticos da arte moderna e – junto com “Demoiselles d’Avignon” – precursor do Cubismo é, não por acaso, “Retrato de Gertrude Stein”, uma homenagem de Pablo Picasso que acabou colocando-a como uma das protagonistas (mesmo sem ser pintora) da grande revolução da arte moderna.

Nos anos 20, na euforia pós-guerra, depois de vender boa parte de sua coleção, Gertrude Stein voltaria a cena, treinando seus dotes de visionária. Desta vez, na literatura. Ainda em Paris, descobriria dois jovens escritores americanos: Ernest Hemingway e Francis Scott Fitzgerald.

Pois toda esta história está exposta agora em Paris nas paredes das Galeries nationales du Grand Palais, um fantástico palácio situado entre a avenida Champs Elisées e o Sena. A megaexposição foi inaugurada em 5 de outubro e deverá prosseguir até 15 de janeiro de 2012. É uma viagem fascinante que reúne o melhor da coleção Stein em cerca de 350 obras.

Uma exposição realizada nos melhores moldes das grandes exibições francesas: tudo muito bem explicado, perfeitamente iluminado, muito bem exposto e com a utilização de todos os recursos áudio-visuais disponíveis. Um trabalho impressionante da equipe do Grand Palais. Principalmente se levarmos em conta que a coleção deixou de existir dentro da família Stein nos anos 50 do século passado e que – pior ainda – desde os anos 20 foi sendo paulatinamente vendida. Foram anos de trabalho tentando localizar quadro por quadro nos lugares mais remotos do planeta. Mas o resultado é extraordinário e faz  de Matisse, Cézanne, Picasso: l’aventure dês Stein o maior acontecimento cultural do ano em Paris. E isso não é pouca coisa.

As imensas filas acabaram sendo turbinadas por uma incrível coincidência. Não bastasse a grande importância do conjunto exposto nas paredes do Grand Palais, a exibição passou a ter um poderoso reforço de marketing: o megasucesso cinematográfico de 2011, “Meia noite em Paris”, de Woody Allen, tem como centro de suas ações Gertrude Stein, sua casa e sua turma.

*Ivan Pinheiro Machado é editor e visitou a exposição em Paris quando estava a caminho da Feira do Livro de Frankfurt, na Alemanha. A L&PM publica A autobiografia de Alice B. Toklas na Coleção L&PM Pocket.

Frankfurt começa em clima frio

A gelada Islândia (Iceland!) é o país homenageado deste ano na Feira Internacional do Livro de Frankfurt (Frankfurter Buchmesse 2011 em alemão ou Frankfurt Book Fair em inglês), que começou ontem, 12 de outubro, e vai até domingo, 16 de outubro. Ironicamente, as coisas parecem andar meio frias pelos corredores dos pavilhões alemães. Segundo informações quentinhas que acabam de chegar, vindas de nossos editores que se encontram por lá – Ivan Pinheiro Machado, Caroline Chang e Janine Mogendorff – a crise européia parece ter respingado sobre as páginas e pelos corredores da Feira. Este ano, há menos gente circulando e, provavelmente menos negócios a serem fechados. Dezenas de agentes e editores europeus andam desanimados e um deles inclusive anda dizendo pelos quatro cantos dos estandes que, se não fossem os turcos e os brasileiros, o encontro literário deste ano estaria fadado ao fracasso. Ou seja: a Feira de Frankfurt 2011 reflete a Europa deprimida.

Mas obviamente, nem tudo é depressão e há excelentes livros a serem negociados e trazidos por nossos editores. Ontem, entre um encontro e outro, um senhor de cabeça raspada e boné estava conversando com Caroline e Janine quando Ivan se aproximou. O homem, bastante simpático, elogiou as edições de Simenon da Coleção L&PM POCKET e entregou o seu cartão de visitas. Só depois, Ivan (que precisou colocar os óculos para ler o nome do sujeito) percebeu que o cartão trazia o nome de John Simenon. Ninguém menos do que o filho do criador do comissário Maigret.

