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Uma super mulher no novo livro de Galeano

Junho
30

Nasceu uma incomodadora

Hoje foi batizada, em 1819, em Buenos Aires, Juana Manso. As águas sagradas a iniciaram no caminho da mansidão, mas Juana Manso nunca foi mansa. Contra ventos e marés, ela fundou, na Argentina e no Uruguai, escolas laicas e mistas, onde se misturavam meninas e meninos, e o ensino da religião não era obrigatório, e o castigo físico era proibido. Escreveu o primeiro texto escolar da história argentina e várias obras mais. Entre elas, um romance que batia duro na hipocrisia conjugal. Fundou a primeira biblioteca popular do interior do país. E se divorciou quando o divórcio não existia. Os jornais de Buenos Aires se deleitavam insultando-a. Quando morreu, a Igreja negou-lhe sepultura.

Trecho de “Os filhos dos dias”, novo livro de Eduardo Galeano que será lançado no Brasil pela L&PM Editores em julho com tradução de Eric Nepomuceno. “Os filhos dos dias” traz uma pequena história para cada dia do ano, sempre centrada em um fato real que aconteceu naquela data.

Galeano na mais bela livraria de Buenos Aires

Visitar a livraria El Ateneo Grand Splendid, em Buenos Aires, é uma experiência um tanto esplendorosa, como o próprio nome indica. Não apenas pela quantidade de livros que habitam os 2 mil metros quadrados de seus três andares, mas porque a arquitetura do que um dia foi o famoso Teatro Grand Splendid segue preservada. Considerada a segunda livraria mais bonita do mundo pelo jornal britânico The Guardian, lá ainda estão as varandas originais das galerias e as esculturas e os ornamentos tal como eram no tempo em que recebiam grandes artistas em noites de gala. Hoje, é possível subir ao palco para tomar um bom café com medialunas, sentar nas cadeiras espalhadas pelos salões sem precisar pagar ingresso e ler um livro num dos balcões que nos primórdios era ocupado pela nata da sociedade argentina.  Mas o ponto alto – e bota alto nisso – do prédio erguido em 1919 está no teto do salão principal: a cúpula pintada pelo italiano Nazareno Orlandi.

E é sob essa pintura que atualmente encontra-se Eduardo Galeano. Ou melhor: seu mais recente livro, Los hijos de los días (Os filhos dos dias), que será lançado pela L&PM este ano com tradução de Eric Nepomuceno. Galeano é bastante popular em Buenos Aires e já figura como o segundo mais vendido na El Ateneo. Aproveitando o clima de teatro só o que temos a dizer é: palmas para ele!  

Pintura no teto, cortinas vermelhas e afrescos são a moldura do café sobre o palco / Foto: Dudu Contursi, feita com iPhone

Na imagem recente, a pilha de livros de Eduardo Galeano se mostra convidativa / Foto: Dudu Contursi com iPhone

"Los hijos de los días" é o segundo mais vendido da El Ateneo

A Livraria El Ateneo Grand Splendid fica na Avenida Santa Fé, 1860, na Recoleta.  

Pelos labirintos das Galerias Pacífico

Sábado passado, meio-dia, Buenos Aires. Do lado de fora, uma chuva fina e fria levava os tantos turistas a procurarem vitrines cobertas. Justamente por isso, as já normalmente cheias “Galerias Pacífico” eram um mar de gente que se apertava pelas escadas rolantes e rolava lojas a dentro. Pouco à vontade (e com pouca plata), resolvi procurar abrigo no único local que poderia me oferecer algum alento por ali: o Centro Cultural Borges. Ele fica no último andar do prédio histórico do século XIX, onde a Galerias Pacífico chegam mais perto do céu e é possível, das janelas, enxergar alguns telhados do centro da cidade. Chegando lá, uma surpresa, ao contrário dos outros andares, não havia um único turista transitando pelos corredores. Aliás, não havia quase ninguém pelos 10 mil metros quadrados do centro cultural. “Nada para comprar”, poderiam explicar alguns. “Mas bastante para ver”, eu responderia… No salão de entrada, por exemplo, o visitante pode contemplar uma bela exposição de pinturas Sumi acompanhadas de Hai-kais. E subindo mais um lance de escadas rolantes, chega-se ao acervo de Borges, onde entre frases do escritor, vídeos e imagens, é possível também ver, em uma parede, livros e retratos de seus autores preferidos, aqueles que o influenciaram de alguma forma. Edgar Allan Poe, Kafka, Chesterton, Robert Louis Stevenson, Cervantes e Conrad são alguns deles.

