Arquivo da tag: Crime e Castigo

O Dia Mundial do Rock em ritmo literário

Em homenagem ao Dia Mundial do Rock, cruzamos letras com músicas e criamos as trilhas sonoras perfeitas (ou nem tanto) para certos clássicos da literatura. Tem para todos os gostos. Aumente o som e dance baby, dance…

Para Memória póstumas de Brás Cubas: “The dead man walking”, de David Bowie, em versão acústica:

Para On the Road, “Highway 61 Revisited”, de Bob Dylan, na versão de Johnny Winter:

Para O amor é um cão dos diabos, ou qualquer outro livro de Charles Bukowski, “Sympathy for the Devil”, The Rolling Stones:

Para Peter Pan, “Fly Away From Here”, do Aerosmith:

Para Crime e Castigo, “Help!”, dos Beatles:

Para Romeu e Julieta,” Smells like teen spirit”, do Nirvana:

Para Alice no País das Maravilhas,  “What a Wonderful World” na versão de Joey Ramone:

Cinderela proibida de entrar na prisão

Clive Stafford Smith, diretor da instituição Reprieve – que trabalha para promover justiça e salvar vidas no corredor da morte da prisão da Baía de Guantánamo – publicou um artigo no jornal britânico The Guardian, onde fala sobre a censura a livros nesta penitenciária. Entre as obras proibidas pelos militares censores estão contos de fadas como Cinderela, O Gato de Botas e João e o Pé de Feijão. “Talvez os militares temam que depois de ler João e o Pé de Feijão os presos escapem através do plantio de sementes mágicas” escreveu Smith. Na lista de livros proibidos ainda aparece Crime e Castigo de Dostoievski e O mercador de Veneza de Shakespeare.

Guantánamo é uma prisão militar de propriedade dos EUA e, segundo a Cruz Vermelha Internacional, os presos são vítimas de tortura, em desrespeito aos direitos humanos e à convenção de Genebra. É nessas horas que a gente pensa que poderiam existir fadas madrinhas de verdade.

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Depois do almoço, Dostoiévski

Por José Antonio Pinheiro Machado*

Conheci Dostoiévski em Xangrilá, depois do almoço. É uma das tantas dívidas que o Ivan e eu temos com nosso pai: na base do centralismo democrático stalinista, ligeiramente tropicalizado, o pai nos impôs um programa obrigatório de leituras. Longe da cidade que é hoje, a Xangrilá da nossa adolescência era um descampado, o Nordestão desenhando cômoros no areal entre as poucas casas. Não havia muito o que fazer: depois do banho de mar, o almoço demorado e, a partir daquele dia, a tarde começava com duas horas de Dostoiévski.

O livro escolhido para minha iniciação, nos dias de hoje, talvez provocasse a intervenção do Conselho Tutelar ou do Juizado da Infância e da Juventude: Crime e Castigo! Abri contrafeito o pesado volume encadernado em couro e, logo depois de ler os primeiros parágrafos, ainda me recordo do impacto inesperado. Anos se passaram, e Jorge Luis Borges, na escuridão de sua cegueira, iluminaria, em duas frases, aquela minha perplexidade juvenil: “Como a descoberta do amor, como a descoberta do mar, a descoberta de Dostoiévski marca uma data memorável de nossa vida. Em geral, corresponde à adolescência; a maturidade busca e descobre escritores serenos”.

Naquele dia, por momentos o Nordestão deixou de assobiar, o céu azul do azul lavado pela chuva, do verso de Paulo Mendes Campos, perdeu sua atração irresistível, e o dia límpido e ensolarado lentamente foi substituído pela urgência da emoção nova e avassaladora daquela primeira leitura. Borges deve ter vivido algo parecido na juventude em Genebra: “Ler um livro de Dostoiévski é penetrar em uma grande cidade, que desconhecemos, ou nas sombras de uma batalha”. A história do jovem Raskolnikov é soberba, contada de forma magnífica. Estudante pobre, cheio de sonhos, divide os indivíduos entre ordinários e extraordinários e se impõe a missão de fazer algo realmente importante, ainda que seja uma violação às leis. Escolhe matar com violência uma velha agiota e, ao fugir, também assassina a irmã da vítima, que apareceu de surpresa e testemunhou o crime. Rouba algumas joias, que acaba por descartar, atormentado pela culpa. O romance brilha no relato do remorso sem remédio que persegue o personagem como uma danação. Quando um inocente é preso, Raskolnikov assume o crime e é condenado. Diversas histórias paralelas reforçam o eixo principal da narrativa, entre elas, a relação do protagonista com Sonia, que o encoraja a confessar o crime. Toda a miséria e toda a grandeza da condição humana transbordavam daquelas páginas. Mas nem todos se emocionaram tanto assim. No prefácio de uma antologia da literatura russa, Nabokov escreveu que não encontrou uma única página de Dostoiévski digna de ser incluída. Borges recusou essa afronta com uma verdade salpicada de ironia: “Isso quer dizer que Dostoiévski não deve ser julgado por páginas soltas, e sim pela soma de páginas que compõe o livro”.

