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Woody Allen lê Machado de Assis

Em entrevista ao jornal britânico The Guardian, Woody Allen listou seus livros favoritos, que vão de J.D. Salinger a… Machado de Assis! Tamanha foi a nossa surpresa quando vimos o livro Memórias póstumas de Brás Cubas entre os preferidos do aclamado diretor de cinema, cujo próximo filme vai abrir o Festival de Cannes.

A qualidade da obra de Machado de Assis é indiscutível e elogios não são mais surpresa para ninguém. O surpreendente, na verdade, foi a forma como o livro do escritor carioca do século 19 chegou até Woody Allen: “Eu recebi pelo correio um dia. Algum estranho do Brasil me mandou e escreveu ‘você vai gostar disso’. Como é um livro fino, eu li. Se fosse grosso, eu teria descartado”, disse.

O diretor de Midnight in Paris não poupou elogios: “Fiquei chocado ao ver como é encantador. Não conseguia acreditar que ele viveu há tanto tempo, como ele viveu. Você pensaria que foi escrito ontem”. E o espanto não é pra menos: Memórias póstumas de Brás Cubas foi publicado originalmente em 1880.

No Brasil, Woody Allen está em casa – a mesma casa de Machado de Assis. Na Coleção L&PM Pocket, você encontra Adultérios, Cuca fundida, Que loucura! e Sem plumas.

O Rio de Janeiro de Machado continua lindo…

O Rio de Janeiro de Machado de Assis era um Rio de Janeiro de laudes, horas canônicas e vestidos de musselina. Um Rio de Janeiro de modinhas, passeios públicos, patacões e contos de réis. O Rio de Janeiro de Machado de Assis era um Rio de Janeiro embalado nas melodias dos cabriolés, paquetes, cupês e faetons.  

Para quem não conseguiu entender 100 por cento do palavreado antiquado (mas na nossa opinião carregado de lirismo), basta dar uma folheada nas primeiras páginas de Casa velha, livro de Machado de Assis que acaba de chegar à Coleção L&PM POCKET. Assim como em Dom Casmurro, Quincas Borba, Memórias Póstumas de Brás Cubas, Esaú e Jacó, Helena, A mão e a luva e Memorial de Aires, a edição de Casa Velha da L&PM vem acompanhada de um panorama da vida cotidiana do Rio de Janeiro machadiano e de um glossário das palavras e expressões usadas na época. E o diferencial não para por aí. O escritor, doutor em literatura e especialista em Machado, Luis Augusto Fischer, incluiu ainda nestes livros uma biografia do autor e uma completa cronologia. 

Casa velha nasceu como um conjunto de 25 episódios publicados entre 1885 e 1886 na revista carioca A Estação e conta a polêmica história de um amor incestuoso a partir das lembranças de um padre que faz um balanço das perdas e ganhos dessa paixão. 

Machado de Assis, de cartola, em uma das ruas do centro do Rio de Janeiro

 

Shakespeare em Machado de Assis

Por Luís Augusto Fischer*

Não há ficcionista brasileiro que tenha lido e aproveitado mais a Shakespeare do que Machado de Assis; e não há autor que mais tenha influenciado o brasileiro do que o gênio inglês. Desde a juventude, nosso maior escritor frequentou as páginas teatrais e poéticas do autor do Ham­let, e isso numa época em que o prestígio cultural da língua inglesa no Brasil era pequeno, muito menor do que o do francês. Machado sabia que ali, e não em seus estimados franceses Voltaire, Pascal e Victor Hugo, estava a chave para os maiores segredos da psicologia humana, que sua literatura iria explorar com profundidade inédita em português.

Machado traduziu, parafraseou e citou Shakespeare desde sua juventude. A partir de 1870 essa relação se intensificou, em parte pelo amadurecimento do próprio autor brasileiro (nascido em 1839), em outra parte pela chance que teve de assistir a um conjunto expressivo de interpretações de peças shakesperianas feitas por uma companhia italiana de passagem pelo Brasil; foi a primeira vez que Machado (e talvez todo o país) pôde ver como era uma ótima montagem europeia do grande autor inglês, e registrou suas impressões em crônica da época.

Mas as maiores provas da importância do bardo inglês na obra do brasileiro acontecem em seu apogeu. A primeira vez que saíram publicadas as Memórias Póstumas de Brás Cubas, em folhetim, lá estava uma epígrafe shakesperiana, de As You Like It, em tradução do autor: “Não é meu intento criticar nenhum fôlego vivo, mas a mim somente, em quem descubro muitos senões”. Seu primeiro grande romance, assim, vem precedido de Shakespeare, que funciona aqui como um parachoque autocrítico.

Depois o mesmo dramaturgo apareceu em muitos contos memoráveis (como A Cartomante) e em crônicas, até ganhar sua maior homenagem em terras brasileiras, nada menos que o nervo psicológico do mais importante romance machadiano, Dom Casmurro. Ocorre que Bentinho reencarna o ciumento Otelo – esta peça foi citada 28 vezes por Machado, em narrativas, peças e artigos –, vivendo o sentimento em seu cotidiano e medindo Capitu com Desdêmona, aquela culpada, esta inocente.

