Em sua coluna de sábado, 20 de outubro, no Jornal Correio do Povo, Juremir Machado da Silva conta um pesadelo que teve e de coincidências envolvendo Freud, de quem a L&PM publica, entre outros, A interpretações dos sonhos, pela primeira vez traduzido direto do alemão. Juremir acaba de lançar seu mais recente livro de crônicas, A orquídea e o serial killer que será autografado na Feira do Livro de Porto Alegre no dia 28 de outubro às 17h.
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Novo livro de David Coimbra na coluna de Juremir Machado da Silva
Quarta-feira, 17 de outubro, publicamos aqui neste blog uma crônica de Martha Medeiros em que ela revela suas impressões sobre Uma história do mundo, novo livro de David Coimbra. No mesmo dia, o jornalista e escritor Juremir Machado da Silva comentou sobre a mesma obra em sua coluna diária do Jornal Correio do Povo de Porto Alegre. Vale a pena ler as impressões de Juremir sobre o livro de David:
David Coimbra, o egípcio
Por Juremir Machado da Silva*
Na época da faculdade de jornalismo, quando morava no IAPI e pegava o T1 depois da aula, quando não ia se esbaldar no bar do Maza até encher o latão de cerveja, o David Coimbra já adorava história. Creio que já naquele tempo ele lia Will Durant, historiador americano que sabia tudo dos bastidores da vida das grandes personalidades históricas. David sempre teve um fraco pela história da antiguidade. Nunca tirou o olho da Cleópatra. Tenho a impressão de que só a rainha vadia podia concorrer com a Rosane Aubin pelo coração do David naqueles trepidantes dias de 1980 a 1984. Era certo que David acabaria por escrever livros unindo as suas paixões: literatura, história, crônica e jornalismo. É o que se vê em “Uma história do mundo – como se formou a primeira cidade, como nasceu o primeiro deus único, como foi inventada a culpa”(L&PM).
David, o egípcio, é o nosso Will Durant. Como uma vantagem: escreve muito melhor.
A ambição é a mesma. A história do mundo do David terá muitos volumes (a de Will Durant tem 23). Li os originais do primeiro tomo dessa enciclopédia em tom jocoso do David. É sensacional. Agora, relendo o texto publicado, renovei o meu encantamento. Como não se maravilhar com capítulos que começam assim? “Foi no Egito que Napoleão descobriu que era um marido traído?” Napoleão, o corno. Sobre a evolução tecnológica: “Olhe para você. Veja no que você se transformou. Você passa a noite ressonando em cima de uma colchão macio como as canelas da Scarlett Johansson e debaixo de cobertores quentes como o olhar da Megan Fox”. Nessa balada de cronista, David dribla a chatice da história positivista e o cientificismo da história estruturalista e conta a vida dos nossos antepassados ilustres ou não. Tudo tem uma explicação: “O governo centralizado e forte era tão importante no Egito que o faraó foi promovido de rei a deus. Essas coisas não acontecem por acaso. As instituições só funcionam quando as pessoas precisam”.
Pode-se aprender na sacanagem. David sempre encontra um jeitinho para empurrar a coisa (opa!) suavemente: “Dilma Rousseff, Margaret Thatcher, Evita Perón e todas as mulheres que um dia assumiram o poder máximo em seus países jamais conseguiram se igualar às façanhas da Primeira Grande Mulher da História. Maatkare Hatshepsut fez mais do que suplantar o poder dos homens quinze séculos antes de Cristo e 3,5 mil anos antes de Angela Merkel. Hatshepsut suplantou o próprio sexo”. Como? Aí é que a porca torce o rabo (certamente David explicará a origem dessa expressão nalgum dos seus volumes).
É ler.
