Por Janine Mogendorff*
Um dos primeiros livros no qual trabalhei quando comecei aqui na L&PM foi Os cães ladram: pessoas públicas e lugares privados, de Truman Capote. Já tinha lido – e ficado muito impressionada – com A sangue frio, edição que comprei num supermercado em Montevidéu, em alguma das muitas férias de verão que passei por lá. Confesso que já tinha ouvido falar muito de Truman Capote, especialmente desse clássico da não ficção e de Bonequinha de luxo, mas nunca tinha lido seus outros textos.
Os cães ladram traz justamente uma seleção de textos curtos escritos entre as décadas de 40 e 70. A riqueza da obra reside no fato de possibilitar múltiplas leituras: há um tanto de material biográfico, alguns exercícios de estilo, tudo regado com muito humor, sarcasmo e tendo como alicerce a força do relato jornalístico. E foi aí que o livro me conquistou. Para Capote, o jornalismo, assim como a câmera, não pode ser totalmente puro, “pois afinal a arte não é água destilada: impressões pessoais, preconceitos e a seletividade subjetiva comprometem a pureza da verdade cristalina”.
O jornalismo, na sua leitura, existia para ser subvertido. No prefácio, ao falar sobre a construção do perfil de Marlon Brando, um dos grandes textos do livro, nos conta: “Minha alegação era que a reportagem poderia ser uma forma de arte tão elaborada e excitante quanto qualquer outra modalidade da prosa – ensaio, conto, novela – uma teoria que poucos defendiam em 1956, ano em que o texto foi impresso, em oposição a hoje, quando sua aceitação tornou-se até algo exagerada.” É ainda no prefácio que ficamos sabendo de onde veio a inspiração para o título inusitado do livro, entre outras revelações.
Mas vamos a Os cães. A obra pode ser dividida em três partes. Na primeira, Capote faz uma viagem memorialística à infância, passando pelo primeiro estágio na New Yorker, relembrando o primeiro livro (Summer Crossing) e resgatando algumas viagens e lugares pitorescos, estes últimos reunidos sob o título de “Cor local”. Na segunda parte, aparece “As musas são ouvidas”, um dos textos que ele mais apreciou escrever. O volume termina com “Observações”, que reúne célebres perfis de, entre outros, Louis Armstrong, Humphrey Bogart e Marilyn Monroe, além de um corrosivo autorretrato: “Você é cruel?”, pergunta Truman Capote para ele mesmo. “Ocasionalmente. Nas conversas. Vamos dizer o seguinte: eu preferiria ser meu amigo do que meu inimigo.”
Para conhecer um pouco mais sobre o autor, recomendo os dois filmes que foram feitos sobre o processo de criação de A sangue frio, ambos com interpretações soberbas: Capote, de 2005, protagonizado por Philip Seymour Hoffman (que, inclusive, ganhou o Oscar por sua interpretação), e Confidencial (Infamous), de 2006, protagonizado por Toby Jones. Um dos poucos casos no qual é difícil escolher o melhor. Ambos trazem, com um olhar singular, esse Capote que está explícito nas entrelinhas de Os cães ladram.
* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.