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Morre Nydia Guimarães, viúva do escritor Josué Guimarães

Morreu ontem (01 de maio) em Canela, na serra gaúcha, aos 82 anos, Nydia Guimarães, viúva do escritor Josué Guimarães. Tenho de Nydia muitas e ternas lembranças e a mais comovente é o profundo amor que tinha por Josué, a quem carinhosamente chamava de “Jua”. Desde que o grande escritor morreu, em março de 1986, Nydia nunca mais foi a mesma. Recolheu-se a sua bela casa em Canela e foi curtir sua saudades. Eu e meu irmão, José Antonio, conhecemos Nydia, Josué e seus filhos Adriana e Rodrigo quando eles estavam exilados em Lisboa, em 1975. Ambos passamos uma temporada em sua casa em Cascais. Meu irmão estava em Lisboa quando contraiu uma doença estranha e ardia em febre sem que descobrissem a causa. Nydia foi buscá-lo no hotel onde estava e cuidou dele como de um filho. Meses mais tarde, neste mesmo ano de 1975, logo em seguida à Revolução dos Cravos, cheguei em Lisboa e tive o mesmo tratamento afetivo e carinhoso. No ano seguinte, Paulo Lima e eu passaríamos a editar “É tarde para saber” e daí para frente publicaríamos todos os livros de Josué. Foram quase 40 anos de convívio com Nydia. Embora distante nos últimos anos, pois ela morava em Canela, sempre tínhamos notícias suas. Ao seu lado, Josué encontrou a paz que foi fundamental para escrever toda a sua grande obra. Para nós fica a lembrança da sua gentileza, do carinho, da lealdade e da sincera atenção que tinha para com os amigos e, sobretudo, do seu amor inabalável por Josué que durou até o último segundo da sua vida. (Ivan Pinheiro Machado)

Paulo Lima e Ivan Pinheiro Machado com Nydia, Josué e seus filhos

Nydia foi a grande companheira de Josué Guimarães

Nunca é tarde para ler Josué Guimarães

SOMBRAS E DORES DA DITADURA

Sergius Gonzaga*

"É tarde para saber" foi o quinto romance escrito por Josué Guimarães

Quando Josué Guimarães escreveu É tarde para saber, em 1976, o Brasil ainda vivia sob o signo de uma longa ditadura militar que se estendeu por vinte anos (1964-1984). Apesar de seu projeto desenvolvimentista, do crescimento econômico ocorrido, em especial nos primeiros anos da década de 1970, e da unificação definitiva do país através de uma múltipla rede de comunicações (televisão, correios, telefonia), o regime autoritário trouxe consigo um universo de sombras e dores. (…) Centenas de rapazes e moças, ultrapassando o medo, a dor, a ameaça da tortura – praticada indiscriminadamente em quartéis e delegacias de polícia -, ultrapassando o próprio horror à morte, fizeram da luta armada a sua situação-limite, o seu enfrentamento radical com o sistema. Despreparados do ponto de vista militar, sem entender o processo social, cultural e econômico que o Brasil experimentava, sem lideranças capazes ou representativas, sem calcular a força brutal do inimigo, inocentes e, ao mesmo tempo, aventureiros, muitos desses jovens foram fácil e impiedosamente derrotados pelas forças repressivas.

Escrever sobre um deles, como Josué o fez em É tarde para saber, exigia coragem e sutileza, porque a ditadura continuava com seu manto assustador de censura, intimidação e controle das existências individuais. Coube também ao escritor, através da figura de Mariana, evocar uma parte da juventude brasileira que se mantinha alienada do que ocorria nos substerrâneos do regime. Fez isso sem acusá-la ou reprová-la. Simplesmente desvelou sua inocente inconsciência, produzindo assim um estranho romance político em que não se discute política. Por isso, mais do que uma bela história de amor adolescente, mais do que um Romeu e Julieta ambientado no Rio de Janeiro de algumas décadas atrás, mais do que um relato de suspense, esta novela é uma obra de grande tradição realista brasileira e ocidental: uma obra que, simultaneamente, mostra e desmascara o seu tempo histórico.

