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Digressões de uma amante de livrarias físicas ou Uma nova forma de vender livros

Por Caroline Chang*

Começou mal a minha última viagem a San Francisco, uns dez dias atrás: nosso hotel ficava perto da Union Square e, a fim de reconhecer o terreno, para lá nos tocamos. Grandes butiques de marcas caras espalhadas ao redor da praça e, numa das esquinas, uma grande loja da Borders, em cujas vitrines faixas e cartazes anunciavam: “Closing sale”, “Everything must go”. A gigantesca rede de livrarias americanas, que já teve 1.329 estabelecimentos no país, há algumas semanas pediu falência e mesmo antes disso já vinha fechando filiais. Eu e meu marido, que trabalhou décadas no mercado editorial e teve sua própria editora, resolvemos entrar e pagar nossos respeitosos tributos à moribunda livraria. Por “everything” era isso mesmo o que eles queriam dizer: até mesmo apetrechos de cozinha outrora usados na cafeteria estavam à venda (pratos, canecas, medidores, etc). O desconto para alguns livros chegava a 60% sobre o preço normal. Um sentimento meio irracional tomou conta de mim e saí à cata de algum título que me interessasse, como que a transmitir meus pêsames ao familiar enlutado de alguém há pouco falecido. Percorri duas, três vezes as prateleiras de ficção, e a verdade é que havia muito pouca coisa sendo oferecida. Alguns livros do Dickens (que eu já tinha) e Jane Austen (idem) misturados com mancheias de romances comerciais de gosto duvidoso. Quando me dei conta de que o setor de FICÇÃO não contava sequer com uma subdivisão do tipo “Literatura de língua inglesa” e “Literatura estrangeira”, me ocorreu: talvez aquela livraria merecesse fechar, mesmo.

Para não dizer que não comprei nada, adquiri uma edição de bolso de Winesburg, Ohio, do Sherwood Anderson, por US$ 3,57.

A Border e suas ofertas / Foto: Sérgio Ludke

Dois ou três dias depois estávamos nós em North Beach, que vem a ser o bairro de imigração italiana de Frisco cujo ponto alto, para mim, foi a City Lights, livraria e sede da editora de mesmo nome de Lawrence Ferlinghetti (empresário, poeta e remanescente da geração beat que há pouco completou 92 anos e mora em cima do estabelecimento – que não tem filiais). Foi lá que Ginsberg fez a leitura do seu poema “Uivo”, publicado em 1956 pela City Lights no volume Howl and Other Poems (cuja edição brasileira, em tradução do Cláudio Willer, a L&PM Editores tem a honra de publicar). Eu achava que conhecia a City Lights da outra vez em que estivera na cidade, mas me enganara: eu jamais teria esquecido se tivesse ido àquela livraria.

Os cartazes escritos à mão são outro diferencial da City Lights / Foto: Caroline Chang

O lugar, por si só, já é fascinante e aconchegante: três andares de corredores estreitos, pé-direito alto e simpáticos cartazes humanistas ao estilo contra-tudo-isso-que-está-aí, como “People are not corporations”. Mas a cereja no sundae é a seleção de livros. Havia uma subdivisão de literatura européia! E parecia que de fato alguém havia… lido os livros e os estava recomendando para nós, leitores! Nada de rebotalho, apenas ótimos nomes e livros de autores desconhecidos porém provocadores. Num espaço várias vezes menor do que qualquer livraria de rede americana, Seu Ferlinghetti e equipe conseguem oferecer uma quantidade muitas vezes maior de boas e instigantes opções de leitura. Na City Lights, é claro, o exercício foi o contrário: tive que me segurar para não sair de lá com duas sacolas cheias. Comprei só dois livros: Merchants of Culture: The Publishing Business in the Twenty-First Century, de John B. Thompson (Polity Press, 2010) e The New York Stories of Henry James, com seleção e introdução de Colm Tóibín. E um bumper sticker da City Lights, pois já estou na idade em que a pessoa se torna carente de heróis.