É por essas e por outras que, com crise ou sem crise, a Feira do Livro de Frankfurt segue sendo um programa imperdível para as editoras do mundo.

Este ano, os corredores mais vazios da Feira de Frankfurt refletem a Europa economicamente deprimida

48. Com os beats na alma


Alma Beat foi o trabalho mais completo editado sobre a Geração Beat no Brasil. Um painel apaixonado e preciso sobre o que eram e o que fizeram os beats. Em suas páginas, eram oferecidos textos escritos por poetas, jornalistas e escritores brasileiros que, de uma forma ou de outra, tiveram suas vidas e suas obras influenciadas pelo movimento. Além de textos inéditos dos próprios beats – como um poema de Kerouac sobre Rimbaud, um texto de Gary Snyder sobre o Brasil e um poema de Ginsberg para Che Guevara! –, Alma Beat trazia artigos de Eduardo Bueno, Antonio Bivar, Roberto Muggiati, Cláudio Willer, Leonardo Fróes, Pepe Escobar e Reinaldo Moraes sobre a ligação dos beats com o jazz, com as drogas, com o zen, com a estrada, com os autores malditos e com a tradição romântica. O livro era ainda complementado pelas autobiografias de Allen Ginsberg, Jack Kerouac, William Burroughs, Gregory Corso, Neal Cassady, Gary Snyder, Peter Orlovsky e Lawrence Ferlinghetti. E tinha também trechos de cartas e entrevistas, além de fotos que naquela época nunca haviam sido vistas no Brasil (lembre-se que em 1984 não dava para pesquisar imagens no Google).

Para completar, Alma Beat mexia com temas considerados explosivos como punk, revolução, sexo, dinheiro e drogas, além de oferecer uma ampla bibliografia. Ou seja, era uma fonte primordial para entender a história e a obra deste grupo de escritores que, mais do que qualquer outro, provocou as maiores e mais significativas mudanças no comportamento dos jovens do mundo inteiro.

Vale dizer que Alma Beat não foi apenas o nome de um livro, mas de uma Coleção criada por Eduardo Bueno que, em 1984, já oferecia Uivo, de Allen Ginsberg, Cartas do Yage, de William Burroughs e Ginsberg, Uma Coney Island da Mente, de Lawrence Ferlinghetti, O livro dos sonhos, de Jack Kerouac, Gasolina e a Lady Virgem, de Gregory Corso, Como nos velhos tempos, De Gary Snyder, O primeiro terço, de Neal Cassady e Crônicas de Motel, de Sam Shepard. Depois, claro, vieram muitos outros. Alguns dos títulos da saudosa “Coleção Alma Beat” estão na Série Beat da Coleção L&PM POCKET. É realmente um mergulho no espírito de Kerouac e sua turma. Vale a pena!

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo oitavo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

46. Quem nunca errou que atire a primeira pedra

Por Ivan Pinheiro Machado*

Você sabe quanto custa um erro?

Há aqueles que erram na vida e são punidos pela lei. Há os que erram por amor. Há os que simplesmente erram e vão em frente, há os que erram e capitulam, se submetem ao emaranhado de equívocos em que se enredaram. Há erros e erros. Uns maiores, outros menores. E há um custo para os nossos erros. Perdemos amores, perdemos empregos, amigos, lealdades e até a liberdade. Sempre há uma consequência, um castigo, uma penalidade.

Pois uma editora geralmente é refém da possibilidade de um erro.

Depois de tantos anos eu sempre digo que aprender a ser editor custa muito caro. Por exemplo: um belo dia, foram impressos 3.000 exemplares de um romance de Honoré de Balzac (1789-1850). Os livros chegaram na editora e a aquipe examinava o exemplar quando, de repente, alguém gritou desesperado: nããããããão, 1932 nããããão!!!