Além desse espaço, há outras três salas de exposições sempre com algo interessante. Por isso, fica aqui a dica para você visitar este labirinto de Borges em sua próxima ida a Buenos Aires. Mas só se você, assim como eu, estiver à procura de uma biblioteca de Babel – e não de uma babilônia do consumo. (Paula Taitelbaum)

Os labirintos de Borges

Hoje, quem entrar no Google vai encontrar um doodle que marca o 112º aniversário de Jorge Luis Borges. O desenho, que representa a mente labiríntica do autor, mostra um homem idoso, de bengala, vestindo um terno e mirando um labirinto de escadas, edifícios e estantes. Segundo o Google, este “cenário de arquitetura fantástica” pode ser considerado a representação de uma das histórias mais famosas de Borges: “A biblioteca de Babel”.

“O universo (que outros chamam de Biblioteca) é composto por um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação, cercado por grades muito baixas” escreveu Borges, que morreu em 1986. “Por aí passa a escada espiral, que se abisma e se eleva ao infinito remoto. No corredor, há um espelho, que fielmente duplica as aparências. Os homens costumam perceber nesse espelho que a Biblioteca não é infinita (se fosse, porque causaria essa ilusória duplicação)? Eu prefiro sonhar que as superfícies polidas representam e prometem o infinito”.

O desenho também pode ser considerado uma homenagem à obra “O jardim dos caminhos que se bifurcam”, no qual ele escreve: “Pensei em um labirinto de labirintos, um labirinto sinuoso que conteria o passado e o futuro que, de alguma forma, envolve as estrelas.”   

Contista, poeta e ensaísta, Borges foi um dos gigantes da literatura do século XX. Nascido em Buenos Aires em 24 de agosto de 1899, ele trabalhou como bibliotecário e começou a carreira de escritor publicando poesias. Sua fama internacional veio somente a partir de 1961, quando recebeu o Prix Formentor, categoria ficção, junto com Samuel Beckett, e foi traduzido para o inglês no ano seguinte com a coleção “Labirintos”. Em 1965, John Updike observou que “a América do Norte reconheceu tardiamente o gênio que era Jorge Luis Borges”, em um ensaio para a revista New Yorker. Mas apesar de ser considerado gênio, Borges nunca ganhou o Prêmio Nobel. “Não me conceder o prêmio Nobel tornou-se uma tradição escandinava “, disse ele uma vez.

“As obras de Borges têm contribuído para o gênero da ficção científica, bem como o do realismo mágico. Feliz aniversário, Jorge Luis Borges”, disse o Google em uma animação do seu doodle e postada no YouTube:

De Jorge Luis Borges, a Coleção L&PM POCKET publica Martín Fierro.

No livro Guia de leitura – Cem autores que você precisa ler, há um texto sobre Borges que você pode ler aqui.

Amigos para sempre

Já contamos esta história aqui no blog, mas ela é tão boa que vale repetir:  em 20 de julho de 1969, Neil Armstrong deu o pequeno passo que seria “um gigantesco salto para a humanidade”. O que o astronauta não sabia era que sua chegada à lua também seria responsável pela criação do Dia Internacional do Amigo. Isso porque, a partir de então, o argentino Enrique Ernesto Febbraro passou a divulgar exaustivamente que o feito era uma “grande oportunidade de fazer amigos em outras partes do universo” e lançou a campanha Meu amigo é meu mestre, meu discípulo é meu companheiro. Tanto ele insistiu que, em 1979, através de um decreto, Buenos Aires adotou oficialmente o dia 20 de julho como aquele dedicado a todos os amigos. Da capital argentina, a data espalhou-se pelo mundo e, hoje, em quase todas as partes do planeta (ou será do universo?) é comemorado o Dia Internacional do Amigo.