Tudo convida à leitura na City Lights / Foto: Caroline Chang

Breve, a L&PM começará a vender seus e-books (e-Pub) por meio da Distribuidora de Livros Digitais. E-books de títulos clássicos e contemporâneos, como romances da Agatha Christie, Jack Kerouac e livros de crônicas da Martha Medeiros serão oferecidos ao leitor primeiramente no site das livrarias Saraiva, posteriormente em sites de outras lojas.

É só um primeiro passo, claro, que apenas pode ser dado após muitos meses de trabalho. Será que no futuro difuso as livrarias “em papel” vão acabar? Espero que não, pois sou do tipo que gosta de sobrecarregar sua mala com brochuras. Mas sei que o que eu, individualmente, gosto ou deixo de gostar não vai ter peso no desenrolar das coisas, no grande esquema da história. Ecoando o Hobsbawm, serão tempos interessantes para os leitores. Que venham.

PS – Enquanto o difuso futuro ainda não tomou inteiramente parte do presente, aproveitemos as nossas boas livrarias. Blog imperdível para quem gosta de conhecer os melhores estabelecimentos do tipo em todo o mundo: http://www.bookstoreguide.org/

PS2 – A quem interessar possa, a L&PM Editores também tem a honra de publicar Um parque de diversões da cabeça, do Ferlinghetti (long live!), em tradução de Eduardo Bueno e Leonardo Fróes.

*Jornalista e Editora da L&PM 

12. Vítimas do Plano Cruzado

Por Ivan Pinheiro Machado*

O Eduardo “Peninha” Bueno, cujo post anterior eu tracei um rápido perfil, me acompanhou várias vezes à Feira Internacional do Livro de Frankfurt. Como eu já disse, vivenciamos dezenas de histórias hilárias pelo mundo afora. Claro que houve algumas meio desagradáveis, mas nenhuma tão sinistra como esta que eu vou contar.

Era o auge do Plano Cruzado em 1985. O “cruzado” era a moeda da vez e os preços estavam congelados. Nossa moeda era fortíssima e todo o Brasil viajava. Você andava pela rua em Paris, Nova York, Roma e só se ouvia português… Os aeroportos estavam apinhados de brasileiros excitados. Enfim, tudo um pouco parecido com o que acontece hoje em dia. Trabalhamos duro em Frankfurt, passamos uns dias em Paris e fomos para Madrid onde pegaríamos o vôo de volta via Ibéria. Havia uma verdadeira multidão (80% eram brasileiros) em frente aos balcões da Ibéria. Mostramos nossa passagem para a atendente, ela olhou no “sistema” e lascou: “vocês não estão no vôo”. E mais não disse. Ou melhor, nem nos olhou, mandou passar o próximo e nós ficamos gritando em vão no meio de uma multidão totalmente indiferente. Começava aí um drama que duraria 50 horas. Ou seja, ficamos mais de dois dias feito zumbis, nos arrastando pelo famigerado aeroporto de Barajas tentando falar com alguém que nos desse atenção. Quando estávamos já praticamente desesperados, definitivamente invisíveis, Deus, na sua infinita bondade nos mandou um anjo salvador; era de Minas Gerais e trabalhava para a legendária Stella Barros Turismo. Penalizada pelo nosso miserável estado de decomposição depois de 50 horas perambulando pelo aeroporto, dormindo nos bancos de madeira, ela milagrosamente conseguiu nos colocar num vôo da Aerolineas Argentinas para Buenos Aires, com escala em Nova York para troca de aeronave. Só que não tínhamos visto para entrar nos EUA. Portanto, quando descemos do avião em NY, fomos levados escoltados diretamente para a emigração e colocados numa espécie de cela guarnecida por um daqueles rapazes afro-americanos, tipo um negrão de 2 metros de altura. Um gentil policial que nos disse com um sorriso sádico: “esperamos que o pessoal da Aerolineas Argentinas venha buscá-los, se não…”. Ficou aquela ameaça no ar. A temperatura era de 2 graus em Nova York. O Peninha e eu estávamos em mangas de camisa, pois ainda fazia calor em Madrid.  O detalhe é que, por coincidência, a sala dos quase-deportados, era o único lugar do aeroporto que não tinha calefação. Passaram-se 10 minutos, meia hora, 1 hora e quando começou a bater o desespero, eis que, como uma visão do paraíso, surgiu uma lourinha de olhos azuis, sorridente, que dirigiu-se a nós numa maravilhoso sotaque portenho: “Vamos?”. E lá fomos nós com as ilusões no ser humano restauradas até beijar o solo abençoado do aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre depois de quatro dias com a mesma roupa, sem banho, sem cama e sem fazer a barba.

