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Millôr, Kerouac e Thoreau no Fórum da Liberdade

Por Paula Taitelbaum

Foi o encontro de dois personagens: Peninha e Lobão. Também conhecidos como Eduardo Bueno e… Lobão (alguém por acaso lembra de cabeça como é o nome da “fera”?). Pois bem, a dupla esteve reunida ontem, 11 de abril, para participar do debate de abertura do 24º Fórum da Liberdade que lotou o Salão de Eventos da PUC em Porto Alegre. Transmitido ao vivo pela internet, e com participação ativa dos tuiteiros de plantão, o bate-papo tinha como tema “Liberdade individual: a arte de construir a própria história”. Depois da explanação inicial de Lobão, Eduardo Bueno começou seu colóquio lendo um texto: “Eduardo Bueno nasceu. Todo o seu aprendizado, desde a mais remota infância. Só aos 13 anos de idade, partindo de onde estava. E também mais tarde, já homem formado. No jornalismo, especialmente. Sempre, porém, recusou-se, ou como se diz por aí…”. O texto continuava fluindo nessa linha até terminar com uma a plateia fazendo cara de ponto de interrogação. Nessa hora, Eduardo explicou  que o texto tinha sido inspirado em outro, exatamente igual, que Millôr Fernandes escreveu sobre ele mesmo e que está no recém lançado livro A entrevista. “Isso também explica o meu método de trabalho, pediram para Millôr Fernandes uma biografia sucinta e ele apresentou isso. Falando assim praticamente não se entende nada, mas tá tudo ali. E na internet é assim…” falou ele. E continuou: “Não há dúvida que nesse universo extraordinário que a internet nos abriu, o conhecimento está ali, embora exista, na rede, mais lixo eletrônico do que lixo no espaço sideral. Cabe a você fazer a escolha e ver o que dali se aproveita…”

Mais tarde, quando o assunto já era outro, foi a hora de Eduardo citar Jack Kerouac: “Embora, de certa forma, eu tenha fama de moderninho, na verdade, eu sempre tive um descompasso com o próprio tempo. As pessoas falam assim: ‘pô, ele traduziu On the Road… E é verdade, eu traduzi On the Road em 1984, o livro tinha saído em 1959…” e seguiu falando que conheceu a obra de Kerouac em Buenos Aires, país que publicou On the Road também em 1959, numa tradução argentina e não espanhola. “No Brasil, saiu em 1984 e nunca tinha sido publicado. Havia uma tradução lusitana chamada ‘Pela estrada fora’… Mas ao abrir o livro, a primeira frase que li foi ‘Fui-me de boleia ao Orégão em um carro descapotável” disse Eduardo arrancando risos do pessoal (mesmo que a maioria que estava lá provavelmente nunca tenha lido On the Road).

Eduardo – que literalmente estava vestido de literatura –, continuou sua explanação pela estrada das referências até chegar em mais um de seus escritores preferidos: “Eu vim com uma camiseta temática, Walden, de Thoreau, que diz em uma das primeiras frases do livro que ‘O melhor governo é o que menos governa…'” Antes que pudesse continuar, foi interrompido por novos e esfuziantes aplausos. Mas conseguiu finalizar dizendo “E o melhor de todos é o que não governa nunca. Mas precisamos estar preparados para ele” . Fã confesso de Thoreau, Eduardo é o autor da introdução de Walden da Coleção L&PM POCKET.

No final, Eduardo terminou falando um pouco sobre a história do Islã e de como o ocidente é responsável pela série de conflitos da atualidade. Foi nessa hora que pude ouvir várias pessoas dizendo: “Que aula! Qual será o livro dele que eu posso ler pra saber mais sobre isso?”. Infelizmente, Eduardo não tem nenhum livro falando sobre o islamismo. Mas finalizo dizendo que, para os que realmente querem saber mais sobre o assunto, podemos oferecer Islã, da Série Encyclopaedia L&PM.

Lobão e Peninha (Eduardo Bueno) com "Walden"

E o Lobão? No quesito literatura falou apenas sobre sua recém lançada autobiografia. Como não ainda não li, não tenho autoridade para falar sobre o assunto.

16. Millôr Fernandes vai ao pampa

*Por Ivan Pinheiro Machado

No início dos anos 80, Millôr Fernandes e seu amigo, o fotógrafo Yllen Kerr (já falecido e conhecido como o homem que criou a moda de correr na beira da praia no Rio de Janeiro) vieram a Porto Alegre para uma excursão às fronteiras vazias dos pampas. Nosso amigo Paulo Odone Ribeiro, que mais tarde seria deputado e presidente do Grêmio Foot-ball Portoalegrense, havia convidado a dupla carioca para passar a Semana Santa na sua fazenda, na fronteira com a Argentina, município de São Borja, um dos legendários Sete Povos das Missões. O Paulo Lima, eu – já editores do Millôr – e nossas respectivas mulheres da época, em dois carros Alfa Romeo Ti4 2300, levaríamos o pessoal. Naquele tempo, as Alfas eram fabricadas no Brasil e tinham um tanque de gasolina de 100 litros. É importantíssimo que os jovens saibam que, para economizar gasolina, era proibido por lei vender o precioso combustível em fins de semana e feriados (viram como é bom ditadura?). Como eram 700 quilômetros de Porto Alegre até a Fazenda Nossa Senhora do Perpétuo Socorro e iríamos na Sexta-feira Santa, tínhamos que ter autonomia de combustível, pois não poderíamos reabastecer no caminho.