Amigos, aliás, não faltam na literatura. Sherlock Holmes e Dr. Watson, Dom Quixote e Sancho Pança, Huckleberry Finn e Jimmy… Sem contar as clássicas amizades dos quadrinhos como estas que seguem logo abaixo e que mostram os amigos Snoopy e Woodstock, Garfield e John e Mônica, Magali, Cascão e Cebolinha. É pra se divertir e compartilhar com seus amigos (e pra ler melhor, clique em cima da imagem):

Apontamentos sobre uma semana passada em Buenos Aires #2

Ontem a editora Caroline Chang começou a publicar suas impressões sobre VIIIa. Semana TyPA de Editores. Para ver o primeiro post, clique aqui.

Caroline Chang

– É invejável o nível de preparo dos livreiros, em geral. Sim, tive que soletrar nomes de alguns autores, mas também pode ser culpa do meu castelhano de pé quebrado. De modo geral, os livreiros conhecem os livros que vendem e são capazes de opinar sobre eles. Imagino que isso se deva em parte ao melhor nível educacional argentino (embora também haja queixas de que o ensino privado está maquiavelicamente clientelizando o processo educacional, coisa que conhecemos bem no Brasil), em parte à posição privilegiada que a leitura e a cultura livresca ocupa na vida portenha.

– Eu nunca havia me dado conta da dimensão que ocupa, na vida cultural argentina, do fato de as grandes editoras espanholas comprarem direitos para língua espanhola e os leitores argentinos se verem em uma de três situações: ou a editora espanhola que compra os direitos de tradução para o espanhol exporta os livros para as livrarias e distribuidoras argentinas, e nesse caso o livro chega ao leitor argentino a um preço que é no mínimo o dobro do que custaria se fosse produzido no país; ou então a editora espanhola não distribui direito os livros na Argentina (seja por problemas nos canais de distribuição, seja por acreditar, baseado na carreira espanhola do livro, que ele não terá êxito comercial, o que nem sempre é verdade, já que se trata de contextos culturais diferentes); ou, melhor dos casos sob o ponto de vista do leitor argentino, a editora espanhola que compra os direitos para tradução para o espanhol tem uma casa editorial filial na Argentina, podendo então produzir tiragens na Argentina, para o leitor local, que então tem acesso ao livro a um preço argentino, e não europeu. Alguns setores do mercado editorial argentino inclusive defendem que agências literárias e editoras que vendem direitos de tradução deveriam comercializar em separado direitos para traduzir o livro na Espanha e, por exemplo, na Argentina (tal como acontece com Brasil e Portugal: direitos para explorar um livro em língua portuguesa no Brasil é vendido para uma editora brasileira, e os direitos para explorar o mesmo livro em língua portuguesa em Portugal, para uma editora portuguesa). Assim os direitos ficariam livres para editoras argentinas que quisessem explorar tal livro e tal autor, o que certamente fortaleceria a cadeia nacional. (Vale lembrar que a separação dos direitos entre Portugal e Brasil é recente: poucas décadas atrás, os agentes vendiam direitos mundiais para língua portuguesa para editoras portuguesas, e nós, leitores brasileiros, nos víamos na obrigação de importar o livro e ler Lawrence Durrell em português de Portugal.)

– Suspeito que nossos irmãos argentinos conheçam melhor a literatura brasileira que nós a argentina. El Corregidor (www.corregidor.com.ar ), por exemplo, tem uma série que se chama Vereda Brasileira, onde se encontra o que de melhor a nossa literatura produziu. A editora Adriana Hidalgo tem, na sua serie de traduções, uma clara veia brasileira, tendo publicado João Gilberto Noll, Clarice Lispector, Dyonélio Machado e – pasmei quando vi – Grande Sertão: Veredas, além de Sagarana. Me corrijam se estou errada, mas creio que não há nenhuma editora brasileira que tenha uma série numerosa e longeva de literatura platense, que dirá argentina.

Caroline ao lado da estátua de Mafalda em San Telmo / Arquivo pessoal

 – Por fim, vida longa a uma menina baixinha de quem o Gobierno de La Ciudad (de Buenos Aires) inaugurou há pouco uma estátua, no velho bairro de San Telmo, próximo à casa de Quino, seu criador (esquina da calle Defensa com calle Chile). Foi com ela que a literatura argentina fez sua grande e indelével entrada na minha vida.