O Coronel Chabert saiu em 1832 e a contracapa do livro, em lugar nobilíssimo, exibia um rutilante 1932 como data de lançamento da primeira edição. Cem anos de equívoco. Recolhe-se o livro, devolve-se para a gráfica, corrige-se o erro e imprime-se de novo. Encaixa-se o prejuízo. Este é o caminho. Não tem outro jeito.

Duas versões da mesma quarta capa: a errada e a certa (clique para ampliar)

Um editora com 37 anos de vida como a nossa já passou por um longo e caríssimo aprendizado. Erramos muito no passado e de tanto errar, aprendemos. O lugar comum, “é com erros que se aprende”, é uma verdade absoluta quando se fala em editar livros.

Hoje, os recursos eletrônicos geram menos erros de digitação, o famoso “pastel” como se dizia antigamente. Se você digitar “atrazo” em vez de atraso, o Windows grita e você corrige correndo. Mas mesmo assim, com todo o aparato tecnológico, hoje, um livro passa no mínimo por cinco revisões, podendo chegar a seis ou sete. Há a revisão de originais, de tradução, a revisão de paginação, há a revisão da revisão, enfim. Há um enorme trabalho por trás de um livro. Tudo para que ele chegue quase perfeito nas mãos do leitor.

Neste tempo todo editamos mais de 3 mil livros. E foram dezenas de edições perdidas. Livros que foram “reciclados” por conterem doenças incuráveis, que são os erros que saltam aos olhos, erros de português, de estrutura, de páginas que faltam, por erro nosso, ou simplesmente por uma fatalidade da informática. No envio de um arquivo à gráfica por internet, a pag 71 e 72, por exemplo, somem no éter virtual. E para o desespero do editor, o erro só aparece quando um leitor liga e diz: “quero meu dinheiro de volta! Faltam duas páginas no meu livro”. Aí então se recolhe o livro (para “reciclar”), corrige-se, manda-se os arquivos para a gráfica, revisa-se as provas pré-impressão e imprime-se de novo. E depois deste erro assustador, revisa-se a primeira rodagem da máquina. Enfim, revisa-se, revisa-se, revisa-se e mesmo assim, vez que outra, acaba se descobrindo um errinho…

* Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo sexto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

44. Bienal do Rio: do Copacabana Palace ao Riocentro

Por Ivan Pinheiro Machado*

A XV Bienal do Livro do Rio de Janeiro é o maior evento do livro no Brasil. Já há alguns anos ela é realizada nos amplos pavilhões do Riocentro na Barra da Tijuca e tornou-se, não só pela magia da cidade, como pelo magnífico espaço, uma grande celebração do livro brasileiro.  A L&PM Editores está lá com o seu estande no Pavilhão Verde, rua N, número 20.

O Copacabana Palace foi a sede da primeira Bienal do Rio em 1983

A história da nossa participação começa exatamente com a história da Bienal. A primeira edição foi realizada – pasmem – no hotel Copacabana Palace em 1983. Éramos um grupo restrito de editores, acomodados nos espaços do lobby e dos salões do velho e legendário Copa. Não havia nenhuma sofisticação nos estandes. Apenas expunhamos os livros para a visitação de um público pequeno e seleto. A sofisticação em si era do hotel mais badalado da cidade mais badalada do Brasil.

A Bienal de São Paulo havia iniciado o “ciclo das Bienais” – ano par em São Paulo, ano ímpar no Rio – e já era um grande acontecimento. Se no Rio era uma exposição recatada e sofisticada num hotel de luxo, a primeira bienal de São Paulo, um ano antes, havia sido um evento impressionante. Filas imensas serpenteavam em frente ao grande e também lendário pavilhão da Bienal de Artes Plásticas do Ibirapuera, um espaço bem mais adequado e que só foi abandonado quando a bienal cresceu demais. Lamentavelmente, na minha opinião, depois que deixou o Parque do Ibirapuera, ela nunca mais foi a mesma. Hoje é feita nos pavilhões da Fenit.

