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O nosso Galeano em terra estrangeira

Para quem mora no Rio Grande do Sul, o Uruguai é mais do que um país vizinho. É a continuação do nosso quintal. Onde a fronteira mais parece uma “porteira” sempre aberta para nos receber. O Uruguai tem campos que se derramam feito mar sob uma luz douradamente meridional. Tem ao mesmo tempo ondas que atraem surfistas e marolas que fazem a felicidade das crianças. Tem churros, empanadas, panchos, alfajores e choclos adocicados só pra citar o básico. E mais do que isso: o Uruguai tem Eduardo Galeano.

E foi em La Paloma, praia uruguaia que fica a cerca de 130 quilômetros do Chuy que, para meu espanto, encontrei Galeano. Não o próprio, já que não consigo imaginá-lo de calção e boné a caminhar sob o sol torrante do início de janeiro. Mas sim o “nosso” Eduardo Galeano: das palavras andantes, das veias abertas, do futebol ao sol e à sombra.

Ao entrar em uma pequena e simpática livraria do singelo centro de La Paloma, para meu feliz espanto, lá estavam vários livros da Coleção L&PM Pocket em destaque, na principal prateleira do estabelecimento, entre outros títulos de Galeano oferecidos nos mais variados idiomas.

Os Galeanos da Coleção L&PM Pocket em destaque na livraria de La Paloma

Parabéns à livraria, que incentiva os turistas de todo o mundo a conhecerem seu principal escritor. Uma livraria que não tem nome, mas que exibe um “Libros” bem grande para que não haja dúvida de que ali é um reduto dos que estão em busca de leitura.

Mesas de ofertas na rua chamam a atenção de quem passa

A simpática livraria fica aberta até a 1h da manhã

Esse é mais um motivo para eu preferir cada vez mais as praias uruguaias às catarinenses – lembrando que vivo entre esses dois litorais. A outra grande razão, claro, são as estradas. Cá entre nós, a duplicação da BR101 parece um romance mal escrito: impossível entender tanta embromação, sem contar que a gente tem a sensação de que nunca vai chegar ao fim desse enredo. (Paula Taitelbaum)

Clique aqui e conheça todos os livros de Eduardo Galeano publicados na L&PM.

Retrospectiva: os destaques de 2012

E lá se foi 2012. Deixando boas lembranças e ótimos livros no catálogo L&PM. Foram muitos os lançamentos em formato convencional e pocket. Aqui, destacamos um para cada mês do ano que está terminando, de dezembro até até janeiro.

DEZEMBRO – Não tenho inimigos, desconheço o ódio, de Liu Xiaobo. Por que é destaque: o chinês Liu Xiaobo é um escritor, intelectual, ativista e professor que foi condenado a 11 anos de prisão por suas ideias. Prêmio Nobel da Paz 2010, pela primeira vez seus textos foram reunidos e publicados no Brasil, apresentando uma China que o ocidente ainda não conhece.

NOVEMBRO – Allen Ginsberg e Jack Kerouac: as cartas. Por que é destaque: o livro reúne a correspondência trocada entre os dois escritores beats durante mais de 20 anos. As quase 500 páginas que separarm a primeira da última carta oferecem “uma das mais frutíferas fusões de vida e obra da literatura do século 20” conforme disse a Folha de S. Paulo.

OUTUBRO – Um lugar na janela, de Martha Medeiros. Porque é destaque: a autora de Feliz por nada compartilha com seus leitores as mais afetuosas memórias de viagens feitas em várias épocas da vida, aos vinte e poucos anos e sem grana, depois, já mais estruturada, mas com o mesmo espírito aventureiro.

SETEMBRO – A interpretação dos sonhos, de Sigmund Freud. Por que é destaque: pela primeira vez no Brasil traduzida direto do alemão, a obra maior de Freud chegou à coleção L&PM Pocket em dois volumes coordenados por psicanalistas e professores de renome e que incluindo notas e comentários que Freud adicionou ao longo da vida, mais exclusivo índice de sonhos, nomes e símbolos.