* Crônica publicada originalmente na Coluna do Anonymus Gourmet, publicada no caderno Gastrô do Jornal Zero Hora em 6 de dezembro de 2013.

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Autor de hoje: Fiódor Dostoiévski

Moscou, Rússia, 1821 – † São Petersburgo, Rússia, 1881

Engenheiro e militar, dedicou-se à literatura, levando uma vida boêmia e desregrada. Ainda em vida, foi considerado um os escritores mais populares da Rússia. Simpático às idéias democráticas, combateu o regime autoritário do tsar, ligando-se a grupos anarquistas. Acusado de subversão, preso e condenado à morte, sua pena foi comutada pela de exílio na Sibéria. Em 1859, fixou residência em São Petersburgo, transformando suas duras experiências nos romances Humilhados e ofendidos (1861) e Memórias da casa dos mortos. Trabalhou como jornalista e teve uma vida tumultuada, fugindo para a França ao ser pressionado por credores de dívidas de jogo. Retornou à Rússia, onde escreveu seus melhores romances, dentre os quais Crime e castigo, O idiota e Os irmãos Karamazóv. Antecipando-se à moderna psicologia, explorou em sua obra os motivos ocultos e chegou a compreender, de modo intuitivo, o funcionamento do inconsciente, o sofrimento psíquico, os sonhos e as perturbações causados pelo desequilíbrio mental.

OBRAS PRINCIPAIS: Memórias da casa dos mortos, 1861-1862; Notas do subsolo, 1864; Crime e castigo, 1866; O jogador, 1867; O idiota, 1868; Os irmãos Karamazóv, 1880

FIÓDOR DOSTOIÉVSKI por Fernando Mantelli

Fiódor Mikháilovitch Dostoiévski nasceu em 1821 em Moscou. Estreia na literatura em 1846 com Gente pobre, novela narrada através de cartas, em que já aparecem suas personagens correntes, os humilhados e ofendidos. Em O sósia (1846), Dostoievski antecipa questões da psicanálise, trata da duplicação das almas, dos seus temas favoritos. Seguem-se os contos longos “O senhor Prokhartchin” e “A senhorita”, ambos de 1847. Em abril desse ano, sua carreira é interrompida: Dostoiévski é preso por motivos políticos e acaba sendo condenado à morte. Em dezembro de 1849, é levado ao pelotão de fuzilamento: lida a sentença, beijam a cruz, preparam trajes para a morte, prendem três homens aos postes, chamavam de três em três, Dostoievski na segunda fila; então interrompem a execução, anunciando a substituição da pena de morte por quatro anos de trabalhos forçados. Na Sibéria, Dostoiévski tem seu primeiro contato com criminosos, tema que nunca deixou de fasciná-lo. Lá nascem as Memórias da casa dos mortos, o primeiro dos seus chamados grandes romances. Livre, volta a São Petersburgo em 1859, publica O sonho do titio e A aldeia Stiepántchikovo e seus moradores. Em 1861, Humilhados e ofendidos e, em 1862, as Memórias. Em 1864, é a vez de Notas do subsolo, em que suas principais discussões filosóficas aparecem: alguém impôs um limite, cabe ao homem parar diante desse limite e se igualar ao resto ou ultrapassá-lo, ainda que à custa de sacrifícios.

A partir de Crime e castigo, inicia a etapa dos grandes romances: O idiota, Os demônios (1872), O adolescente (1875) e Os irmãos Karamazóv. É nesses cinco livros que o universo dostoiévskiano se revela em toda a sua forma. Sua multiplicidade de personagens, um diferente do outro, cada qual falando com a própria voz, aprofundando a noção do humano. E esta é, quem sabe, a maior qualidade de Dostoiévski: o modo como descreve as emoções humanas. Se em suas páginas abundam diálogos metafísicos e religiosos, conceitos políticos, filosóficos e éticos, tudo, porém, vai ao encontro da psicologia de seus personagens, animando-os. São pessoas que, além de pensar, expressam seus sentimentos. Cada personagem traz, dentro de si, seu oposto e vive a interrogar-se sobre o seu verdadeiro caráter. Tudo nelas é em dobro, unindo-se o bem e o mal, o amor e o ódio. Dostoiévski não se satisfaz em colocar de um lado os bons e do outro os maus.

A obra de Dostoiévski retrata a realidade? Importa que parece real, crível. Ele não recria nossa realidade, cria uma nova, completa, que parece real porque não tem contradições internas. Uma realidade intensa, de emoções intensas. Emoções semelhantes às quais ele próprio enfrentou em vida – no simulacro de execução, nas crises de epilepsia, no vício da roleta, na morte do filho. Dostoiévski não tem medo das emoções.

Guia de Leitura – 100 autores que você precisa ler é um livro organizado por Léa Masina que faz parte da Coleção L&PM POCKET. Todo domingo,você conhecerá um desses 100 autores. Para melhor configurar a proposta de apresentar uma leitura nova de textos clássicos, Léa convidou intelectuais para escreverem uma lauda sobre cada um dos autores.