Ivan Pinheiro Machado (à esq.) e Paulo Lima, da L&PM, em 1978: livro de Mourão Filho foi apreendido na gráfica
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Fundada justamente em 1974, a L&PM, sediada em Porto Alegre, estreou com um livro que já testava os limites da anunciada abertura política. Era uma coletânea de quadrinhos do personagem Rango, anti-herói miserável criado pelo cartunista Edgar Vasques que ironizava o discurso grandiloquente do “milagre brasileiro”. O livro vendeu 12 mil exemplares em poucos meses e rendeu ao editor Ivan Pinheiro Machado uma visita à delegacia para explicar as piadas com símbolos pátrios.
Assim como outras editoras perseguidas, a casa gaúcha sofria apreensões de livros e tinha crédito negado em bancos (num deles, Ivan ouviu do gerente que “o coronel ligou para cá e disse: L&PM não!”). Mas sobrevivia publicando livros de políticos da oposição, como Paulo Brossard e Pedro Simon, literatura nacional e estrangeira e antologias de humor com autores como Millôr Fernandes, Luis Fernando Verissimo, os irmãos Caruso e Angeli, entre outros. O lançamento mais conturbado foi “A verdade de um revolucionário”, livro de memórias do general Olympio Mourão Filho, um dos artífices do golpe de 1964. Morto em 1972, Mourão deixou uma obra em que dava sua versão dos eventos e criticava figuras proeminentes do regime. O livro foi apreendido ainda na gráfica, em 1978, e só foi publicado no ano seguinte, depois de uma longa disputa judicial.
— Acho que foi a última apreensão de livros da história do Brasil, até chegar o Roberto Carlos… — ironiza Ivan, relembrando o início turbulento da editora, que este ano completa 40 anos. — Éramos jovens e tínhamos um idealismo, uma revolta contra aquela situação. Lembro que o Darcy Ribeiro uma vez me disse: “Mas você é editor, numa época dessas? É por isso que o mundo vai para frente, por causa da insciência da juventude!”
É inegável que o cartunista Angeli é um dos nomes mais queridos e admirados entre os desenhistas e quadrinistas no país. Prova disso é o destaque o criador da Rê Bordosa ganhou na edição deste ano do Troféu HQMix: ele levou o prêmio de “Desenhista de Humor Gráfico” e o de melhor exposição pela mostra “Ocupação Angeli“. Além disso, a estatueta do Troféu HQMix é uma réplica de Los Três Amigos, a cria coletiva dos amigos Laerte, Angeli e Glauco.
A cerimônia de premiação acontece no dia 3 de agosto, em São Paulo.
Em 1986, quando publicava textos, cartuns, sacadas e quadrinhos avulsos na revista Chiclete com banana, Angeli sugeriu algumas fantasias de Carnaval aos leitores. Sempre com aquela ironia que o caracteriza, claro. Fantasias que depois foram parar nas páginas do livro Os broncos também amam (Coleção L&PM Pocket) e que agora compartilhamos aqui. Vá que você ainda não tenha fantasia e esteja precisando de uma sugestão…
Angeli, o criador de Rê Bordosa, Walter Ego, Bob Cuspe e Os Skrotinhos nasceu em 31 de agosto de 1956. E como estamos em época de horário eleitoral gratuito, vale dar uma olhada em alguns dos candidatos criados pelo grande chargista. Saídos diretamente do livro E agora são cinzas.
Depois de fazer sucesso com personagens que marcaram época na história dos quadrinhos brasileiros como Rê Bordosa, Walter Ego e Wood & Stock, o cartunista Angeli resolveu mudar. Afinal, ele também estava mudando. Abandonou todas as suas crias e começou a trabalhar num novo personagem, o “Angeli em crise”. Para tentar se entender, ele começou a se desenhar. E pelo jeito, deu certo, porque desta reviravolta surgiu a exposição Ocupação Angeli, que fica em cartaz no Itaú Cultural, em São Paulo, de 16 de março a 29 de abril.
“Tudo o que eu andava fazendo tinha virado uma fórmula. Senti que estava começando a colocar o pé na cova. Resolvi mudar. Abandonei personagens e fiquei sem nada. Entrei numa crise real, não só na brincadeira do personagem Angeli em Crise”, disse ele em entrevista à Folha de S. Paulo.