Ivan Pinheiro Machado, Mirian Goldfader, Eduardo Bueno e Lais Pinheiro Machado, Paris, 1985 – Foto tirada pouco antes do embarque para Madrid

O Plano Cruzado foi a primeira grande euforia econômica dos brasileiros. Um congelamento artificial paralisou os preços e a economia, depois de uma inflação beirando os aterrorizantes 40% ao mês. Com os preços congelados e o dólar quase um por um, todos viajavam e compravam muito. Mas a alegria durou pouco. Demagógico, improvisado, “a farra” do Plano Cruzado logo começou a fazer água. Desabastecimento, mercado negro, especulação, em pouco tempo tudo voltou a ser como era antes. O monstro inflacionário atacou novamente! Velho Sarney! O périplo de horrores econômicos que vivemos a partir do fracasso do “Plano Cruzado” acabou levando à presidência da república o famoso Fernando Collor de Mello. E esta história todos conhecem; confisco da poupança, corrupção… A curiosidade, que de certa forma é uma fábula deste país, é que, passados mais de 20 anos, Sarney e Collor – um responsável pelo maior índice de inflação da história do Brasil e o outro condenado no processo de impeachment  –  atualmente são senadores, apoiaram Lula apaixonadamente e circulam pelos corredores do congresso como se nada tivesse acontecido.

 
 

11. O brinco do Peninha

Por Ivan Pinheiro Machado*

Eduardo Bueno, dito Peninha, é um astro da cultura pop brasileira. Seu livro “A viagem do descobrimento” (Ed. Objetiva) foi um mega bestseller, assim como “Brasil: terra à vista” (L&PM) e muito outros. Peninha foi o inventor do vitorioso gênero “história para todos”. A partir do seu livro sobre o descobrimento do Brasil, os leitores brasileiros passaram a ler a história com outro sabor. E mais que isso. Literalmente, descobriram o Brasil. Tanto é verdade que a fórmula foi imediatamente incorporada ao mercado editorial brasileiro. Hoje, os livros sobre personagens, fatos e datas brasileiras frequentam com naturalidade as listas dos mais vendidos. Peninha, além de jornalista, escritor e historiador, é um grande especialista em Bob Dylan, Grêmio Futebol Portoalegrense e literatura beat, entre outros gêneros que agora não me ocorrem. Estou dizendo tudo isso porque Eduardo Bueno trabalhou aqui na L&PM entre 1984 e 1988. Delirante, engraçado e, digamos, exagerado, Peninha é, além de um intelectual respeitado, uma figura inesquecível. Tem quase 1,90 de altura e, para dizer o mínimo, se caracteriza pela irreverência. Quando ele chegou na editora era um jovem repórter esportivo desencantado com a imprensa e ostentava como grande realização intelectual a tradução de “On the Road” de Jack Kerouac, publicado na época pela editora Brasiliense e, desde 2002, por esta editora. Peninha deixou sua marca na L&PM. Nós já publicávamos Bukowski e, por inspiração dele, criamos duas coleções que até hoje são emblemáticas do nosso trabalho, uma de história, com fontes primárias, como Os Diários de Cristovão Colombo, Pigafetta, Cabeza de Vaca e a famosa coleção “Alma beat”. O resultado deste trabalho é que, até hoje, a L&PM transita nesta faixa de “transgressão”, sendo a editora de todos os Kerouac, Bukowski, Allen Ginsberg, Lawrence Ferlinghetti, Gary Snyder, Neal Cassidy e, modernamente, Hunter Thompson. Lá nos primórdios da editora – a era pré-Peninha ­–, já estabelecíamos esta vocação com a coleção “Rebeldes e malditos” que publicou (e também são publicados até hoje) Rimbaud, Baudelaire, Arthaud, Alfred Jarry, Van Gogh, Téophile Gautier, Appolinaire, De Quincey, entre outros. Em 1988, Peninha saiu da L&PM e foi para o mundo. Publicou dezenas de livros importantíssimos e está entre os principais escritores brasileiros. Mesmo sem um contato profissional mais intenso posso dizer que sou seu amigo e, até hoje, afirmo que os quatro anos em que ele trabalhou aqui tiveram, como dizia o rei Roberto Carlos, “muitas emoções”. Andamos várias vezes pelo mundo, representando a L&PM nas Feiras de Frankfurt, Paris, Londres, Buenos Aires. E foi numa dessas viagens que aconteceu uma das tantas e hilárias aventuras que vivemos juntos. Essa que agora conto aqui.