Estande da L&PM na Bienal de São Paulo de 1988

Mas voltando o Rio. Quando se vai para os pavilhões do Riocentro, quem segue pela praia tem uma clara visão da beleza empolgante da cidade. Passa-se por Ipanema, Leblon e entra-se na avenida Niemeyer rumo à São Conrado e de lá para a Barra. O cenário é o mar imenso, as baías, as praias de areia alvíssima, enfim, uma visão que é um bálsamo até visto dos engarrafamentos que são normais nestes trechos. Você anda bastante até chegar na Barra. Mas vale a pena. Impregnado da paisagem, você circulará por imensos pavilhões perfeitamente arejados e verá uma mostra de tudo o que se faz em termos de indústria editorial no Brasil.

Estande da L&PM na Bienal do Rio 2011

Este ano a inauguração de Bienal foi prestigiada pela presença, na quinta feira dia 1º, da Presidenta Dilma Rousseff. Isto dá uma amostra da importância deste grande evento. No final de semana, sábado dia 3 e domingo dia 4, o movimento de público foi impresionante. O estande da L&PM esteve lotado o tempo todo. Pessoas voltavam, pois não conseguiam entrar de tão abarrotado. No nosso estande estão expostos todos os livros em catálogo da L&PM. Em mais de 100 metros quadrados, o visitante tem uma idéia perfeita da produção da editora e especialmente dos quase 1.000 títulos já lançados pela coleção de bolso. Neste primeiro fim de semana, vendeu-se milhares de livros e lideraram as vendas o bestesller nacional Feliz por nada de Martha Medeiros e a versão em pocket de As Veias Abertas da América Latina do escritor uruguaio Eduardo Galeano, um velho conhecido dos cariocas. A XV Bienal Internacional do Rio de Janeiro vai até domingo próximo dia 11.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo quarto post da Série “Era uma vez… uma editora“.

43. Duas décadas com a Turma da Mônica

Por Ivan Pinheiro Machado*

Paulo Lima, o “L” da L&PM, foi o primeiro de nós dois a ter filho. E vendo o fascínio que Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Bidu e o resto da turma exerciam sobre Marcello (que na época devia ter uns 8 anos), ele botou na cabeça que iria editar Mauricio de Sousa, o criador da Turma da Mônica.

Era final do ano de 1987. Depois de vários contatos paralelos com amigos comuns, secretárias e assessores, finalmente o Lima conseguiu um encontro com o Mauricio. Consagrado como a tira de maior circulação entre os jornais brasileiros, e também como o campeão de vendas de revistas do país, Mauricio havia mudado de editora, passara da Abril para a Globo, e com isso conseguiu flexibilizar uma relação que era muito rígida nos tempos da editora Abril. No novo contrato, ele poderia administrar a sua obra em livro. Portanto, surgia a possibilidade de uma colaboração entre L&PM e os estúdios Mauricio de Sousa, um enorme complexo de produção editorial que envolve cerca de 300 pessoas entre roteiristas, desenhistas e administradores. Propusemos ao Maurico a edição de uma coleção de luxo, em capa dura, colorida com as principais aventuras da turma. Seriam 8 volumes com as melhores histórias da Mônica, Magali, Cebolinha, Cascão, Chico Bento, Bidu, Tina e Penadinho, com caixa especial que abrigaria a coleção e um display exclusivo para a venda nas livrarias. E mais, o livro seria comercializado também em Portugal.

