A britânica Sarah Crossan é autora de One, um romance escrito em verso livre que conta a história de Grace e Tippi, gêmeas siamesas que, unidas pelo quadril, vivem sua(s) vida(s) adolescente(s). A narrativa – que às vezes soa como um diário – é um longo poema em prosa que vai se desenrolando sob o ponto de vista de Grace. E antes que você torça o nariz pensando que talvez essa história seja meio esquisita, bizarra ou até sofrida demais para envolver o público juvenil, a gente diz que não é nada disso. One – que por aqui tem o título provisório de Unidas – é incrivelmente envolvente e sensível.
Somos literalmente grudadas
pelo quadril –
unidas pelos ossos e pelo sangue.
E
é por isso
que
nunca fomos à escola.
One vem recebendo vários prêmios e o mais recente deles foi anunciado nesta segunda-feira: a medalha Carnegie (Carnegie Medal), o mais cobiçado prêmio para livros infanto-juvenis do Reino Unido e que existe desde 1936. Crossan já havia sido indicada duas vezes anteriormente, mas só agora, com One, “foi levada à glória” como escreveu o jornal The Guardian, complementando na matéria que 2016 tem sido um grande ano para a autora.
“O Carnegie é o prêmio que eu sempre quis ganhar porque ele é julgado por bibliotecários que são os guardiões da literatura de muitas maneiras. Eu tinha certeza que, hoje, o nome de outra pessoa seria lido no lugar do meu.” Declarou Sarah Crossan logo após o anúncio.
O ar do verão começa a ficar mais fresco.
A tinta escura da noite chega cada vez mais cedo.
E do nada
a mamãe anuncia que Tippi e eu
não vamos mais estudar em casa.
“Em setembro
vocês vão começar o ensino médio
e vão à escola
como todo mundo”, ela avisa.
E eu não esboço qualquer
reação.
Eu escuto
e balanço a cabeça
e puxo um fio solto na camisa
até um botão
cair.
Mas Tippi não fica em silêncio.
Ela explode:
“Está falando sério?
Vocês piraram?”, ela grita
e continua discutindo com a mamãe e o papai por horas.
Eu escuto
e balanço a cabeça
e mordo a pele em torno das unhas
até começar a
sangrar.
Em One, à medida que as irmãs crescem e desenvolvem diferentes hábitos e opiniões, elas descobrem como é difícil compartilhar um corpo. Pra completar as angústias, os pais ficam desempregados e o dinheiro vira um problema latente – mas que apesar de angustiante, às vezes é narrado com bom-humor.
Se eu tivesse um revólver, poderia assaltar um banco.
Poderia enfiar uma arma na cara do caixa
e exigir uma pilha de dinheiro
e fugir em uma Maserati roubada.
Eu poderia vender drogas nas esquinas
ou prostituir meninas por um bom preço.
Poderia infringir a lei que quisesse.
Se me mandassem para a cadeia,
teriam que prender Tippi também,
o que seria uma detenção
ilegal,
que jamais seria mantida em um
tribunal.
Se eu não tivesse uma maldita consciência,
estaríamos ricas.
O premiado romance de Sara Crossan chega ao Brasil pela L&PM Editores no segundo semestre deste ano com tradução de Alexandre Boide.