Foi na primeira vez que ele me acompanhou na sóbria Feira Internacional do Livro de Frankfurt. Lá, sempre se trabalhou de terno e gravata. Até hoje. Na quarta-feira de manhã cedo, eu estava pronto para enfrentar os quilométricos corredores da Buchmesse. Lembro que o primeiro encontro era estratégico, pois seria com um agente inglês, super-formal que tinha livros muito importantes e pela primeira vez recebia a L&PM em Frankfurt. Estávamos no Hotel Ramada e, perto das 9h, impecável num terno escuro e gravata, bati na porta do quarto do Peninha. Quando ele surgiu, o quadro era o seguinte: vestia uma camisa de cetim roxa, sem paletó e um brinco com um pingente. Fiquei em pânico, imaginando a cara do inglês que encontraríamos dali a meia hora… Falando mansamente, argumentei e pedi que ele colocasse uma camisa branca e um blazer. Dei uma explicação rápida sobre o formalismo da feira, etc. Ele me viu todo engravatado e, com relutância, cedeu. Vestiu uma camisa e o blazer. Sem gravata, é claro, mas mesmo assim, já era um grande lucro. Aí eu olhei pro brinco e disse: “Peninha, bacana o seu brinco, deixa eu dar uma olhada”. Ele docilmente me deu o brinco. Eu olhei, vi que era uma simples bijuteria, fui até o banheiro, joguei no vaso e puxei a descarga. Não preciso descrever a cara do Peninha… Sei que eu não faria isto atualmente, mas no fim das contas, a verdade é que temos negócios com o sisudo inglês até hoje… e, o que é mais importante, uma boa história pra contar.

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10. Bukowski levanta o tapete e mostra a sujeira