David Coimbra trabalhou muito, durante quatro anos, leu incansavelmente, de Heródoto a Freud. De Heródoto, aliás, pescou relatos impagáveis: “No Egito, as mulheres vão ao mercado e negociam, enquanto os homens, encerrados em casa, trabalham no tear (…) As mulheres urinam em pé; os homens, de cócoras”. Se fosse resumir o livro de David a partir do clássico título de Paul Veyne, eu diria apenas: “Como se (re)escreve a história”.
Com talento!
Aquelas viagens no T1 só poderiam levar a algum lugar.
*Pela L&PM Editores, Juremir Machado da Silva publica História regional da infâmia e lançará, na Feira do Livro de Porto Alegre, o livro A orquídea e o serial killer. O texto acima foi publicado originalmente em sua coluna na pg. 2 do Jornal Correio do Povo de 17 de outubro de 2012.
Baita livro
Por Juremir Machado da Silva*
Luiz Antonio de Assis Brasil sempre escreveu bem. Já tem seu lugar garantido entre os melhores escritores gaúchos de todos os tempos, que não são muitos, os tempos. Terá, apesar disso, de suportar um clichê que vou cometer agora: está como o bom vinho. Cada vez melhor. Leio-o desde quando eu tinha 22 anos e sonhava em mudar o mundo. Infelizmente para pior. Fui, talvez, o primeiro a resenhar “Videiras de Cristal“. Quando Assis publica um livro, corro para ler. Imaginava que ele andasse absorto na sua labuta de secretário estadual da Cultura e longe da carpintaria da literatura. Nada disso. Ele acaba de lançar “Figura na Sombra” (L&PM). Em linguagem de crítico literário, um romance soberbo. Em bom português, um baita livro. É a história do francês Aimé Bonpland, naturalista e companheiro de viagem de Humboldt por este Novo Mundo.
Bonpland teve uma existência errante. Escalou, com Humboldt, o vulcão Chimborazo e navegou pelas águas do Orenoco até o rio Negro, comprovando a existência dessa ligação através do Canal de Casiquiare. Mais tarde, depois de um retorno à Europa, mudou-se para Buenos Aires. Apaixonou-se pela yerba, a erva-mate. Retomou suas aventuras. Foi prisioneiro de El Supremo, o déspota esclarecido do Paraguai. Abandonou e foi abandonado por mulheres estranhas. Antes disso, cuidou e desenvolveu os jardins de Malmaison, o castelo da imperatriz Josefina, mulher de Napoleão, por quem teria se apaixonado. Foi chamado de vários nomes, especialmente de Gringo “loco”. Teve a vida que muita gente gostaria de ter, inclusive eu, por algum tempo. Assis Brasil mergulha esse personagem bizarro, sábio, iluminado, teimoso numa atmosfera de profunda solidão. Sofreria por amor à sua eterna Josefina? Ou por amor platônico a Humboldt? “Figura na Sombra” deixa essa porta aberta. Se não rolou, foi por medo de Bonpland. Humboldt parecia bem chegado.
Humboldt virou um mito. Bonpland, embora reconhecido e admirado, ficou em segundo plano. Sofria com isso? Teria voltado ao fim de mundo para aplacar o seu ressentimento? Humboldt quis provar a lógica perfeita da natureza. Bonpland intuía que tudo é caos. Ganhou a parada? Hipóteses, especulações, probabilidades… Assis Brasil faz o coração do leitor se apertar. Que puta solidão! Que tristeza! Quanta mágoa, quanta loucura, quanto silêncio, quanta dor! Há mistério, ambiente, imaginário e fantasia em cada página. O autor domina a palavra como um tirano iluminado e iluminista. Se em alguns livros sua narrativa parecia recuperar a estética do século XIX, em “Figura na Sombra” se vê, de corpo inteiro, o narrador deste século XXI, ágil, sintético, curto-circuitando a descrição, alternando ruptura e continuidade, abraçando uma ficção cósmica quântica, uma simulação engenhosa de linearidade feita de saltos e lirismo. Tem balanço de emoções, sinuosidade, um ritmo.