A mostra Ocupação Angeli tem 800 obras (sendo 80, originais) e 20 fotos do chargista –seu acervo particular conta 30 mil obras, entre tiras, quadrinhos, charges, ilustrações, capas de discos, filmes e vídeos – em um espaço de 120 m² que recria, em uma versão idealizada, seu estúdio de criação, onde nasceram tantos personagens, entre eles o alter-ego “Angeli em Crise”.
De 29 de março a 1º de abril, haverá também uma mostra audiovisual paralela com 13 produções, entre curtas, documentários e longas de animação ligadas de alguma forma à obra de Angeli. Se você vai estar em São Paulo nestes dias, não perca! A entrada é franca.
Bons ventos sopram pela chamada “academia”; finalmente foram “descriminalizadas” as histórias em quadrinhos nas escolas. Aqueles que são jovens há mais tempo lembram muito bem que, num passado bem recente, as HQs eram proibidas em sala de aula. Professores de literatura e português faziam sinal da cruz diante de um álbum de quadrinhos, como se estivessem em frente ao demônio.
Mas, como tudo passa, esta onda também passou. Uma geração mais arejada de professores absolveu as HQs dos pecados da superficialidade dos quais era acusada e colocou finalmente nas mãos dos jovens leitores algumas obras-primas de arte e literatura.
Nós aqui da L&PM, que mourejamos nesta área desde os anos 70 – e que tivemos que abandonar temporariamente o barco devido à profunda rejeição – estamos de volta já há algum tempo e com um extraordinário cardápio de lançamentos. Na Coleção L&PM POCKET, os quadrinhos já conquistaram milhares de novos leitores com títulos dos consagrados Garfield, Snoopy, Hagar, Dilbert e o timaço de autores brasileiros composto por Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco, Edgar Vasques, Paulo Caruso, Mauricio de Sousa, Santiago entre outros. Todos por R$ 11,00.
Além do quadrinho em livros de bolso, a editora voltou a investir em grandes projetos, como Peanuts Completo, uma série em capa dura e acabamento luxuoso que publicará todo o magnífico trabalho de Charles Schulz. Já foram editados 4 volumes e o quinto sai em março. Publicamos também belas adaptações a cores das histórias de Agatha Christie, o clássico pacifista Valsa com Bashir, cuja versão em animação foi finalista ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2010 e iniciamos a publicar a festejada série afro-francesa Aya de Margarite Abouet, que trata da vida dos jovens nos países africanos. Recomeçamos também a publicar álbuns para adultos como o clássico Erma Jaguar do craque do desenho erótico Alex Varenne.
Como estamos livres para publicar o que de melhor se faz no mundo e para recomendar às escolas que usem e abusem das histórias em quadrinhos (já que não é mais pecado), um dos grandes destaques da programação de HQ da L&PM Editores é sem dúvida a série de Clássicos da literatura em quadrinhos. Um coleção espetacular feita por roteiristas e desenhistas belgas e franceses, publicada originalmente pela Editora Glénat com o apoio da UNESCO, órgão cultural da ONU que só chancela projetos de alto valor pedagógico. Estes livros possuem, além da história em quadrinhos a cores, um “dossier” que traça um rico painel sobre o livro, o autor, sua vida e seu tempo. Já foram lançados Volta ao mundo em 80 dias de Júlio Verne, A Ilha do Tesouro de Robert Louis Stevenson, Um conto de Natal de Charles Dickens, Dom Quixote de Miguel de Cervantes, Odisseia de Homero e Robinson Crusoé de Daniel Defoe. Deverão sair nos próximos meses Guerra e Paz de Leon Tolstoi e Os miseráveis de Victor Hugo.
Mangás
Mas a grande novidade de 2011 foi a nossa entrada no mundo dos mangás. Iniciamos com os dois volumes de Solanin de Inio Asano e Aventuras de menino de Mitsuru Adashi, os três livros disponíveis nos mais de 2 mil pontos de venda da coleção L&PM Pocket pelo Brasil inteiro. Com a colaboração e a consultoria do tradutor e especialista em mangás Alexandre Boide, a L&PM está preparando novos títulos para 2012.