Machado sabia que, para ser grande, era preciso conhecer os maiores; Shakespeare foi a melhor referência que nosso grande autor poderia ter escolhido.

*A crônica acima foi originalmente publicada na pg. 6 do Segundo Caderno do Jornal Zero Hora  (link exclusivo para cadastrados) em 4 de janeiro de 2011. 

Pequeno momento nostálgico

Era um pequeno pedaço de papel estampado, geralmente quadrado ou retangular, com picotes em todos os seus vértices. Pássavamos cola em seu verso – outras vezes, num ato de paixão, era a língua que, como um pincel, liberava sua goma – e assim o colávamos nos envelopes e cartões postais. Cuidadosamente desenhado, com figuras variadas, o minúsculo papel tinha diferentes valores. Cada desenho ou cor continha em si uma espécie de tributo. Impossível atravessar uma fronteira sem ele. Muitos eram os colecionadores. Os caçadores de raridades. Os que iam em busca de carimbos distantes. Hoje, os selos continuam sendo impressos, mas se distanciam cada vez mais das palavras. Uma pena… (Paula Taitelbaum) 

Separamos alguns selos com estampas de escritores. Quem sabe você não se empolga e começa uma nova coleção? Aqui estão Edgar Allan Poe, Tolstói, Dostoiévski, Machado de Assis, Alexandre Dumas, Shakespeare, Rimbaud, Balzac, Kafka, Émile Zola, Allen Ginsberg, Jack London, Kerouak, Stefan Sweig, Tennessee Williams, Sir Arthur Conan Doyle e Agatha Christie.

Das necessárias reuniões

* Por Tiago Maino Pinheiro

García Márquez, o Gabo, já pairava ali, ele e alguns outros mais; parecia recordar seus anos de solidão. Dostoiévski, que entre amigos atendia pela alcunha de Dodô, também adentrava sala. Reunião costumeira, cada dia em lugar diverso, reunia célebres de todos os cantos.  Tal qual Machado, o Assis, que chegou logo depois, alegando hora perdida porque mais uma feita o interpelaram pela rua no intento de explicações sobre uma dissimulada Capitu. Hemingway aportou logo em seguida, desculpando atraso fruto dum velho do mar, ou algo do gênero, que o parara a fim de contar algumas aventuras de pescador, histórias sobre certo peixe lutador.
Scliar deu ares em seguida, disse que vinha de outros lados, duma festa de castelo, a qual Eurípedes, que logo também viria ao encontro, bem podia abastecer com vinhos e tudo o mais; pois conhecia, parece, quem plenamente entendia de festeiro e embriagante assunto. Mais tarde, à entrada, junto aos Veríssimos, os quais havia encontrado pelo caminho, e já sabatinando todo mundo sobre qual era a questão, apresentou-se o garboso e eloquente Shakespeare. Dos lusitanos ares, Saramago, quase que ensaiando uma cegueira, tateou porta logo depois.
Já à mesa, Orwell infinitamente explanava sobre seu grande irmão; que espiava ali, olhava acolá, curioso de dar dó. Falando em grande, Fitzgerald mostrava-se saudoso pelo velho amigo Gatsby. Em frente, Huxley, que achou melhor ponderar sobre o vindouro, proferia sobre um admirável e novo mundo, coisa assim. Já Kafka, que se entretia com uma barata que passeava sob a mesa, bem parecia, em verdade, ter quase indecifráveis lembranças. O bichinho logo alumiou também Orwell, que de imediato trocou o assunto do irmão para o de uma fazenda que tinha bichos falantes e revolucionários; fato que despertou ainda a memória de Lewis Carroll, que logo relatou duma menina que falava com coelhos e coisas mais. Drummond, em cadeira de balanço, só observava. À porta, relatando a odisseia que passara para chegar ali, Homero também dava as caras.
Como se de caravana tivessem vindo, em discussões fartamente animadas, outros tantos de repente também adentraram local; vinham ali Clarice, Millôr, Chico, Rachel, Nelson, Vinícius, João do Rio, Alencar, Quintana, Ubaldo, Lygia, Prata. Gente boa que não findava mais. Quanto mais as figuras se aproximavam, maior vontade surgia de se chamar mais e mais convivas para aquela festa de sublimes inventores; encontro de perenes contadores da vida, os quais, sem pestanejar, faziam boa questão de abertamente deixar suas histórias contagiarem o mundo.  Júbilo inebriante. Tal reunião era sempre benquista, tanto que, já de conhecida ciência, sucedia sempre em lugares diferentes; lugares que, aliás, de forma bastante frequente, também atendiam, ou melhor, se entendiam como afortunadas e bem variadas mentes.

* Tiago Maino Pinheiro é pós-graduando em Jornalismo Digital e graduado em Letras. É autor do blog www.dascronicas.blogspot.com