Acertados os detalhes, assinamos os contratos e começamos a executar este grande projeto. Não foi fácil. Na era pré-digital, uma produção a cores, além de caríssima, exigia um enorme trabalho, principalmente nos fotolitos. A técnica de preparação dos filmes escolhida foi a de “separação de cores”. Em poucas palavras, esta técnica funciona assim: quando da confecção dos fotolitos (que já não existem mais, hoje é tudo digital) é feita a indicação de cada cor sobre a arte que é desenhada em branco & preto. A cor só aparecia na impressão. Imaginem o trabalhão…

As edições em luxo editadas em 1991

Enquanto eram aprontadas as artes, negociávamos com Portugal, onde Mauricio já era muito conhecido. Mandamos uma cópia das artes para o importador e recebemos uma carta muito curta que dizia mais ou menos o seguinte: “Está tudo muito bem, mas para vender cá em Portugal é preciso que estas bandas desenhadas sejam traduzidas para o Português…” Com isso tivemos que fazer modificações importantes nos textos, do tipo, eliminar todos os gerúndios ou, onde estava escrito “fazendo”, alterar para “está a fazer”. Trem virou  “comboio”, ônibus se transformou em “autocarro”, camiseta mudou para “camisola” e assim por diante. Feito isso, foram exportadas para Portugal 5 mil coleções que venderam rapidamente. Ao mesmo tempo, em março de 1991, também com enorme sucesso, lançamos em todas as livrarias do Brasil a coleção “As melhores histórias da Turma da Mônica.

No começo dos anos 2000 voltamos a editar a Turma da Mônica. Agora na coleção L&PM Pocket. Já fizemos dez volumes e vamos fazer mais dez. Também com enorme sucesso. No final do mês de agosto deste ano de 2011 o Lima e eu fomos a cidade Passo Fundo, no planalto médio do Rio Grande do Sul, para a inauguração da famosa Jornada Literária em na sua 14ª edição. Fazia um frio de rachar e ao chegarmos na cidade encontramos um dos participantes mais célebres da Jornada: justamente Mauricio de Sousa.

Vendo a verdadeira comoção que Mauricio causava por onde passava, a correria de crianças e adultos em busca de um autógrafo ou de uma foto, eu refleti sobre o extraordinário trabalho deste grande desenhista brasileiro. Há 20 anos quando fizemos nossos belos álbuns a cores ele já era uma celebridade. O tempo melhorou o desenho, as histórias e seu prestígio continua intocado. Este homem modesto e gentil, sempre atencioso com os seus milhares de admiradores tem verdadeira obsessão pela novidade. Ele, que já viu gerações se sucedendo num ritual de amor com a Turma da Mônica, hoje é uma unanimidade. Mauricio de Sousa é um dos maiores fenômenos culturais brasileiros dos últimos 40 anos.

Encontro na Jornada Literária de Passo Fundo deste ano: Ivan Pinheiro Machado, Mauricio de Sousa, Paulo Lima e Edgar Vasques

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

42. Saudades de Josué Guimarães

Por Ivan Pinheiro Machado*

O texto a seguir foi originalmente publicado neste espaço em 25 de março de 2011. Como o editor Ivan Pinheiro Machado encontra-se na Jornada de Passo Fundo, evento que este ano homenageia Josué Guimarães, optamos por reproduzir este post dentro da Série “Era uma vez… uma editora”

Seu nome está estreitamente ligado à L&PM, pois foi um dos primeiros grandes autores brasileiros a aderir ao nosso projeto. Isto lá nos idos de 1976, dois anos depois da fundação da editora. Antes de ter sido um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos, autor de uma obra sólida, emocionante e de altíssima qualidade literária, Josué foi um homem de bem, um amigo solidário, alguém que dedicou o melhor de si mesmo para um projeto humanista de sociedade. Era generoso e combativo. Sua fé na liberdade e na democracia, valeu-lhe uma dura perseguição por parte da ditadura militar de 1964 e o exílio em Portugal.

