Por Caroline Chang*
Uma das boas coisas que me trouxe o mestrado foi a leitura de As aventuras de Robinson Crusoé, para uma disciplina de teoria do gênero. Nunca havia eu lido a obra mais conhecida de Daniel Defoe (1660-1731), publicada em 1719, e que – bem aos moldes do que se fazia nesse período em que o romance se estabelecia como forte gênero literário -, se pretende um manuscrito encontrado, que conta uma história real. “O editor acredita que se trata de uma história verídica; não existe nela qualquer aparência de ficção”, diz o prefácio. Assim, Robinson Crusoé teria de fato existido; teria de fato ignorado os conselhos paternos para seguir uma vida mediana de temperança e partido para longas viagens; teria realmente naufragado sucessivas vezes, e sobrevivido; teria sido feito escravo, e posteriormente teria se tornado senhor de uma ilha, onde teria conhecido e convertido ao cristianismo o selvagem Sexta-Feira.
Ao romance, como se vê, não faltam peripécias nem reviravoltas. O que mais me ficou da leitura, porém, foi um prazer a uma ideia um tanto pueril, que encontra expressão nos trechos em que o protagonista, preso numa ilha deserta e selvagem, precisa encontrar maneiras de “reconstruir” parte da civilização, para poder sobreviver. Assim ele fabrica ferramentas, planta, caça, cria animais, constrói uma cabana com matéria-prima tirada da natureza e aprende a fazer cerâmica.
Quem jamais se pensa numa ilha deserta, deserta também dos chatos, de contas a pagar, de poluição, trânsito, Big Brothers e outros subprodutos da nossa civilização? Quem jamais acarinhou a fantasia de fazer tudo com as próprias mãos?; “sem precisar de ajuda de ninguém”, pensa a criança; “sem lojas, cartão de crédito, vínculo empregatício ou ajuste anual de imposto de renda”, pensa o adulto.
Em tempo: segue a dica de um “companheiro” ótimo para a leitura ou releitura desse que é um dos livros fundadores do romance moderno: “A ascensão do romance”, de Ian Watt.
* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis. Caroline Chang é jornalista e editora da L&PM.