Assis Brasil é escritor de fato: ninguém se atreverá a perguntar-lhe se o que conta é verdadeiro. A pergunta não faz sentido. Só um imbecil a faria. Afinal, como poderia a ficção convincente ser falsa? Impossível.
* Juremir Machado da Silva é escritor, jornalista, tradutor e professor universitário. Esta crônica foi publicada originalmente em sua coluna diária do Jornal Correio do Povo no dia 23 de setembro de 2012.
Maus costumes
Por Juremir Machado da Silva*
Quando vou perder a mania de falar de livros? Ainda mais de livros sentimentais. Ando tão piegas que, depois de chorar num filme de caminhoneiro, fiquei de queixo caído diante de um livro do Eduardo Galeano, “Os Filhos dos Dias” (L&PM). Galeano, autor do clássico infanto-juvenil ideológico “As Veias Abertas da América Latina”, que os lacerdinhas transformam com maledicência em “véias”, também serviu de modelo para o idiota do filho de Mario Vargas Llosa escrever um livro idiota intitulado “Manual do Perfeito Idiota Latino-americano”. Não desrespeito quem gosta, pois eu mesmo sou um idiota perfeito e um perfeito idiota, o que não é muito difícil constatar, embora eu não seja marxista, nem comunista, só um idiota.
Com textos curtos, dedicados a cada dia de um ano, o escritor uruguaio desencava histórias que deveriam ser esquecidas. Por exemplo, esta de Winston Churchill, o herói civilizador que comandou a resistência ao nazismo: “Não consigo entender tantos melindres sobre o uso de gás. Estou muito a favor do uso de gás venenoso contra as tribos incivilizadas. Isso seria um bom efeito moral e difundiria um terror perdurável”. Uau! E esta, ainda melhor (ou seja, pior): “Eu não admito que se tenha feito mal algum aos peles-vermelhas da América, nem aos negros da Austrália, quando uma raça mais forte, uma raça de melhor qualidade, chegou e ocupou seu lugar”. Racismo britânico, of course! Só no dia 26 de janeiro de 2009, graças a um plebiscito, que aprovou uma nova Constituição, outorgou-se cidadania a todos os índios da Bolívia. Obra “lamentável” do “atrasado” Evo Morales.
Há uma divertida homenagem a um magnata americano: “Em 1937, morreu John D. Rockefeller, dono do mundo, rei do petróleo, fundador da Standard Oil Company. Tinha vivido quase um século. Na autópsia, não foi encontrado nenhum sinal de escrúpulo”. Excelente também é a síntese da visão de mundo de Tintim, personagem mítico de histórias em quadrinhos criado pelo belga Hergé. Na sua famosa viagem ao Congo, Tintim “fuzilou 15 antílopes, escalpelou um macaco para se disfarçar com sua pele, fez um rinoceronte explodir com um cartucho de dinamite e disparou na boca aberta de muitos crocodilos. Tintim dizia que os elefantes falavam francês muito melhor que os negros. Para levar um souvenir, matou um e arrancou suas presas de marfim”. O rei da Espanha adora Tintim.
Instrutivo é o capítulo sobre a “desonra”. Em 1981, Galeano participou de uma reunião do Tribunal Internacional, que tratou, em Estocolmo, da invasão do Afeganistão pela União Soviética. Um alto chefe religioso islâmico, integrante do que os americanos chamavam, então, de “guerreiros da liberdade”, mais tarde rebatizados de terroristas, acusou, no seu depoimento, os invasores de terem cometido o mais hediondo dos crimes:
– Os comunistas desonraram nossas filhas!
Diante da expectativa geral, explicou:
– Ensinaram elas a ler e a escrever!
