No ministério de… Não, é melhor não dizer seu nome. Ninguém é mais suscetível do que funcionários, empregados de repartições e gente da esfera pública. Nos dias que correm, todo sujeito acredita que, se nós atingimos a sua pessoa, toda a sociedade foi ofendida.
Não, o trecho acima não faz parte de alguma crônica recente publicada no jornal mais próximo. Ele foi escrito em 1842 e dá início a O Capote, conto escrito por Nikolai Gogol. “Todos nós viemos de O Capote” proclamou Dostoiévski referindo-se ao mais célebre texto de Gogol e dando força à teoria de que foi a partir dele que a literatura moderna russa surgiu.
A história de Akaki Akakiévitch, personagem de O Capote, seria trágica, não fosse cômica. Sua narrativa traz o burocrata em sua forma mais pura. Só que aqui, ao contrário de alguns funcionários públicos de hospitais do Rio de Janeiro, a maior ambição de Akaki é comprar um capote novo.
Nascido no dia de hoje, 20 de março, há exatos 203 anos atrás (alguns dizem que, na verdade ele nasceu ontem, em 19 de março), em 1809, o ucraniano Nikolai Gogol criou textos que orbitam entre o fantástico e o real e deu vida a personagens que perdem tudo – o nariz, a razão, o sentido, o juízo, a identidade – e que parecem flertar, ao mesmo tempo, com Deus e o diabo. Criado sob forte influência religiosa e muito ligado à mãe, Gogol jamais teve um amor na vida, conforme atestam seus biógrafos.
Mas se Gogol foi incapaz de amar, ele conseguiu despertar em muitos leitores, paixões nunca antes experimentadas. Seu estilo, seu jogo de palavras, seu ritmo e sonoridade, permanecem tão fascinantes e modernos quanto na época em que vieram ao mundo. Prova de que, assim como alguns aspectos do funcionalismo público, há coisas que não mudaram nos últimos 200 anos. (Paula Taitelbaum)