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Maradona ao sol e à sombra

Ele foi um gênio indomável. Um baixinho gigantesco que correu como ninguém com uma bola. Ele escorregou, caiu, levantou, equilibrou-se na linha tênue dos prazeres da vida. Ele foi o mais “prima-dona” dos jogadores, o mais argentino dos argentinos. Maradona levantou olas e taças. Segurou na mão de Deus e a pegou emprestada. E marcou seu nome na história dos que jamais serão esquecidos.

R.I.P. Diego Maradona.

Para lembrá-lo e homenageá-lo, compartilhamos aqui trechos de Futebol ao sol e à sombra, livro que Eduardo Galeano escreveu sobre os momentos inesquecíveis e emblemáticos do “fútbol”:

Foi em 1973. Jogavam as equipes infantis de Argentinos Juniors e River Plate, em Buenos Aires. O número 10 do Argentinos recebeu a bola de seu goleiro, evitou o beque central do River e começou a corrida. Vários jogadores foram ao seu encontro: passou a bola por fora de um deles, entre as pernas de outro, e enganou mais um de calcanhar. Depois, sem parar, deixou paralisados os zagueiros e botou o goleiro caído no chão, e se meteu caminhando com a bola na meta rival. No campo tinham ficado sete meninos fritos e quatro que não conseguiam fechar a boca. Aquela equipe de garotinhos, os Cebollitas, estava invicta há cem partidas e tinha chamado a atenção dos jornalistas. Um dos jogadores, Veneno, que tinha treze anos, declarou:

– Jogamos para nos divertir. Nunca vamos jogar por dinheiro. Quando entra dinheiro, todos se matam para ser estrelas, e então chega a hora da inveja e do egoísmo.

Falou abraçado ao jogador mais querido de todos, que também era o mais alegre e o mais baixinho: Diego Armando Maradona, que tinha doze anos e acabava de fazer aquele gol incrível. Maradona tinha o costume de pôr a língua de fora quando estava em pleno impulso. Todos os seus gols tinham sido feitos com a língua de fora. De noite dormia abraçado com a bola e de dia fazia prodígios com ela. Vivia numa casa pobre de um bairro pobre e queria ser técnico industrial.

(Texto “Gol de Maradona”)

MARADONA CEBOLLITA

Na Copa de 86, participaram catorze países europeus e seis americanos, além do Marrocos, Coreia do Sul, Iraque e Argélia. (…) . Mas aquele foi o Mundial de Maradona. Contra a Inglaterra, Maradona vingou com dois gols de esquerda o orgulho pátrio ferido nas Malvinas: fez um com a mão esquerda, que ele chamou de mão de Deus, e o outro com a perna esquerda, depois de ter derrubado no chão a defesa inglesa. A Argentina disputou a final contra a Alemanha. Foi de Maradona o passe decisivo, que deixou sozinho Burruchaga para que a Argentina se impusesse por 3 a 2 e ganhasse o campeonato quando o relógio já marcava o fim da partida, mas antes tinha havido outro gol memorável: Valdano arrancou com a bola desde o arco argentino, cruzou toda a cancha e quando Schumacher saiu para cortar, colocou-a rente à trave direita. Valdano vinha falando com a bola, vinha lhe suplicando: – Por favor, entre. A França se classificou em terceiro lugar, seguida pela Bélgica. O inglês Lineker liderou a lista de artilheiros, com seis gols. Maradona fez cinco, como o brasileiro Careca e o espanhol Butragueño.

(Trecho do texto “O Mundial de 86”)