* Juremir Machado da Silva é jornalista e escritor, autor de História Regional da Infâmia. Este texto foi originalmente publicado em sua coluna no Jornal Correio do Povo do dia 16 de agosto de 2012
Uma biografia de Cristo
Por Juremir Machado da Silva*
Não tem história mais extraordinária que a de Jesus Cristo. Ela está na Bíblia. Mas está também nos livros que buscam resgatar o chamado Jesus histórico. Na Semana Santa, li “Jesus” (L&PM), de Christiane Rancé. Fascinante. Tudo é mistério, enigma, deslumbramento. A começar pela data de nascimento do filho de Deus, que teria acontecido de quatro a seis anos antes daquele que marca o começo consagrado da nossa era. Em tom respeitoso, aparecem todas as dúvidas tradicionais e abordadas por especialistas ao longo dos séculos: Jesus teve irmãos biológicos? Os reis magos renderam homenagem ao menino Deus uma semana, um mês ou cerca dois anos depois do seu nascimento? Como foi a infância de Jesus? José e Maria moravam em Nazaré ou em Belém? Segundo Mateus, eles residiam em Belém e foram para Nazaré depois da fuga ao Egito. Conforme Lucas, eles viviam em Nazaré e só teriam ido a Belém por causa de um recenseamento, o qual, historicamente, só teria acontecido mais tarde.
Um aspecto que sempre desperta curiosidade diz respeito às características físicas de Jesus. Como Ele era? A famosa “Carta de Lêntulo”, considerada falsa, apresenta-o com olhos verdes, cabelos com a “cor de uma avelã amadurecida precocemente” e, a partir das orelhas, “cachos crespos”, um “homem de estatura média e bonito de se ver, com uma expressão digna de veneração”. Outra versão, tentando explicar o fato de Jesus ter permanecido solteiro, o que era incomum entre judeus na época, afirma que ele era muito feio. Rancé explica que essa ideia vinha de uma profecia de Isaías (53, 2-3): “Ele cresceu diante dele como renovo, como raiz em terra árida. Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado pelos homens”. Pode-se dizer, pouco importa, mas Cristo também foi homem de um tempo e todos temos curiosidade sobre essa sua condição humana.
Quem era Maria? Permaneceu virgem para sempre? Três teorias opõem-se: Helvídio afirma que José e Maria tiveram filhos depois de Jesus. Epifânio assegura que os irmãos de Jesus eram fruto do primeiro casamento de José. São Jerônimo sustenta que os “irmãos de Jesus” eram, na verdade, seus primos, filhos de um irmão de José. A mensagem de Jesus transcende esses detalhes biográficos e terrenos. Mesmo assim, os estudiosos embrenham-se no passado em busca de respostas. Uma pergunta recorrente é esta: por que Jesus demorou tanto a começar a pregar? Queria antes experimentar profundamente a condição de homem? Precisou trabalhar para ajudar a sustentar a família depois da morte do pai? João Batista, aquele que o batizou nas águas do Jordão, chegou a reconhecê-lo inequivocamente como Messias? Eles eram mesmo primos?
Como saber? Há perguntas que a gente nem sempre imagina: Jesus sabia escrever? Há, porém, uma certeza: ninguém levou seu verbo mais longe do que Ele. Ler uma biografia daquele que está acima de qualquer biografia é sempre estonteante. Como escrever a história daquele que encarna e transcende a própria História? Um desafio.
* Juremir Machado da Silva é escritor, jornalista, tradutor e professor universitário. Esta crônica foi publicada originalmente em sua coluna diária do Jornal Correio do Povo no dia 15 de abril de 2012.
Testemunha ocular
Por Juremir Machado da Silva*
Flávio Tavares é um jornalista que dispensa apresentações. Está na cena brasileira há mais de 50 anos. Esteve preso no Brasil e no Uruguai. Viveu no exílio. Em 1961, como diz a fórmula consagrada, foi testemunha ocular dos episódios da Legalidade. Mais do que isso, como jornalista de Última Hora, foi protagonista da grande aventura, entrincheirado no Palácio Piratini, ombreando com os heróis do momento. Com base nesse currículo altamente legitimador, Tavares não poderia deixar de apresentar a sua visão do que aconteceu quando o doido do Jânio Quadros renunciou e os reacionários e não menos doidos ministros militares tentaram impedir a posse de Jango, o rico fazendeiro visto como comunista, sendo frustrado pela reação comandada pelo intrépido e desconcertante Leonel Brizola. O relato de Flávio Tavares está em “1961, O Golpe Derrotado – Luzes e Sombras do Movimento da Legalidade” (L&PM), que será lançado hoje à noite em Porto Alegre.