AGOSTO – Guerra e Paz, de Tolstói, na Série Clássicos da Literatura em Quadrinhos. Por que é destaque: no caso de Guerra e Paz, uma obra bastante extensa, a adaptação para HQ é muito impressionante. “Coleciono HQs, de forma intensa, desde 1958. Nunca, nesses anos todos, vi ou ouvi falar de Guerra e Paz no formato de quadrinhos. Qualquer roteirista, mesmo com experiência e capacidade, deve ter sonhado com essa aventura louca.” disse Goida a respeito do livro.

JULHO – Os filhos dos dias, de Eduardo Galeano. Por que é destaque: inspirado na sabedoria dos maias, Galeano escreveu um livro que se situa como uma espécie de calendário histórico, onde de cada dia nasce uma nova história. Provocante, intenso e sensível como toda obra do escritor, os textos formam uma colcha de retalhos costurada com poesia, emoção e concisão.

JUNHO – Uma breve história da filosofia, de Nigel Warburton. Por que é destaque: a filósofa e escritora Sarah Bakewell definiu este livro como um “manual de existência humana em que poucas vezes a filosofia pareceu tão lúcida, tão importante, tão válida e tão fácil de nela se aventurar”. Partindo da tradição iniciada com Sócrates, o autor traz dados interessantes sobre a vida e o pensamento de alguns dos mais instigantes filósofos de todos os tempos.

MAIO – História secreta de Costaguana, de Juan Gabriel Vásquez. Por que é destaque: Juan Gabriel Vásquez foi um dos convidados da Flip 2012 – Festa Literária Internacional de Paraty. Misturando fatos históricos e ficção, Vásquez cria uma história em que o escritor Joseph Conrad é um dos personagens e que tem como pano de fundo a construção do Canal do Panamá.

ABRIL – Simon’s Cat, de Simon Tofield. Por que é destaque: em abril, Simon’s Cat foi publicado pela primeira vez no Brasil. O gato que não tem nome definido é o mais famoso felino do Youtube. Depois de Simon’s Cat – As aventuras de um gato travesso e comilão, em novembro deste ano foi lançado o segundo volume da série: Simon’s Cat – Em busca de aventura.

MARÇO – Erma Jaguar, de Alex Varenne. Por que é destaque: esta HQ luxo traz todas as aventuras de Erma Jaguar, personagem criada pelo notável ilustrador Alex Varenne. Erma é uma espécie de “madame” moderna que à noite, vestindo seu corpete preto e dirigindo seu carro, vai satisfazer todas as suas fantasias. Insaciável, ela enlouquece homens e mulheres de todos os tipos.

FEVEREIRO – Diários de Andy Warhol. Por que é destaque: esta nova edição dos Diários do artista pop Andy Warhol, dividida em dois volumes em formato de bolso (e reunidos em uma caixa especial), marcou a entrada da Coleção L&PM Pocket na casa dos 1.000 títulos. Um dos mais reveladores retratos culturais do século XX, Diários de Andy Warhol soma mais de mil páginas de glamour, fofocas e culto às celebridades.

JANEIRO – 1961 – O golpe derrotado, de Flávio Tavares. Por que é destaque: este livro conta como um movimento de rebelião popular paralisou e derrotou o golpe de Estado dos ministros do Exército, Marinha e Aeronáutica e evitou a guerra­ civil. Escrito por um jornalista que testemunhou e participou do Movimento da Legalidade junto a Leonel Brizola,­ então governador­ do Rio Grande do Sul.

“Dias e noites de amor e de guerra” de Eduardo Galeano

Por Nanni Rios*

Dias e noites de amor e de guerra é um livro pra se ter na cabeceira, daqueles que você nunca termina de ler, porque está sempre indo e voltando numa história que não tem pontas, nem fim, nem começo, pois tudo é amarrado pelo mesmo fio da poesia. São vários textos curtos, alguns com apenas um parágrafo, com relatos do cotidiano de um exilado – ninguém menos do que Eduardo Galeano – durante os anos de chumbo na América Latina.