Por Ivan Pinheiro Machado*

Charles Bukowski é publicado pela L&PM há quase três décadas. É por isso que o velho safado é super-identificado com a editora que publicou até agora quinze livros seus, incluindo “Delírios Cotidianos”, a bela adaptação de seus contos para HQ feita pelo desenhista alemão Mathias Schultheiss. Nesse ano de 2011, vamos publicar finalmente os seus primeiros romances, “Cartas na rua” e o incensado “Mulheres”. Aí teremos em nosso catálogo todos os seus romances, os principais livros de contos, alguns de suas melhores obras de poemas e o antológico “diário” publicado postumamente: “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”. Bukowski conquistou a admiração dos jovens de várias gerações; daqueles que são jovens há muito tempo e daqueles que são jovens recentemente. Esta permanência no coração dos leitores se deve a uma obra descarnada, sobre a qual paira a irresistível aura de transgressão. Há malucos que se tornam santos com o passar do tempo como Van Gogh, Rimbaud, Baudelaire, Artaud, Thoureau, Kerouac, Bukowski, entre dezenas de outros. E esta maravilhosa capacidade da juventude de cultuar aqueles que descarrilham dos trilhos do sistema transforma artistas marginalizados em clássicos. Desde que morreu, em 1994, a obra de Heinrich Karl Bukowski, dito Charles Bukowski, tem corrido o mundo. O bêbado inconveniente capaz de performances desastrosas, completamente embriagado em frente às câmeras da TV, passou a ser respeitado.

O lado sombrio do sonho americano

Nasceu na Alemanha e criou-se nos EUA, filho de um militar de origem alemã que lhe aplicava surras terríveis. Sua prosa e seus poemas “cortam como aço de navalha” e sua obra sistematicamente é o contraponto brutal ao “american way of life”. Foi 1982 que ouvimos falar de Charles Bukowski aqui na L&PM. Curiosamente, ele começava a fazer sucesso na Itália e a agente literária Ana Maria Santeiro, que representava a agência Carmen Balcells no Brasil, me passou um exemplar do livro “Erections, ejaculations, exhibitions and general tales of ordinary madness”. Fiquei perplexo com o título e fascinado com a violência dos contos. Na mesma época, o cineasta italiano Marco Ferreri fez um filme baseado no livro que chamava-se “Crônica de um amor louco”(em italiano “Storie di Ordinaria Folia”), com Ben Gazzara e a maravilhosa Ornella Muti que fazia o papel da “mulher mais linda da cidade”, um dos contos do livro. Rapidamente, a fama do filme espalhou-se e ele virou um verdadeiro “cult” da contra-cultura. Nós compramos os direitos do livro para o Brasil e o publicamos em dois volumes; o primeiro com o título do filme “Crônica de um amor louco” e no segundo adaptamos o título original para “Fabulário geral do delírio cotidiano”. Até hoje publicamos estes livros, agora na Coleção Pocket.

Em 1986, eu estava na Feira Internacional de Frankfurt com o dublê de jornalista e historiador Eduardo Bueno (que na época trabalhava na L&PM) quando conhecemos John Martin, o dono da legendária Black Sparrow, que publicou todos livros do velho Buk, com exceção de “Erections, ejaculations…” que saiu pela editora e livraria City Lights de San Francisco, pertencente até hoje ao poeta beat Lawrence Ferlinghetti. Martin era um grande editor. Foi ele que percebeu o talento de Bukowski e estimulou-o a largar o emprego nos correios e dedicar-se a literatura. Hoje, quase todos os seus livros estão na Coleção L&PM POCKET e o baixo preço é um apelo a mais para que os jovens o leiam. Bukowski não perdoa, não alivia. É sempre violento, irreverente, não tem nenhuma ilusão. É bom que os jovens o leiam. Ele é uma alternativa ao mundo idealizado que virou moda depois da vitória final da civilização do dinheiro e da globalização. Bukowski escancara o lado sombrio da nossa sociedade. Ele levanta o tapete e mostra a sujeira. É a voz dos desvalidos, dos perdedores, dos desempregados, dos doentes, dos falidos, dos feios, das putas, dos bêbados. Não tem nenhum charme, mas a violência que jorra das suas páginas é tão verdadeira que não tem como ficar indiferente.