A primeira página do livro de Flávio Tavares já diz tudo com um “efeito credencial”, um altamente legitimador “eu estava lá”, “eu fui parte dos acontecimentos”, “eu vi tudo”, um fac-símile de uma carta enviada pelo autor, no calor da refrega, ao governador Brizola avisando-o da interceptação de uma mensagem de Brasília ordenando (ou sugerindo) a sua prisão em nome da “normalização da ordem pública”. As 231 páginas do livro são uma narrativa minuciosa e sem fissuras dos 13 dias que sacudiram o Brasil, colocaram o Rio Grande do Sul, mais uma vez, na linha de frente das questões nacionais e despertaram o interesse de boa parte do mundo por mais uma tentativa de golpe militar ao Sul do Equador. O golpe em si seguia os padrões tradicionais. A resistência é que se mostrou diferente. Flávio Tavares põe essa diferença em destaque.
Disposto a jogar luz em cima das sombras que encobrem a Legalidade, Flávio dá detalhes de acontecimentos que testemunhou. Por exemplo, dois encontros de Brizola com Che Guevara, em Montevidéu, poucos dias antes da crise brasileira. Essas conversas teriam influenciado Brizola, que teria ficado impressionado com o charme, o carisma e a aura romântica do guerrilheiro argentino convertido em alto mandatário cubano. Depois de churrasquear com Che e vê-lo desafiar publicamente os Estados Unidos no discurso na reunião para a oficialização da Aliança para o Progresso, em Punta del Este, o destemido e idealista Leonel não poderia deixar por menos no seu terreiro de atuação.
O livro começa com uma curiosa descrição de uma situação entre Flávio e um soldado da Brigada Militar dentro do Palácio Piratini. Flávio mostra sua voz de comando: “Um martelo e uma escada comprida, que chegue ao teto. Mas rápido”. O soldado obedece. Flávio sobe, quebra três vitrais na janela oval e abre espaço para instalar uma metralhadora. Guerra é guerra. A grande batalha, como em 1930, não aconteceria. O golpe seria adiado para 1964. O “soldado” Flávio apresentou suas armas naquele dia. Ficaria em guerra por muitos anos. Talvez ainda continue.
*Este texto foi publicado originalmente na coluna de Juremir Machado da Silva no jornal Correio do Povo, na edição de 7 de março de 2012.
Autógrafos do livro 1961: o golpe derrotado
Em Porto Alegre:
HOJE, 7 de março, às 19h, na Saraiva Megastore do Shopping Praia de Belas
No Rio de Janeiro:
20 de março, às 19h, na Livraria Argumento
Autor de hoje: Anton Tchékhov
Tanganrov, Rússia, 1860 – † Badenweiler, Alemanha, 1904
Descendente de servos da gleba e filho de um pequeno comerciante, formou-se médico pela Universidade de Moscou. Trabalhou duramente para pagar seus estudos e sustentar a família, exercendo a medicina numa clínica rural. Depois de alguns anos, dedicou-se apenas à literatura, publicando contos e revistas. A contenção necessária do conto, numa época em que o governo russo exercia rigorosa censura sobre a intelectualidade, fez dele o criador de textos intensos e concisos. Mestre do gênero, sua visão de mundo é ética e democrática, voltada para o combate das injustiças e para a sátira contra a sociedade. Apontado pela crítica como o criador do conto sem enredo ou de atmosfefra, sua obra veicula simpatia e compaixão entre os homens, sendo considerado o intérprete dos intelectuais, das mulheres e das crianças. Dramaturgo, romancisa e contista, seus textos influenciaram toda a literatura ocidental.