MARADONA 87

Jogou, venceu, mijou, perdeu. A análise acusou a presença de efedrina e Maradona acabou de mau jeito seu Mundial de 94. A efedrina, que não é considerada droga estimulante no esporte profissional dos Estados Unidos e de muitos outros países, é proibida nas competições internacionais. Houve estupor e escândalo. Os trovões da condenação moral ensurdeceram o mundo inteiro, mas mal ou bem se fizeram ouvir algumas vozes de apoio ao ídolo caído. E não só na sua dolorida e atônita Argentina, mas também em lugares tão longínquos como Bangladesh, onde uma manifestação numerosa rugiu nas ruas repudiando a FIFA e exigindo o retorno do expulso. Afinal de contas, julgá-lo era fácil, e era fácil condená-lo, mas não era tão fácil esquecer que Maradona vinha cometendo há anos o pecado de ser o melhor, o delito de denunciar de viva voz as coisas que o poder manda calar e o crime de jogar com a canhota, que segundo o Pequeno Larousse Ilustrado significa “com a esquerda” e também significa “o contrário de como se deve fazer”. Diego Armando Maradona nunca tinha usado estimulantes, nas vésperas das partidas, para multiplicar seu corpo. É verdade que se metera com cocaína, mas se dopava em festas tristes, para esquecer ou ser esquecido, quando já estava encurralado pela glória e não podia viver sem a fama que não o deixava viver. Jogava melhor do que ninguém, apesar da cocaína, e não por causa dela. Estava esgotado pelo peso de sua própria personagem. Tinha problemas na coluna vertebral, desde o longínquo dia em que a multidão havia gritado seu nome pela primeira vez. Maradona carregava uma carga chamada Maradona, que fazia sua coluna estalar. O corpo como metáfora: suas pernas doíam, não podia dormir sem comprimidos. Não tinha demorado a perceber que era insuportável a responsabilidade de trabalhar como deus nos estádios, mas desde o princípio soube que era impossível deixar de fazê-lo. “Necessito que me necessitem”, confessou, quando já tinha há muitos anos o halo na cabeça, submetido à tirania do rendimento sobre-humano, intoxicado de cortisona, analgésicos e ovações, acossado pelas exigências de seus devotos e pelo ódio dos que ofendera. O prazer de derrubar ídolos é diretamente proporcional à necessidade de tê-los. Na Espanha, quando Goicoechea pegou-o por trás e sem a bola e o deixou fora das canchas por vários meses, não faltaram fanáticos 196 que carregaram nos braços o culpado deste homicídio premeditado, e em todo o mundo não faltaram pessoas dispostas a comemorar a queda do arrogante argentininho intruso nos píncaros, o novo-rico que tinha fugido da fome e se dava ao luxo da insolência e da fanfarronice. Depois, em Nápoles, Maradona foi Santa Maradonna e São Gennaro se transformou em São Gennarmando. Nas ruas vendiam-se imagens da divindade de calções, iluminada pela coroa da virgem ou envolta no manto sagrado do santo que sangra a cada seis meses, e também vendiam-se ataúdes dos times do norte da Itália e garrafinhas com lágrimas de Silvio Berlusconi. Os meninos e os cachorros usavam perucas de Maradona. Havia uma bola ao pé da estátua de Dante e o tritão da fonte vestia a camisa azul do Nápoles. Havia mais de meio século que o time da cidade não ganhava um campeonato, cidade condenada às fúrias do Vesúvio e à derrota eterna nos campos de futebol, e graças a Maradona, o sul obscuro tinha conseguido, finalmente, humilhar o norte branco que o desprezava. Campeonato atrás de campeonato, nos estádios italianos e europeus, o Nápoles vencia, e cada gol era uma profanação da ordem estabelecida e uma revanche contra a história. Em Milão odiavam o culpado desta afronta dos pobres que deixaram seu lugar, chamavam-no presunto cacheados. E não só em Milão: no Mundial de 90, a maioria do público castigava Maradona com furiosas vaias toda vez que tocava a bola, e a derrota argentina frente à Alemanha foi comemorada como uma vitória italiana. Quando Maradona disse que queria ir embora de Nápoles, houve os que lhe lançaram pelas janelas bonecos de cera atravessados por alfinetes. Prisioneiro 197 da cidade que o adorava e da camorra, a máfia dona da cidade, ele já estava jogando contra a vontade, no contrapé; e então, explodiu o escândalo da cocaína. Maradona transformou-se subitamente em Maracoca, um delinquente que se tinha feito passar por herói. Mais tarde, em Buenos Aires, a televisão transmitiu o segundo acerto de contas: a detenção, ao vivo, como se fosse uma partida, para deleite dos que desfrutaram o espetáculo do rei nu que a polícia levava preso. “É um doente”, disseram. E disseram: “Está acabado”. O messias convocado para redimir a maldição histórica dos italianos do sul tinha sido, também, o vingador da derrota argentina na guerra das Malvinas, mediante um gol velhaco e outro gol fabuloso, que deixou os ingleses girando como piões durante alguns anos; mas na hora da queda, o Pibe de Ouro não passou de um farsante cheirador e putanheiro. Maradona tinha traído os meninos e desonrado o esporte. Deram-no como morto. Mas o cadáver levantou-se de um salto. Cumprida a penitência da cocaína, Maradona foi o bombeiro da seleção argentina, que estava queimando suas últimas possibilidades de chegar ao Mundial de 94. Graças a Maradona, chegou lá. E no Mundial, Maradona era outra vez, como nos velhos tempos, o melhor de todos, quando estourou o escândalo da efedrina. A máquina do poder o tinha jurado. Ele lhe dizia de tudo, e isso tem seu preço, o preço se paga à vista e sem descontos. E o próprio Maradona ofereceu a justificativa, por sua tendência suicida de servir-se de bandeja na boca de seus muitos inimigos e por essa irresponsabilidade infantil que o impele a precipitar-se em todas as armadilhas que se abrem em seu caminho. Os mesmos jornalistas que o pressionam com os microfones reprovam sua arrogância e suas zangas e o acusam de falar demais. Não lhes falta razão; mas não é isso que não podem perdoar nele: na verdade, não gostam do que às vezes diz. Este garoto respondão e esquentado tem o costume de lançar golpes para cima. Em 86 e em 94, no México e nos Estados Unidos, denunciou a ditadura onipotente da televisão, que obrigava os jogadores a extenuar-se ao meio-dia, esturricando-se ao sol, e em mil e uma ocasiões, ao longo de toda a sua acidentada carreira, Maradona disse coisas que mexeram em casa de marimbondos. Ele não foi o único jogador desobediente, mas foi sua voz que deu ressonância universal às perguntas mais insuportáveis: Por que o futebol não é regido pelas leis universais do direito do trabalho? Se é normal que qualquer artista conheça os lucros do show que oferece, por que os jogadores não podem conhecer as contas secretas da opulenta multinacional do futebol? Havelange se cala, ocupado com outros afazeres, e Joseph Blatter, burocrata da FIFA que nunca chutou uma bola mas anda em limusines de oito metros com motorista negro, limita-se a comentar:

– O último astro argentino foi Di Stéfano.

Quando Maradona foi, finalmente, expulso do Mundial de 94, os campos de futebol perderam seu rebelde mais clamoroso. E perderam também um jogador fantástico. Maradona é incontrolável quando fala, mas muito mais quando joga: não há quem possa prever as diabruras deste criador de surpresas, que jamais se repete e goza desconcertando os computadores. Não é um jogador veloz, tourinho de pernas curtas, mas leva a bola costurada no pé e tem olhos em todo o corpo. Seus malabarismos inflamam o campo. Ele pode resolver uma partida disparando um tiro fulminante de costas para o gol ou servindo um passe impossível, de longe, quando está cercado por milhares de pernas inimigas, e não há quem o pare quando se lança a driblar adversários. No frígido futebol do fim de século, que exige ganhar e proíbe divertir-se, este homem é um dos poucos que demonstra que a fantasia também pode ser eficaz.

(Texto “Maradona”)

MARADONA 94

O mapa literário mundial

O blog Indy100, do jornal britânico The Independent, apresentou esta semana um mapa da literatura mundial no qual cada país é representado por seu livro mais famoso ou importante.

Ele provavelmente vai despertar divergências — e quem sabe alguma revolta. Por que usaram a capa da HQ de Dom Casmurro e não do romance (óbvio que se enganaram)? Por que não Dom Quixote na Espanha e sim o bestseller Sombras ao Vento, de Carlos Ruiz Zafón?

Mesmo assim, o mapa é bem interessante e traz vários títulos publicados no Brasil pela L&PM. Alguns bem clássicos como Orgulho e Preconceito, de Jane Austen (Inglaterra); A Metamorfose, de Kafka (Alemanha); Guerra e Paz, de Tolstói (Rússia). E outros mais inusitados como Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano (Uruguai) e a HQ Aya de Yopougon, de Marguerite Abouet (Costa do Marfim).

MAPA DA LITERATURA MUNDIAL

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Uma homenagem a Di Stéfano

Na manhã desta segunda-feira, 7 de julho, aos 88 anos, morreu Alfredo Di Stéfano,  craque argentino e presidente de honra do Real Madrid. O ídolo das décadas de 1950 e 1960 estava internado no hospital Gregorio Marañón, em Madri, desde sábado e teve uma parada cardiorrespiratória.

Em Futebol ao sol e à sombra, Eduardo Galeano escreve sobre Di Stéfano:

Futebol_ao_sol_e_a_sombra_CONVENCIONALDi Stéfano

O campo inteiro cabia nas suas chuteiras. A cancha nascia de seus pés, e de seus pés crescia. De arco a arco, Alfredo Di Stéfano corria e corria pelo gramado: com a bola, mudando de rumo, mudando de ritmo, de trotezinho cansado ao ciclone incontido; sem a bola, deslocando-se para os espaços vazios e buscando ar quando o jogo ficava congestionado.

