A Divina Comédia, de Dante Alighieri, acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket com tradução de Eugênio Vinci de Moraes. Para conhecer melhor essa versão da mais célebre jornada do inferno ao paraíso, leia um texto de nossa editora, Caroline Chang, seguida de uma entrevista com o tradutor.
Lá se vão quase 4 anos que escrevi a Eugenio Vinci de Moraes convidando-o a realizar uma nova tradução de A divina comédia, de Dante Alighieri. Na ocasião, eu sabia que o Eugênio – que é professor universitário de literatura e portanto não é tradutor em tempo integral – não entregaria o trabalho no prazo combinado (de vários meses), nem mesmo nos acréscimos. Mas não imaginaria que só lançaríamos sua nova tradução em prosa da obra-prima de Dante somente no outono de 2016! (Bem, isso é um pouco da beleza do ofício de editor de livros: partes e fases desse lento e minucioso processo não cessam de extrapolar o esperado e nos surpreender, numa paródia da vida.) Mas valeu por esperar. Após dezenas e dezenas de meses em que pingaram na minha caixa de e-mail cantos do inferno, então do purgatório e do paraíso, e só depois do texto todo revisado, o leitor tem em mãos uma belíssima edição, que perdurará anos a fio. Apresenta o clássico de Dante – um dos livros mais influentes de todos os tempos – belamente traduzido em prosa. Perde-se, é verdade, a rima poética do original italiano, mas ganha-se, por outro lado, a melhor compreensão da complexa jornada de sete dias do personagem Dante em busca da excelência moral e espiritual. Também facilitam a leitura: a completa, porém acessível (que equilíbrio difícil!) apresentação, que transmite ao leitor o que se sabe e o que não se sabe sobre a vida de Dante e o contexto de surgimento da obra; uma breve visão geral do universo tal como apresentado na Comédia, uma nota introdutória sobre a organização do inferno, do paraíso e do purgatório; breves resumos do enredo no início de cada canto; e curtas notas de rodapé – tudo preparado pelo Eugênio com muito, muito esmero. O mercado brasileiro já contava com 3 traduções em versos do clássico de Dante. Agora conta com a mais bem-cuidada edição em prosa desse grande épico italiano. (Caroline Chang)
A seguir, uma entrevista com o tradutor Eugênio Vinci de Moraes, doutor em Literatura Brasileira pela Universidade se São Paulo, com uma tese intitulada “A Tijuca e o Pântano. A Divina comédia na obra de Machado de Assis entre 1870 e 1881”. Eugênio é professor do Centro Universitário Uninter do Paraná e também traduziu, entre outras, A arte da guerra, de Maquiavel (L&PM Editores). Eugênio também é responsável pela ótima apresentação de A Divina Comédia, intitulada “Uma semana entre os mortos”.
L&PM: “A Divina Comédia” foi, originalmente, escrita em verso. Na sua opinião, a versão em prosa facilita a leitura dessa obra?
Eugênio: Creio que sim, pois a prosa é a forma do discurso com a qual estamos mais acostumados. Isso pode ajudar o leitor. Claro que isso vai depender da tradução e das decisões do tradutor ao fazer a versão. Além disso, algumas traduções em verso às vezes ficam mais difíceis de compreender do que os versos do original, pois são obrigadas a respeitar a métrica e as rimas no português, o que é dificílimo fazer. Por essa razão algumas vezes o texto em português fica mais difícil de compreender do que o italiano. Mas isso dependerá também do leitor. Aquele mais acostumado a ler versos, encara a leitura da Comédia com menos dificuldade.L&PM: Como é feita essa adaptação de poesia para prosa?
Eugênio: Primeiro tive que estabelecer alguns critérios. Por exemplo, usar a ordem direta do português – sujeito, verbo, complemento e circunstância – sempre que possível. O italiano do Inferno por exemplo é muito menos rebuscado do que transparece em algumas traduções nacionais dos séculos 19 e início do 20; por isso adotei esse critério. Estabelecidos os critérios, partia da versão em verso do italiano, sempre procurando manter a ordem das ideias e dos eventos do poema, prestando atenção nos recortes temáticos para poder, por exemplo, organizar os parágrafos, ausentes no poema. Depois, nas várias passagens problemáticas e complexas, consultava as traduções em verso.L&PM: Qual foi a versão original italiana que você utilizou para realizar sua tradução?
Eugênio: Foi a do Giorgio Petrocchi. É uma versão muito detalhada que este autor fez, com base nos manuscritos e códices mais conhecidos da obra. Não existe nenhum original da Comédia, ou melhor, não há nenhum manuscrito desta obra assinado por Dante. O que existem são versões que foram sendo estabelecidas no correr dos anos após a redação final do texto.L&PM: Como é possível que um texto de 700 anos siga fascinando os leitores?
Eugênio: Acho que a viagem pelo reino dos mortos é um tema humano que atrai muitos leitores, haja vista a febre por séries com mortos-vivos, zumbis, que vemos hoje por aí. A Comédia é muito interessante porque o inferno, o grotesco e mesmo o fantástico são pano de fundo para a discussões humanas seminais, como a moral, a política, a religião, articuladas a reação pessoal dos personagens envolvidos em vários eventos pessoais, históricos etc.. Esses assuntos acabam circundados por uma atmosfera trágica (caso do Inferno), dramática (caso do Purgatório) e lírica (Paraíso) que dão a eles uma força única. Agora, sinceramente, não sei o alcance desta obra em termos de recepção real, de número de leitores. Muitos conhecem a COmédia, possuem o livro até, mas quantos o leem não faço ideia.L&PM: Consultar outras versões, mais antigas, em português facilita ou atrapalha?
Eugênio: Ajuda. Sugiro até que o leitor leia versão em prosa acompanhada de versões em verso. Até mesmo em italiano.L&PM: Célebres escritores verteram alguns cantos de Dante, como Machado de Assis e Mário de Andrade? Qual a sua opinião sobre essas traduções?
Eugênio: Machado traduziu um canto; Mário de Andrade, não. O Mário analisou um poema de Machado (“Última jornada”) onde o modernista viu uma clara “adaptação” do canto V do Inferno. Além de Machado, Dante Milano, Henriqueta Lisboa, Augusto e Haroldo de Campos traduziram esparsamente versos do escritor florentino. As traduções dos irmãos Campos são primorosas; eu as recomendo para quem não lê em italiano (e pra quem lê também) e quer ter uma sensação mais aproximada do lirismo do texto original. A tradução do Machado também é muito boa, evita os torcicolos sintáticos que seus contemporâneos adoravam empregar nas traduções em geral. Muito boas também são as de Dante Milano e da Henriqueta Lisboa. Nenhum desses autores traduziu a obra integralmente, isso só foi feito por tradutores.