Obas principais: A estepe, 1888; Enfermaria n˚ 6, 1892; Tio Vânia, 1898; A dama do cachorrinho, 1898
ANTON TCHÉKHOV por Juremir Machado da Silva
Neto de servo, filho de pequeno comerciante, o adolescente Anton Tchékhov foi arrancado de sua cidade natal, Tanganrog, situada à beira do mar de Azov, pela falência do pai. Descobriu, então, as ruas de Moscou e a “escola da vida”. Graças a esse aprendizado diário do cotidiano, complementado pelo curso de medicina, ele se tornaria um extraordinário observador e narrador da vida comum. Não lhe interessavam os grandes heróis nem os sábios exemplares, mas sim os homens médios, a gente de todo dia, a existência menor que constituiu o social como um todo. De certo modo, Tchékhov, mestre da pecisão e da narrativa concisa, sempre quis entender as engrenagens do vivido a partir de sua essência: o banal.
Como se fosse um cientista examinando fenômenos bem delimitados, tratou de individualizar os casos abordados pelo seu olhar de escritor e de mostrar o existente com base em dados e elementos concretos em lugar de refletir sobre abstrações ou generalidades. Essa maneira de ver o mundo e de construir os seus personagens aparece nas suas novelas ou no seu teatro. Habituado a escrever histórias muito curtas para jornais e revistas, ele sempre soube ir direto ao ponto, mesclando detalhes com uma percepção aguda e, através do humor, revelando o absurdo das situações descritas. Escreveu mais de seiscentos textos em quarenta anos de vida.
Nunca mudou seu método. Quem descobre Tio Vânia, Três irmãs (1901), O jardim das cerejeiras (1904), ou qualquer uma das suas histórias célebres ou menos conhecidas, defronta-se com uma mistura de cômico, patético e trágico. Em resumo, acompanha a transfiguação do banal pelos incidentes do cotidiano. Em “Angústia”, história muito breve, que pode ser lida na edição basileira de O homem no estojo (1889), toda a arte de Tchekhov emerge: num anoitecer gelado, sob a neve, o cocheiro Iona tenta falar com alguém sobre a morte do filho. Ninguém quer ouvi-lo. Ao final de uma jornada de trabalho infrutífera, no mais fundo da sua solidão, ele encontra, enfim, quem lhe dê ouvidos: sua égua. Uma última frase econômica resume um mundo em desespero: “Iona se deixa arrebatar e conta-lhe tudo.”
* Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. A partir de hoje, todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Pra melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.
Um passeio pelos lançamentos da Feira do Livro de Porto Alegre
Esta semana foi corrida. Escritores da L&PM tiveram suas sessões de autógrafos e eventos relacionados na Feira do Livro de Porto Alegre 2010. Fomos até lá para registrar estes momentos para os leitores do nosso blog.
As fotos são de Carol Marquis e Clara Taitelbaum.
L&PM em tempo real #3 – Juremir na WebTV
No segundo semestre, Juremir Machado da Silva reestreia na L&PM com História Regional da Infâmia – em 1993 ele publicou pela editora uma série de entrevistas chamada O pensamento do fim do século. Hoje ele fez sua estreia (estreia mesmo, primeira vez) na L&PM WebTV. No Palavra de Escritor mais longo que fizemos até agora, Juremir contou que vendeu melancias para conseguir sair de Santana do Livramento e que na época das vacas magras chegou a ser reprovado num teste para balconista de farmácia. Relembrou também a cobertura da morte de Ayrton Senna (já que na época era correspondente do jornal Zero Hora em Paris) e uma entrevista com Levi-Strauss que nunca foi publicada.
Já a partir da próxima semana a L&PM WebTV passa a veicular o programa Livro Aberto, apresentado por Juremir na TV Universitária de Porto Alegre. O Palavra de Escritor deve ir ao ar ainda em abril.