Nunca parava quieto. Homem de cabeça erguida via o campo inteiro e o atravessava a galope, abrindo brechas para lançar o assalto. Estava no princípio, durante e no final das jogadas de gol, e fazia gols de todas as cores:

Socorro, socorro, aí vem a flecha voando a jato.

Na saída do estádio, era carregado pela multidão.

Di Stéfano foi o motor das três equipes que maravilharam o mundo nos anos 40 e 50: River Plate, onde substituiu Pedernera; Milionários de Bogotá, onde deslumbrou o mundo, ao lado de Pedernera; e o Real Madrid, onde foi o maior artilheiro da Espanha durante cinco anos seguidos. Em 1991, anos depois de Di Stéfano ter pendurado as chuteiras, a revista France Football deu o título de melhor jogador de futebol europeu de todos os tempos a este jogador nascido em Buenos Aires.

Alfredo Di Stéfano em ação

Alfredo Di Stéfano em ação

Futebol: uma guerra dançada

“A guerra dançada”, trecho do livro Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano:

No futebol, sublimação ritual da guerra, onze homens de calção acabam sendo a espada vingadora do bairro, da cidade ou da nação. Estes guerreiros sem armas nem couraças exorcizam os demônios da multidão e confirmam sua fé: em cada confronto entre duas equipes, entram em combate velhos ódios e amores herdados de pai para filhos.

O estádio tem torres e estandartes, como um castelo, e um fosso fundo e largo ao redor do campo. No meio, uma raia branca assinala os territórios em disputa. Em cada extremo, aguardam os arcos,  que serão bombardeados por boladas. Em frente aos arcos, a área se chama zona de perigo.

No círculo central, os capitães trocam flâmulas e se cumprimentam como manda o ritual. Soa o apito do árbitro e a bola, outro vento assobiador, põe-se em movimento, A bola vai e vem e um jogador leva essa bola e passeia com ela até que alguém lhe dá uma trombada e ele cai escarranchado. A vítima não se levanta. Na imensidão da grama verde, jaz o jogador. E na imensidão das arquibancadas, as vozes trovejam. A torcida inimiga ruge amavelmente:

– Morre!
– Que se muera!
– Devi morire!
– Tuez-le!
– Mach ihn nieder!
– Let him die!
– Kill kill kill!

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Camus, o goleiro que não podia gastar a sola de sapato

Camus

Em 1930, Alberto Camus era o São Pedro que tomava conta da porta da equipe de futebol da Universidade de Argel. Tinha se acostumado a jogar como goleiro desde menino, porque essa era a posição onde o sapato gastava menos sola. Filho de família pobre, Camus não podia se dar ao luxo de correr pelo campo: toda noite, a avó revisava as solas e dava uma surra nele, se estivessem gastas.

Durante seus anos de goleiro, Camus aprendeu muitas coisas:

– Aprendi que a bola nunca vem para a gente por onde se espera que venha. Isso me ajudou muito na vida, principalmente nas grandes cidades, onde as pessoas não costumam ser aquilo que a gente acha que são as pessoas direitas.

Também aprendeu a ganhar sem se sentir Deus e a perder sem se sentir um lixo, sabedorias difíceis, e aprendeu alguns mistérios da alma humana, em cujos labirintos soube se meter depois, em viagem perigosa, ao longo de seus livros.

Trecho de Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano.

Albert Camus jogou desde menino como goleiro, posição escolhida porque era a que menos gastava a sola do sapato. Ele é o menino de boné.

Albert Camus jogou desde menino como goleiro, posição escolhida porque era a que menos gastava a sola do sapato. Ele é o menino de boné.

O árbitro por Eduardo Galeano

O árbitro

O árbitro é arbitrário por definição. Este é o abominável tirano que exerce sua ditadura sem oposição possível e o verdugo afetado que exerce seu poder absoluto com gestos de ópera. Apito na boca, o árbitro sopra os ventos da fatalidade do destino e confirma ou anula os gols. Cartão na mão, levanta as cores da condenação: o amarelo, que castiga o pecador e o obriga ao arrependimento, ou o vermelho, que o manda para o exílio.