Apontamentos sobre uma semana passada em Buenos Aires #1

Por Caroline Chang*

Na semana passada, participei da VIIIa. Semana TyPA de Editores en Buenos Aires, a convite da Fundación TyPA – uma instituição privada e sem fins lucrativos – e da Embaixada Brasileira na Argentina. A ideia é promover, in situ, a literatura argentina, proporcionando encontros entre os editores estrangeiros participantes e argentinos, também encontros com agentes literários, palestras e outras atividades. Segue abaixo um pouco do que vi, senti e pensei.

– Chegando aqui, descobri que a Fundación TyPA foi fundada em seguida à e em função da crise que castigou a Argentina em 2001. Para combater o cenário de desastre econômico, juntos, agentes de várias áreas da cultura – literatura, patrimônio, cinema e artes plásticas – se juntaram para pensar maneiras de promover os distintos setores culturais e ajudá-los a contornar a crise. Não pude deixar de admirar a iniciativa, tomada em um contexto que faria muitos povos se entregarem à prostração. Também não pude deixar de invejar esse temperamento portenho e de pensar que não por acaso a Argentina conquistou sua Independência à unha, e não no canetaço (aliás, o país se prepara para festejar, em maio próximo, seus 200 anos de independência).

– Impressionante o número, a variedade e a qualidade das editoras pequenas e independentes da Argentina. Fiquei me perguntando se no Brasil não há tantas, proporcionalmente, ou se eu é que não as conheço. A Libre, claro, é referência aqui, e os hermanos admiram a iniciativa brasileira tanto quanto nós as deles. Talvez uma diferença importante esteja no fato de que uma pequena editora argentina, se fizer direitinho o seu trabalho, encontrar seu nicho e perseverar – e se encontrar um bom distribuidor nos outros países de fala hispânica, inclusive na Espanha –, tem mais chances de multiplicar suas vendas. Entendo que para as pequenas editoras brasileiras tal expansão comercial é bem mais difícil, senão impossível (alguém conhece algum editor que venda livros para Moçambique?).

– Apesar da pujança portenha, me parece que os livros brasileiros, de um modo geral, são mais modernos e arrojados, em termos de capa e design, do que as edições que se vê nas livrarias argentinas. Há, é claro, a bela coleção de traduções da Adriana Hidalgo, os bonitos livros da HUM e os lindíssimos livros da pequena Tamarisco – todas editoras independentes –, mas creio que, no geral, as capas de livros brasileiras são mais modernas, quiçá menos figurativas e mais limpas.

– Invejável a quantidade e a qualidade das livrarias de Buenos Aires. Se são em maior número do que todas as livrarias do Brasil, não sei, mas eu bem que não me importaria em morar em uma cidade em que se pode sair de uma festa à meia-noite e meia, voltar a pé para casa pela Corrientes, sem medo de assalto e, de quebra, parar no caminho na Livraria Edipo para comprar um livro, como eu fiz. Destaque para a relativamente nova livraria Eterna Cadencia (www.eternacadencia.com – ver foto), em Palermo, e também para a Libros Del Pasaje (www.librosdelpasaje.com.ar ), também em Palermo.

*Caroline é editora da L&PM
**Nota do editor: amanhã, neste mesmo blog, a continuação dos apontamentos sobre a semana TyPA de Editores em Buenos Aires.

Borges e Kafka em Buenos Aires

Começa segunda-feira, dia 19, em Buenos Aires, a Bienal Borges – Kafka 2010, segunda edição do evento cultural e artístico organizado pela Fundação Internacional Jorge Luís Borges e pela Sociedade e Centro Franz Kafka de Praga. Fazem parte da programação mesas redondas, seminários, peças de teatro e exibições de cinema, além de um simpósio que terá a participação de especialistas nos dois escritores. O único brasileiro convidado é Sergius Gonzaga, Secretário de Cultura de Porto Alegre, que falará sobre Kafka na literatura nacional. A programação vai até dia 30 de abril, então ainda dá tempo de você comprar a passagem.
 

Para ver a programação completa (e dois vídeos dos diários de Kafka), clique aqui.