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Adiós, Piva

Ivan Pinheiro Machado

Em 1984,o Eduardo Bueno, vulgo Peninha, veio trabalhar na L&PM. Naquela época, ele era mais ou menos o que é hoje, só que sem a fortuna que acumulou nestes últimos anos, graças ao seu talento e sua incrível capacidade de trabalho (não é ironia). Era o tradutor do On the road, de Jack Kerouac, e trouxe para a L&PM a cultura beat. Nós, na época, editávamos uma coleção anarquista e já publicávamos Bukowski. Foi atraído por este clima transgressor que Peninha foi parar lá na rua Nova York, 306, sede da L&PM. Fizemos coisas maravilhosas com pouquíssimo dinheiro e muitas ideias. No começo dos anos 80, conhecemos Claudio Willer (autor da antológica tradução de Uivo de Allen Ginsberg) que nos apresentou o poeta Roberto Piva, um estranho maluco genial, cultuado nas rodas radicais de São Paulo.  Nesta época mesmo, criamos uma coleção chamada “Olho da Rua”, com projeto gráfico do grande pintor Caulos. Publicamos Reinaldo de Moraes, Pepe Escobar, Jorge Mautner, Antonio Bivar, Sergio Faraco, os beats Gregory Corso, Allen Ginsberg, Neal Cassady, Carl Solomon, Lawrence Ferlinghetti. Lançamos também no Brasil Sam Shepard, Isadora Duncan e o clássico Luna Caliente de Mempo Giardinelli. A coleção tinha grande prestígio nos meios alternativos e Roberto Piva submeteu, para nosso exame, a sua Antologia Poética que então saiu nesta coleção com capa desenhada por mim. Ele adorava a capa, porque era a representação de uma montanha de lixo com um latinha de Coca-Cola que – segundo ele – ordenava a desordem… Na verdade, encontramos poucas vezes Roberto Piva, pois ele era paulista e nossa sede era –  e é –  em Porto Alegre.

Pois o Piva morreu sábado, dia 3 de julho, aos 72 anos. Ele era a representação física dos seus poemas. Trepidante, delirante e brilhante. Encerro com um trecho da apresentação da nossa edição de 1985 de Antologia Poética escrita pelo Peninha: “A vida de Piva – poética, maldita, conturbada – fornece o material bruto que ele lapida e transpõe para seus poemas. (…) Ele é o mais indômito, o mais rebelde e um dos mais inspirados poetas brasileiros das últimas décadas”.

Frio, sol e chuva na pacata Paris

Apesar da descrença do dublê de crítico literário e historiador Eduardo Bueno, com quem já compartilhei infortúnios nessa mesma terra de Espanha, tudo é verdade, como diria Orson Welles. Já que agora estamos todos bem e em Paris eu digo como aquele radialista de Arapongas, no Paraná: “Eduardo, bem esta você aí em segurança na esquina da Dona Laura com a Mariante, mal estou eu aqui”…

As ruas úmidas e ensolaradas da capital francesa / Fotos: Ivan Pinheiro Machado

As ruas úmidas e ensolaradas da capital francesa / Fotos: Ivan Pinheiro Machado

Paris começou a primavera alternando fortes pancadas de chuva com sol. As mesas dos cafés estão desertas na rua, lembrando as tardes do inverno que terminou, pelo menos no calendário. O Salão do livro que começa amanhã já é assunto. Na grande banca de revistas em frente ao meu hotel no Boulevard Saint Germain, ao comprar um jornal ou revista, você recebe uma publicação de 32 páginas com toda a programação do Salão.
Me abasteci de revistas e jornais, inclusive a incensada novidade entre as publicações culturais, a “Books”, e fui matar a fome com uma cerveja e um sanduíche de queijo gruyère, a exemplo do inspetor Maigret, que trabalha aqui pertinho. Depois fui à legendária livraria La Hune, onde pude constatar a enorme quantidade de títulos lançados nesse início de primavera. Coisas muito boas. Já estou inclusive fazendo uma lista com sugestões para o Lima publicar. Até amanhã e um beijo no Peninha.

N.E.: Aos que não entenderam o texto, sugerimos que leiam a caixa de comentários do post anterior.