(…)

Ninguém corre mais do que ele. É o único obrigado a correr o tempo todo. Este intruso que ofega sem descanso entre os vinte e dois jogadores galopa como um cavalo, e a recompensa por tanto sacrifício é a multidão que exige sua cabeça. Do princípio ao fim de cada partida, suando em bicas, o árbitro é obrigado a seguir a bola branca que vai e vem entre os pés alheios. É evidente que adoraria brincar com ela, mas nunca essa graça lhe foi concedida. Quando a bola, por acidente, bate em seu corpo, todo o público lembra de sua mãe. E, no entanto, pelo simples fato de estar ali, no sagrado espaço verde onde a bola gira e voa, ele aguenta insultos, vaias, pedradas e maldições.

Às vezes, raras vezes, alguma decisão do árbitro coincide com a vontade do torcedor, mas nem assim consegue provar sua inocência. Os derrotados perdem por causa dele e os vitoriosos ganham apesar dele. Álibi de todos os erros, explicação para todas as desgraças, as torcidas teriam que inventá-lo se ele não existisse. Quanto mais o odeiam, mais precisam dele.

Durante mais de um século, o árbitro vestiu-se de luto. Por quem? Por ele. Agora, disfarça com cores.

De Futebol ao sol e à sombra, de Eduardo Galeano, publicado em formato pocket e convencional.

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Eduardo Galeano é o Pelé da literatura sobre futebol, aponta jornal britânico

O Pelé da literatura sobre futebol não é um brasileiro, mas o escritor uruguaio Eduardo Galeano. A afirmação foi feita pelo jornalista esportivo do jornal britânico “The Guardian” Richard Williams, que preparou uma lista dos melhores livros esportivos para se ler durante a Copa do Mundo.

Williams cita algumas obras, mas, segundo ele nenhuma supera “Futebol ao Sol e à Sombra”, de Galeano, que é publicado pela L&PM Editores em pocket e também em formato convencional e e-book.

Ágil e emotivo, o livro de Galeano traz muitas histórias sobre mundiais. E não é preciso ser um apaixonado pela bola para apreciá-lo. Basta se apreciar a boa literatura.

 Via Folha de S. Paulo

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GARRINCHA

Algum de seus muitos irmãos batizou-o de Garrincha, que é o nome de um passarinho inútil e feio. Quando começou a jogar futebol, os médicos o desenganaram: diagnosticaram que aquele anormal nunca chegaria a ser um desportista. Era um pobre resto de fome e de poliomelite, burro e manco, com um cérebro infantil, uma coluna vertebral em S e as duas pernas tortas para o mesmo lado.

Nunca houve um ponta direita como ele. No Mundial de 58, foi o melhor em sua posição. No Mundial de 62, o melhor jogador do campeonato. Mas ao longo de seus anos nos campos, Garrincha foi além: ele foi o homem que deu mais alegria em toda a história do futebol.

Quando ele estava lá, o campo era um picadeiro de circo; a bola, um bicho amestrado; a partida, um convite à festa. Garrincha não deixava que lhe tomassem a bola, menino defendendo sua mascote, e a bola e ele faziam diabruras que matavam as pessoas de riso: ele saltava sobre ela, ela pulava sobre ele, ela se escondia, ele escapava, ela o expulsava, ela o perseguia. No caminho, os adversários trombavam entre si, enredavam-se nas próprias pernas, mareavam, caíam sentados.

(…)

O futebol de Eduardo Galeano

futebol ao sol e a sombraFutebol ao sol e à sombra é um livro ágil e emocionante como uma boa partida de futebol. Isso porque, nele, Eduardo Galeano mostra que é mais do que um célebre escritor, mais do que autor de As veias abertas da América Latina. Galeano revela o apaixonado que é pela bola que rola entre entre as quatro linhas em busca do gol. E é cheio de paixão que ele começa seu livro  falando sobre tudo o que está relacionado com o futebol – os jogadores, o ídolo, o técnico, o árbitro, o torcedor, o fanático, a bola, o gol e por aí vai –  e segue contando pequenas e verdadeiras histórias que aconteceram ao longo de todas as Copas do Mundo.

O gol

O gol é o orgasmo do futebol. E, como o orgasmo, o gol está cada vez menos frequente na vida moderna. Há mais de meio século, era raro que uma partida terminasse sem gols: 0 a 0, duas bocas abertas, dois bocejos. Agora, os onze jogadores passam toda a partida pendurados na trave, dedicados a evitar os gols e sem tempo para fazer nenhum. O entusiasmo que se desencadeia cada vez que a bola sacode a rede pode parecer mistério ou loucura, mas é preciso levar em conta que o milagre é raro. O gol, mesmo que seja um golzinho, é sempre goooooooooooooool na garganta dos locutores de rádio, um dó de peito capaz de deixar Caruso mudo para sempre, e a multidão delira e o estádio se esquece que é de cimento, se solta da terra e vai para o espaço.