Suas andanças por vários países, os amigos que desapareciam sem aviso, os filhos crescendo longe, o tempo passando em descompasso com o calendário e a humanidade em volta definhando sob a nuvem negra das ditaduras. A esperança, no entanto, resistia com bravura, apesar da dor lancinante de viver num mundo sem liberdade. Ao fim, há de se admitir: foram todos salvos pela poesia.

Além do cotidiano opressor, Galeano narra visões, alucinações e sonhos, provando que até mesmo o inconsciente humano está exposto à insanidade de uma vida sem liberdade.

Sonhos
Os corpos, abraçados, vão mudando de posição enquanto dormimos, virando para cá, para lá, sua cabeça em meu peito, minha perna sobre o seu ventre, e ao girarem os corpos vai girando a cama e giram o quarto e o mundo. ‘Não, não’, você me explica, achando que está acordada: ‘Não estamos mais aí. Mudamos para outro país enquanto dormíamos’.”

Uma moça navega cantando entre as pessoas
Na estação do metrô, a multidão abre caminho para a moça cantora. Ela caminha balançando o corpo docemente. No violão leva pendurado um cesto de palha, onde as pessoas jogam moedas. A moça tem cara de palhaço e, enquanto caminha, canta e pisca para as crianças. Ela canta melodias quase secretas em meio ao barulho da estação.”

Os filhos
(…)
Chegou muito triste. No elevador fez beicinho. Depois deixou que o leite esfriasse na xícara. Olhava o chão.
Sentei-a em meus joelhos e pedi que me contasse. Ela negou com a cabeça. Acariciei-a, beijei sua testa. Deixou escapar uma lágrima. Com o lenço sequei sua cara e assoei seu nariz. Então, pedi outra vez:
– Vamos, conta.
Contou-me que sua melhor amiga tinha dito ‘Eu não gosto mais de você’.
Choramos juntos, não sei quanto tempo, abraçados os dois, ali na cadeira.
Eu sentia as mágoas que Florência ia sofrer pelos anos afora e quisera que Deus existisse e não fosse surdo, para poder rogar que me desse toda a dor que tinha reservado pra ela.”

Sempre que a vida perde um pouco da doçura, é bom ter um livro como Dias e noites de amor e de guerra (Coleção L&PM Pocket) à mão, nem que seja só para lembrar que pode haver algum lirismo até mesmo nas realidades mais duras.

* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.

A mãe das jornalistas, por Eduardo Galeano

Os filhos dos dias, mais recente livro de Eduardo Galeano, conta que, na manhã de 14 de novembro de 1889, há exatos 123 anos atrás, uma jovem de 20 anos começou a viagem que faria com que se tornasse a primeira grande repórter que o mundo teve notícia.

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O dia em que Eduardo Galeano achou que estava no inferno

A notícia foi divulgada na semana passada em Montevidéu e vale a pena ser contada aqui. Principalmente para os que sabem o que é torcer por um time de futebol. Pouco mais de uma semana atrás, o escritor Eduardo Galeano passou alguns dias internado no Hospital Britânico de Montevidéu para realização de exames. Nesse período, deu entrada no mesmo hospital, com fratura dupla, o volante e ídolo da torcida do Peñarol, Tony Pacheco. O jogador foi alojado em um quarto ao lado de Galeano que, por sua vez, é torcedor fanático do time adversário, o Nacional. Eis que ao acordar de uma anestesia e ao se aproximar de seu quarto, Galeano, ainda meio zonzo, viu os corredores do hospital tomados de fãs do Peñarol com suas camisas e bandeiras. O jornalista uruguaio Darwin Desbocatti, que estava no local, relatou por rádio que, naquele momento, Galeano começou a gritar angustiado: “Estou no inferno! Estou no inferno!”. Passado o pesadelo e recuperado do susto, o escritor e o jogador acabaram trocando livros. Galeano ofereceu Os filhos dos dias e recebeu de Pacheco a sua autobiografia Simplesmente Tony. Digamos que foi praticamente como trocar camisas no final de um jogo.

São histórias como esta que Eduardo Galeano conta em seu livro Futebol ao sol e à sombra, um de seus tantos títulos publicados pela L&PM.