Enfim, a editora está definitivamente retomando uma de suas vocações que sempre foi a de editar HQs. E a prova disso é que, justamente o primeiro título da L&PM Editores, foi um livro de quadrinhos: Rango 1 de Edgar Vasques. (Ivan Pinheiro Machado)
O cartunista Angeli, que criou alguns dos personagens de HQ mais famosos do Brasil como Rê Bordosa e Wood & Stock, prestou uma bela homenagem ao cinema brasileiro durante a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. A convite da Petrobrás, que apoia o evento, Angeli criou 15 peças inéditas, entre charges e tirinhas, inspiradas em filmes como “Meu Tio Matou um Cara“, “Carlota Joaquina”, “Tropa de Elite”, “Meu Nome não é Johnny”, “Cidade de Deus”, “As Melhores Coisas do Mundo” e “Tainá”.
A mostra de Angeli correu na paralela dos longas-metragens patrocinados pela Petrobras que estiveram na 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, que começou no dia 21 de outubro e termina hoje, 3 de novembro. Ou seja: se você correr ainda dá tempo de ver as obras de Angeli que ficaram expostas em quatro espaços da Mostra: Espaço Unibanco Augusta, Arteplex Frei Caneca, Shopping Bourbon e no Conjunto Nacional.
No início desta semana, Fernanda Scherer, gerente de marketing da L&PM Editores, no Conjunto Nacional, visitando a exposição e fez algumas fotos que agora compartilhamos com vocês:
“Adorei esse desafio pela novidade de lidar com personagens que não são meus e de um universo tão rico como o cinema, que sempre me inspirou bastante”, disse Angeli sobre este trabalho. Um dos mais respeitados chargistas brasileiros, desde os anos 80, Angeli vem desenvolvendo uma galeria de personagens que se tornaram famosos (Além de Rê Bordosa, Wood & Stock, ainda tem os Skrotinhos, Los Três Amigos e Bob Cuspe). Em 1983, ele foi um dos fundadores da revista Chiclete com Banana, sucesso com inquestionável influência no mercado editorial.
Angeli teve suas tiras publicadas na Alemanha, França, Itália, Portugal, Espanha e Argentina e já recebeu diversas homenagens, entre elas, foi nomeado comendador da República pelo Ministério da Cultura Brasileiro na Ordem do Mérito Cultural.
Estreou em São Paulo, no último final de semana, o documentário Malditos cartunistas, que traça um panorama sobre a profissão de desenhista de humor no Brasil, desde o inesquecível O Pasquim, nos anos 60, até hoje. Dirigido e produzido de forma independente pelos também “malditos” Daniel Paiva e Daniel Garcia, este é o primeiro longa metragem feito sobre o assunto no Brasil. Foram 40 entrevistados, dos quais 25 entraram na versão final, entre eles Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco e Nani.
Os realizadores tiraram do próprio bolso a verba para a produção do longa, mas a falta de recursos não interferiu na qualidade do trabalho. Malditos cartunistas já ganhou o prêmio do júri popular no festival de cinema Íbero Americano CineSul no Rio e participou do Cine Ouro Preto, onde teve excelente aceitação do público e crítica.
O filme já foi exibido em sessões especiais em algumas cidades, como São Paulo e Porto Alegre. Enquanto o longa não entra no circuito comercial (se entrar), dê uma olhada no trailer:
Estão disponíveis no canal oficial no Youtube algumas cenas inéditas que não entraram na versão final do longa. Vale conferir os depoimentos de Laerte, Angeli, Adão Iturrusgarai, Glauco e Nani (clique sobre o nome para abrir o respectivo vídeo). Outros nomes de peso no universo dos quadrinhos no Brasil também participaram do documentário, como Allan Sieber, Chiquinha, Fábio Zimbres, Schiavon, Reinaldo, Leonardo, Ziraldo, Arnaldo Branco, Jaguar, Guazzelli, Ota e André Dahmer.
O segundo lançamento da L&PM Editores foi a “Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes. Era 1976. Hoje, passadas mais de três décadas, este livro, que reúne os 82 dos mais importantes humoristas brasileiros da época, é um documento único, histórico e precioso. O humor estava – paradoxalmente – em alta. Vivíamos sob dura censura e eram o cartum, a tira, ou mesmo o texto de humor, os únicos veículos onde, por ignorância e descuido dos censores, ainda se podia “vazar” algum “contrabando” contra a ditadura. A “Antologia Brasileira de Humor” retrata de maneira extraordinária este momento da história cultural e política de nosso país. A prova da popularidade dos livros de humor são as listas de bestsellers da época. Entre os livros mais vendidos, a maioria eram livros do gênero. Títulos de Ziraldo, Millôr Fernandes, antologias de piadas e outros livros editados principalmente pela editora Codecri, de propriedade de “O Pasquim”, dominavam as listas. E toda a atividade humorístico/contestadora do país, na época, emanava de uma velha casa no alto da ladeira da rua Saint Roman, no final de Copacabana, no Rio de Janeiro. Lá era a a sede do “templo” da resistência cultural brasileira, “ O Pasquim”.