 

 

O dia em que Eduardo Galeano achou que estava no inferno

A notícia foi divulgada na semana passada em Montevidéu e vale a pena ser contada aqui. Principalmente para os que sabem o que é torcer por um time de futebol. Pouco mais de uma semana atrás, o escritor Eduardo Galeano passou alguns dias internado no Hospital Britânico de Montevidéu para realização de exames. Nesse período, deu entrada no mesmo hospital, com fratura dupla, o volante e ídolo da torcida do Peñarol, Tony Pacheco. O jogador foi alojado em um quarto ao lado de Galeano que, por sua vez, é torcedor fanático do time adversário, o Nacional. Eis que ao acordar de uma anestesia e ao se aproximar de seu quarto, Galeano, ainda meio zonzo, viu os corredores do hospital tomados de fãs do Peñarol com suas camisas e bandeiras. O jornalista uruguaio Darwin Desbocatti, que estava no local, relatou por rádio que, naquele momento, Galeano começou a gritar angustiado: “Estou no inferno! Estou no inferno!”. Passado o pesadelo e recuperado do susto, o escritor e o jogador acabaram trocando livros. Galeano ofereceu Os filhos dos dias e recebeu de Pacheco a sua autobiografia Simplesmente Tony. Digamos que foi praticamente como trocar camisas no final de um jogo.

São histórias como esta que Eduardo Galeano conta em seu livro Futebol ao sol e à sombra, um de seus tantos títulos publicados pela L&PM.

O novo livro de Galeano

Por Jaime Cimenti*

Os filhos dos dias é o mais novo livro do jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano, que vive, caminha e escreve em Montevidéu, aos 72 anos, e segue como um dos grandes nomes da intelectualidade contemporânea. Galeano escreveu o clássico moderno As veias abertas da América Latina – denunciando a exploração europeia – e já recebeu prêmios importantíssimos como o Casa de las Américas de Cuba, o Dagerman da Suécia e o Cultural Freedom Prize, da Lannan Foundation dos Estados Unidos. Sua obra mescla, sem medo e sem cerimônia, com criatividade, gêneros literários diversos, como a poesia, a narração, o ensaio e a crônica. Memórias e memórias inventadas também entram, claro. Ao longo de várias décadas de trabalho, Galeano notabilizou-se por recolher as vozes e as almas das ruas em obras como Bocas do tempo, De pernas pro ar, Futebol ao sol e à sombra e O livro dos abraços. Nessa nova obra, Os filhos dos dias, Galeano utilizou o formato de calendário para contar uma história para cada dia do ano. Na primeira página ele deseja que o dia seja alegre como as cores de uma quitanda. Na última, ele fala de morte, de febre terçã e da palavra abracadabra, que, em hebraico queria dizer e continua dizendo: envia o teu fogo até o final. Pois é, para o dia 16 de julho, Galeano traz a história daquele jogo da Seleção Brasileira contra o Uruguai em 1950, quando o Maracanã abrigou duzentas mil estátuas de pedra. Para o 1 de abril não há história de bobos. O escritor narrou o episódio do desembarque do primeiro bispo do Brasil, Pedro Sardinha – em 1553 – e que, três anos depois, teria sido devorado pelos caetés no Sul de Alagoas e inaugurado, assim, a gastronomia nacional. Para 19 de fevereiro, Galeano trouxe um diálogo-desafio terrível entre o consagrado escritor Horacio Quiroga e a morte. Para o dia 14 de abril, o escritor contou a história de Nellie Bly – a mãe das jornalistas -, que mostrou, em 1889, dando a volta ao mundo e reportando a viagem, que jornalismo não era só coisa de homem. Em 1919, ela publicou suas últimas reportagens, desviando das balas da Primeira Guerra Mundial. Como se vê, Galeano abraçou a diversidade de povos e culturas, contando episódios que vão de 1585, no México, até, por exemplo, o 15 de setembro de 2008 na Bolsa de Nova Iorque, passando pela morte de John D. Rockefeller, em 1937, e muitos outros. L&PM Editores, 432 páginas, R$ 49,00, tradução de Eric Nepomuceno.

*Jaime Cimenti é jornalista e escritor. Este texto originalmente publicado no Jornal do Comércio de Porto Alegre dos dias 17, 18 e 19 de agosto de 2012.