* Sergius Gonzaga é Secretário de Cultura de Porto Alegre, professor, editor, especialista em literatura brasileira e grande conhecedor da obra de Josué Guimarães. Este texto é parte da introdução da edição de É tarde para saber da Coleção L&PM Pocket.

7. Josué & Millôr, os primeiros grandes autores

Por Ivan Pinheiro Machado*

Josué Guimarães foi autor de obras-primas como os romances “A Ferro e Fogo – Tempo de Solidão”, “A Ferro e Fogo – Tempo de Guerra”, “É Tarde para saber”, “Camilo Mortágua”, “Enquanto a noite não chega”, entre outros. Era amigo e cliente do meu pai. Por ter sido colaborador de Jango e Brizola, a ditadura nunca largou o pé do Josué, a ponto dele ter que refugiar-se primeiro em Santos, São Paulo, com nome falso e mais tarde em Lisboa, onde testemunharia a Revolução dos Cravos em 1975. A propósito do movimento que acabou com o regime truculento do ditador Salazar, escreveu o livro “Lisboa Urgente”, publicado pela editora Civilização Brasileira que pertencia ao seu amigo Enio Silveira. Foi nesta época que eu o conheci. Estava indo para Frankfurt e tinha uma escala em Lisboa. Meu pai pediu para que eu fosse portador de uma encomenda para o Josué. Quando desembarcamos em Lisboa para pegar a conexão para Frankfurt, o Josué me aguardava no aeroporto. Conversamos uma meia hora, entreguei o pacote e ele convidou-me para passar uns dias em sua casa em Cascais quando retornasse de Frankfurt. Dito e feito. Uma semana depois, cheguei à capital portuguesa e fui desfrutar da maravilhosa hospitalidade de Nídia e Josué. Foram dias inesquecíveis, não só pelo carinho dos anfitriões, mas pelo clima que se vivia em Lisboa. Era uma verdadeira festa de libertação que não acabava nunca. E pra quem, como eu, chegava de um país dominado por uma sombria ditadura, curtir Lisboa naquele ano de 1976, com vinte e poucos anos, era uma experiência pra nunca mais esquecer. Certa noite, depois do jantar, Josué abriu uma garrafa de vinho verde e me chamou pra sacada de sua bela casa. “Vem cá, guri, vamos conversar”. Obedeci, curioso. Josué foi direto ao ponto. “Tu queres publicar um livro meu?” Eu quase caí da cadeira.

A L&PM engatinhava, tinha publicado só 3 ou 4 livros e o Josué completava, com Erico Veríssimo e Dyonélio Machado, o trio de autores gaúchos com renome nacional no início dos anos 70. Obviamente eu disse sim. “Meu editor brasileiro me pediu pra modificar um romance que enviei para publicação. O principal personagem é um rapaz que atua na guerrilha urbana, é comunista e vive na clandestinidade. Ele conhece uma moça normal, de classe média, e eles se apaixonam, mas ela não sabe das atividades dele. Meu editor está com medo dos milicos. Não vou mudar o livro, vou mudar de editora. Toma os originais, lê e amanhã me diz alguma coisa, boa noite!” Comecei a ler naquela hora mesmo, 11 horas da noite. Às 3 da madrugada eu tinha terminado o livro com um nó na garganta. Mal conseguia dormir. A perspectiva de publicar um grande livro de um grande autor, era excitante demais para pegar no sono. Em julho de 1976, a L&PM lançava “É tarde para saber”, com capa do grande pintor gaúcho Nelson Jungbluth. O lançamento foi numa memorável tarde de autógrafos na tradicional Livraria Lima, em Porto Alegre. Foram milhares de livros vendidos na época. E vende muito até hoje, quando seguimos publicando a obra completa de Josué Guimarães.

Um mês depois, saiu o livro “Devora-me ou te decifro” do Millôr Fernandes. Ou seja, não dava mais para voltar atrás.

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