Os volumes 1 e 2 da "Antologia Brasileira de Humor"
Havíamos estreado como editora em agosto de 1974 com o Rango 1, do Edgar Vasques (leia o post que conta esta história). O Lima, o Edgar Vasques, o Fraga (humorista e colaborador da Folha da Manhã de Porto Alegre) e eu formávamos a equipe que editaria a primeira grande antologia organizada naqueles tempos sombrios.
Para que o nosso projeto se concretizasse precisávamos “vender” a ideia para a turma do Pasquim. Millôr, Ziraldo, Caulos, Ivan Lessa, Jaguar, Fortuna, Henfil e o resto da “patota” (como eles se auto-intitulavam) tinha que endossar a empreitada. Além é claro, da turma de São Paulo, com Laerte, Angeli, Luiz Gê, Chico e Paulo Caruso entre muitos outros. Se o pessoal do “Pasquim” aderisse, certamente todo mundo seguiria.
O Edgar Vasques era um cara conhecido pelo seu original e brilhante personagem Rango (que mais tarde seria publicado também pelo “Pasquim”). Tendo ele como referência, marcamos – via caríssimos telefonemas interurbanos –, encontros com Millôr Fernandes e Ziraldo no Rio de Janeiro. Éramos meninos de pouco mais de 20 anos e Millôr e Ziraldo já eram monstros sagrados da cultura brasileira. O encontro com Millôr foi inesquecível. Ele se mostrou gentilíssimo, recebeu-nos em sua cobertura/estúdio na praça Gen. Osório e, depois do encontro, nos convidou para almoçar na sua casa, na Vieira Souto esquina com Aníbal de Mendonça. Neste prestigiado endereço tivemos a oportunidade de comer um verdadeiro banquete de comida brasileira promovido por Dona Vanda, esposa do Millôr. De lá, fomos até a sede do “Pasquim”, onde Ziraldo nos aguardava precedido por um telefonema do Millôr. Subimos a íngreme ladeira da rua Saint Roman e lá apresentamos ao Ziraldo o projeto da “Antologia” pedindo que ele fizesse um “meio-campo” entre nós e o pessoal que colaborava no “Pasquim”. Ele achou ótimo e se comprometeu a cobrar dos parceiros o material para inclusão na antologia. Henfil, Caulos, grandes figuras, testemunharam o encontro e imediatamente se solidarizaram conosco prometendo também nos ajudar a “cooptar” o resto do pessoal. Até que, no meio da nossa conversa, Ivan Lessa entrou na sala. Eu, que achava o Ivan Lessa e o Millôr os caras mais inteligentes do Brasil, preparei-me para me curvar diante do gênio. Ele estava sério, olhou para nós irritado e perguntou:
– Quem são estes caras? (Bem assim).
O tom era de poucos amigos. Ziraldo ficou meio constrangido, mas falou:
– Eles são gaúchos lá de Porto Alegre, estão organizando uma Antologia Brasileira de Humor e querem a nossa colaboração.
Ivan Lessa passou da irritação à indignação:
– Pôrra Ziraldo! Você adora dar força para a concorrência! Não vê que estes caras são nossos concorrentes, pô! Porque a Codecri não faz esta porra desta antologia? Desta aí eu estou fora!
Ficamos paralisados. O Ziraldo, o Caulos e o Henfil, chateadíssimos, esperaram o Ivan Lessa sair da sala batendo a porta para se desculparem. Nós estávamos chocados. O Ziraldo procurou contemporizar:
– Não levem a mal, porque o Ivan é assim mesmo…deixa comigo, eu convenço ele a participar.
Seis meses depois, ia para as livrarias a “ Antologia Brasileira de Humor” em dois volumes, com capa do grande cartunista paranaense Miran, 10 mil exemplares de tiragem (cada volume) e com a participação de 82 humoristas, entre eles… Ivan Lessa.
Abaixo, separamos alguns dos cartuns que foram publicados nos dois volumes da antológica antologia. Clique e folheie à vontade:
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo cinco post da Série “Era uma vez… uma editora“.