Naquele tempo, no interiorzão, não havia rede de eletricidade. A luz chegava através de um motor movido a óleo diesel, que era ligado ao anoitecer e desligado logo depois do jantar. Isto quer dizer que não havia televisão, nem o mundo era globalizado. Depois de 12 horas de viagem, chegamos na fazenda num final de tarde cinematográfico. Um verdadeiro céu “de aerógrafo”, como disse o Millôr na ocasião. Para abrir a porteira da estância veio um peão de bombachas, camiseta regata branca, palito nos dentes, sandálias havaianas com esporas atadas ao pé (esporas no “garrão”, como se diz na fronteira) e, naturalmente, um reluzente 38 cano longo na cintura. Andamos uma centena de metros até a sede da estância, fomos recebidos pelo Odone e sua mulher Niúra que nos levaram imediatamente para o galpão, centro nevrálgico de uma fazenda gaúcha. O galpão é basicamente o local onde fica o pessoal de serviço. Ali está o fogo de lenha de coronilha que jamais se apaga: esquenta a água do chimarrão, cozinha o assado e aquece o pessoal nas madrugadas frias. No Rio Grande, o galpão é cultuado como o lugar de socialização, onde rolam as conversas, os causos, enquanto o chimarrão roda de mão em mão. Pois sentamos. A peonada vestida a caráter, quieta, só observava aquela conversa animada e se divertia com o sotaque carioca dos visitantes. Subitamente, um daqueles peões aponta para o Millôr e pergunta naquele sotaque fronteiriço, quase puxado para um portunhol:

– O senhor é do Rio de Janeiro?

– Sim sou, respondeu simpaticamente o Millôr.

E o peão tascou sem rodeios:

– Conhece o Moreira?

Houve um silencio perplexo.

– Um gordo!– arrematou, fazendo um gesto com os braços que indicavam uma barriga acentuada.

– Mas… – gaguejou Millôr Fernandes espantado – o Rio é muito grande…

– Mas o Moreira é um tipaço – disse o homem –, onde ele chega todo mundo já conhece pela prosa. Ele não para de falar!

O Millôr pensou, pensou e resolveu sair-se diplomaticamente:

– Sabe, não estou me lembrando do Moreira…

Millôr de bombachas

Millôr Fernandes “pilchado” em 1979 – Foto: Ivan Pinheiro Machado

Para confirmar visualmente a história que narro a seguir, vocês podem ver Millôr Fernandes totalmente “pilchado”, como um autêntico gaúcho. Botas, bombachas, chapéu de aba larga, lenço no pescoço e a fundamental guaiaca, que é o cinturão que abriga o revólver e as facas. Em poucos dias, o grande intelectual carioca parecia um autêntico habitante dos pampas do extremo meridional brasileiro. Yllen Kerr, jornalista, fotógrafo, apreciador de esportes radicais e corredor de rua, causou furor entre a peonada ao montar de forma impecável um dos cavalos tidos como dos mais “brabos” do plantel. Yllen tinha servido no exército, na Cavalaria, e tinha grande perícia para dominar um cavalo.

No começo da tarde do domingo, estávamos todos vestidos desta forma radical, quando fomos convidados para acompanhar e peonada até a fazenda vizinha onde haveria carreiras (de cavalos) numa cancha reta. Era o grande programa domingueiro na região. Estávamos nos preparando para entrar na camionete, quando o velho peão que nos guiava apontou para a arma que Millôr levava (descarregada, naturalmente):

– O senhor vai levar a arma?

– Acho que vou, disse o Millôr, rindo, mas sem muita convicção.

– Pretende usar? Perguntou o peão.

– Claro que não!

– Então não leve.

E encerrou o assunto. Na fronteira, cancha reta e revólver são assuntos muito sérios…

Para ler o próximo post da série “Era uma vez uma editora…” clique aqui.

 

O dia em que Millôr encontrou Walt Disney

Desta vez não é montagem. A foto acima foi tirada em 1948 e mostra o nosso Millôr Fernandes ao lado de Walt Disney, o dono da maior fábrica de sonhos do mundo. Na época, Millôr tinha apenas 24 anos e na viagem que fez aos Estados Unidos encontrou, além de Walt Disney, o poetinha Vinicius de Moraes (ele está em todas!) e a estrela Carmen Miranda.

Sobre esta foto, Millôr escreveu:

“Foto cuidadosamente posada. Nessa época, eu ainda acreditava que Disney sabia desenhar. Só mais tarde, lendo sua biografia, aprendi que até aquela assinatura bacana com que ele autentica os desenhos é criação da equipe.”

O mais recente lançamento da L&PM é A entrevista. Em sete horas de conversa, os jovens editores da revista Oitenta – Ivan Pinheiro Machado, José Antonio Pinheiro Machado, José Onofre, Jorge Polidoro e Paulo Lima – capturaram o pensamento, as ideias e a intimidade de um dos maiores pensadores brasileiros. Para quem admira a obra do Millôr, é leitura imprescindível!