Oscar Wilde foi uma das mais célebres vítimas da intolerância contra homossexuais e foi encarcerado na prisão por isso. Agora, a Irlanda natal de Wilde tornou-se o primeiro país na História a reconhecer o casamento gay por referendo popular. Foi uma vitória esmagadora do “sim”. Leia artigo escrito por Beatriz Viégas-Faria a convite do jornal Zero Hora. Beatriz é tradutora de O fantasma de Canterville da Coleção L&PM Pocket.
O lado Wilde da História
Por Beatriz Viégas-Faria
Oscar Wilde (1854 – 1900) foi autor de alguns títulos clássicos das literaturas de língua inglesa, entre eles um romance (O Retrato de Dorian Gray), contos, poesia e várias peças teatrais (escritas entre 1891 e 1895) que o tornaram popular em seu tempo e que vêm sendo estudadas, filmadas e traduzidas até hoje (entre elas, Salomé, O Leque de Lady Windermere, Uma Mulher sem Importância, Um Marido Ideal, The Importance of Being Earnest – o título desta em português varia conforme a tradução).
A Irlanda era parte do império britânico, e Oscar Wilde, nascido em Dublin, viveu na era vitoriana (o reinado da rainha Vitória durou de 1837 até sua morte, em 1901). Foi um tempo que pode ser caracterizado como de hipocrisia social. Conforme se pode ler na introdução ao compêndio Essays and Nonfiction of Oscar Wilde (Golgotha Press, 2011): “havia casas de prostituição, maridos tinham e mantinham amantes, as mulheres nem sempre eram fiéis aos seus maridos, casais moravam em casas separadas, e a homossexualidade era praticada, mas a grande maioria das pessoas preferia ignorar tais assuntos e varrê-los para debaixo do tapete. […] Os homossexuais eram marginalizados, mas, se optassem por não viver à margem da sociedade, eram forçados a viver uma mentira ou fazer o possível e o impossível para disfarçar sua orientação sexual”.
Contudo, os pais de Oscar Wilde não tinham nada de convencionais para a época. O pai, William, foi um oftalmologista de renome que não fazia questão de esconder seus casos antes e depois do casamento. A mãe, Jane F. Elgee, era uma intelectual poliglota que publicava poesia e, já como Lady Wilde, foi uma ativista da causa pela independência da Irlanda.
Sabe-se que Oscar Wilde flertou com mulheres e com homens. Diz-se que ele foi um homossexual que lutava contra sua orientação, mas há autores que sustentam que era bissexual. A cerimônia de casamento com Constance Mary Lloyd, filha de um importante advogado irlandês, em 1884, foi impregnada de teatralidade – aparentemente, Londres não esperava outra coisa de Wilde. Do casamento, nasceram dois filhos homens – Cyril e Vyvyan.
Depois do nascimento do segundo filho, Wilde passou a frequentar locais em Londres onde mantinha encontros sexuais com outros homens, pagos ou não. Parece ter sido Lorde Alfred “Bosie” Douglas quem apresentou Wilde à prostituição masculina. No começo dos anos 1890, Bosie, com vinte e poucos anos, tornara-se amante do famoso Wilde. Quando o pai do rapaz, um marquês, acusou Wilde de homossexualidade (um crime à época), o próprio escritor, ingenuamente, resolveu processá-lo.
O dramaturgo negou ser homossexual quando perguntado em juízo. E deu continuidade a seu affair com Bosie. O pai do rapaz contratou quem coletasse provas da homossexualidade de Wilde. O marquês ganhou a causa e tomou para si os bens do autor, que foi condenado a dois anos de trabalhos forçados em Reading Gaol. O juiz alertou-o contra “atos piores que estupro ou assassinato”. Seu amante foi considerado “vítima”.
Na prisão, Wilde a princípio não teve acesso a material de escrita. Quando teve, escreveu um texto que até hoje impressiona, e muito – como literatura, como a anatomia de uma paixão, como um dossiê sobre alegrias e arrependimentos quando o assunto são os relacionamentos amorosos. De Profundis é livro sempre reeditado, sempre traduzido: uma longa carta ao seu querido Bosie, a quem ele acusa de nunca ter ido visitá-lo na prisão; um testemunho vívido de como podem sofrer os encarcerados.
Em maio de 1897, o prisioneiro C.3.3 de Reading Gaol foi libertado depois de cumprir sua pena, mudou-se para a França. Depois da condenação, Wilde não viu mais os filhos nem a esposa. Constance trocou seu sobrenome e o das crianças para Holland. O escritor passou os três últimos anos de sua vida na miséria, vivendo da caridade de amigos. Morreu em Paris, doente e sem conseguir voltar à literatura.
Em maio de 2015, a Irlanda natal de Wilde tornou-se o primeiro país na História a reconhecer o casamento de duas pessoas do mesmo sexo por referendo popular. Em vitória esmagadora do “sim” ao casamento gay, um país predominantemente católico revisa seus valores e atesta ser parte atuante do mundo conectado pelas redes sociais. Até 1993, há meros 22 anos, a homossexualidade ainda era crime na Irlanda, como no tempo de Wilde. O poder da Igreja Católica Apostólica Romana na Irlanda foi feroz, em todos os sentidos (filmes como The Magdalene Sisters (2002) e Philomena (2013) discutem essa ferocidade). Só em 1972 a Constituição da Irlanda retirou (também por referendo popular e por ampla maioria) de seu texto uma cláusula que reconhecia a “posição especial” da Igreja Católica no governo e na governabilidade do país.
Numa Irlanda onde as escolas e os hospitais foram tradicionalmente administrados por ordens religiosas, os resultados do referendo fazem pensar: o país está se movendo no sentido de tirar o poder da Igreja sobre assuntos seculares, sim. Mas o que mais? Encontrei uma resposta plausível em um artigo do periódico The Atlantic. O texto, assinado por Mo Moulton, sugere que os conterrâneos de Wilde podem ter votado por uma rejeição da autoridade da Igreja sobre certos valores morais, mas não votaram contra ideais católicos. Abraçam a causa LGBT e, ao mesmo tempo, os vínculos afetivos da família – não mais a família tradicional. Assim, a Irlanda pode estar sinalizando ao mundo caminhos outros para o próprio catolicismo.
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