Passado um quarto de século, eu ainda posso vê-lo, bem humorado, com o seu ar maroto e amigo, elegante como sempre, numa gravata preta a olhar-me do retrato pendurado na parede em minha sala. E fico pensando: será que não se fazem mais homens íntegros, coerentes até quase a insanidade, como Josué? Rejeitado por uma elite cultural no seu tempo (que torcia o nariz porque Josué ganhava a vida como jornalista), sua obra sobreviveu intacta, verdadeiros clássicos que são reeditados permanentemente.

Josué Guimarães na parede da sala de Ivan Pinheiro Machado

Grande amigo, conselheiro, um ótimo papo. Sempre alegre – ou fingindo estar ok, quando não estava – ele tinha permanentemente na ponta da língua uma palavra de estímulo, de carinho. Deixou-nos precocemente, no auge de sua carreira como escritor, aos 65 anos. Recém publicara a pequeno e emocionante novela “Garibaldi & Manoela – uma história de amor” e tinha mais quatro romances desenhados na sua cabeça. Josué contava as suas obras futuras para os seus amigos até a exaustão. Quando ele achava que a história estava “fechadinha”, como ele dizia, sentava-se na máquina e escrevia de um fôlego só. Sem emendas.

Foram os originais mais limpos que eu conheci em décadas como editor. Deixou “contados” quatro romances, “A morte da primeira dama”, que seria a história de uma telefonista (no tempo das telefonistas) de uma cidade do interior que exercia um enorme poder, pois escutava as conversas, “Uma fresta na janela” que seria a história – também numa cidade do interior – de uma mulher que observava tudo o que se passava na cidade, “A Ferro e Fogo, vol. 3” que se chamaria “Tempo de Angústia” (os volumes anteriores chamaram-se “Tempo de Solidão” e “Tempo de Guerra”) e finalmente “Brava Gente” uma novela-saga atemporal, em que um homem percorreria toda a história do Brasil – um romance entre o histórico e o fantástico. Peço ao leitor o benefício da dúvida na descrição destes livros que jamais sairão, pois afinal se passaram 25 anos… Saudades do Josué Guimarães.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o quadragésimo segundo post da Série “Era uma vez… uma editora“.

Balzac é destaque na Wikipédia em português

Quem já acessou a página inicial da Wikipédia em português (sem ser pela busca do Google) deve ter observado que há sempre um “Artigo em destaque” dentro de uma caixa azul (como na imagem abaixo). Estar ali significa que o artigo é de “excelente qualidade”. No ambiente colaborativo e aberto da Wikipédia, em que todo mundo pode  escrever o que bem entende, ter este atestado de credibilidade é valioso.

Bom… tudo isso é pra dizer que o artigo sobre a vida e a obra de Honoré de Balzac está lá na página inicial da Wikipédia em destaque já faz uns dias. Isso quer dizer que, se você precisar de informações precisas sobre o autor de A Comédia Humana, a comunidade de colaboradores da Enciclopédia Livre – como é conhecida a Wikipédia – garante que naquele artigo você pode confiar.

E não é fácil virar “Artigo em destaque”: primeiro, o texto tem que se enquadrar em um lista enorme de critérios (deve conter referências, fontes, notas, etc) e só então vai para a fila de votação. Apenas os usuários mais ativos e mais antigos têm direito a voto, ou seja, tem muita gente comprometida com a Wikipédia de olho no que é publicado por lá. E o processo não termina aí: são contabilizados apenas os votos que vêm com justificativa. E não adianta escrever qualquer coisa, pois só vale se a justificativa estiver de acordo com aquela lista de critérios iniciais. Após esta seleção criteriosa (ufa!), o artigo mais bem votado ganha destaque na página inicial da língua correspondente. É por isso que ser eleito como “Artigo em destaque” na Wikipédia é um mérito e tanto para o conteúdo construído colaborativamente.

Outra opção para saber tudo sobre Balzac é assistir ao documentário Vida & Obra – Honoré de Balzac, apresentado pelo editor Ivan Pinheiro Machado na L&PM WebTV.