Por Ivan Pinheiro Machado*
O Jorge Furtado todo mundo conhece. Além de festejado roteirista e diretor de TV, é um dos grandes cineastas brasileiros, autor de “Meu tio matou um cara”, “Era uma vez dois verões”, “O homem que copiava”, o clássico curta-metragem “Ilha das Flores”, entre tantos outros trabalhos importantes. O Giba Assis Brasil é outro homem de cinema, exímio montador, parceiro de Jorge Furtado em praticamente todos os seus trabalhos, sócio dele na Casa de Cinema de Porto Alegre – que tem ainda Carlos Gerbase, Nora Goulart, Luciana Tomasi e Ana Luiza Azevedo como sócios. Ambos foram responsáveis pelo projeto de uma grande enciclopédia da cultura brasileira que a L&PM planejava executar e publicar. Se você perguntar ao Jorge ou ao Giba porque não saiu este que foi um dos projetos mais carinhosamente acalentados pela L&PM na época, eles dirão: “em poucos anos os caras estariam inventando o Google, e então…”.
Tudo começou em 1981. O escritor Josué Guimarães entrou na nossa sala (o Lima e eu trabalhávamos na mesma sala) e declarou solenemente: “Não tenho mais tempo nem saco para ir nas escolas dar palestras para os estudantes. Me perdoem, tenho cinco livros pra escrever e a partir de agora vou me dedicar somente aos meus livros e ao meu trabalho na Folha de S. Paulo”. Dito isto, o Josué sorriu e completou: “Mas eu tenho uma ideia”. Foi assim que nasceu a L&PM Vídeo, uma ideia do Josué Guimarães. Seria assim: nós gravaríamos o depoimento dos autores da editora com um roteiro baseado nas questões que costumeiramente são postas pelos estudantes nas escolas. Então, em vez do autor, iriam até as escolas um operador, um aparelho de TV e o vídeo.
Contratamos o jornalista Marcelo Lopes para tocar a nova empresa. Depois vieram trabalhar no projeto Jorge Furtado, Giba Assis Brasil e José Pedro Goulart, que foi parceiro de Jorge e Giba em vários curta-metragens consagrados. Entre outros trabalhos, produzimos o único depoimento que Josué Guimarães deixou para a posteridade, já que morreria pouco tempo depois, em 1986. Gravamos ainda vários autores e especialmente um precioso vídeo que mostra o pintor Iberê Camargo executando diante das câmeras um retrato do escultor Xico Stockinger.
A verdade é que fizemos uma produtora de vídeos culturais muito antes de existir mercado e viabilidade econômica. Tudo era ainda muito precário, o equipamento caríssimo, não havia patrocínio e nós não conseguimos descobrir uma forma de ganhar algum dinheiro com aquilo. Passado o entusiasmo, faltou o dinheiro. Então, caímos na realidade, vendemos o equipamento e fechamos a produtora. E o Jorge e o Giba ficaram desempregados.
Foi aí então que resolvemos recontratar a dupla, já que eles estavam interessados em fazer a nossa tão sonhada “Enciclopédia da Cultura Brasileira” – uma grande enciclopédia que reuniria todos os nomes importantes da cultura brasileira, incluindo (apenas) cinema, literatura, música, artes plásticas, teatro, arquitetura e jornalismo. Mas… depois de 3.000 fichas prontas com os dados completos de pessoas e principais fatos da cultura brasileira em todos os tempos, os dois rapazes desapareceram. Antes que enlouquecessem, foram fazer seus filmes, seguir sua vocação. Durante muito tempo eu guardei as fichas em enormes caixas de papelão. Eu me divertia especialmente quando encontrava o Giba que, envergonhadíssimo, queria nos indenizar por não ter concluído o projeto… Mas a verdade é que, poucos anos depois, o mundo mudou. E, caso tivéssemos levado o projeto adiante, o Google certamente passaria como uma patrola sobre a nossa enciclopédia…
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo sétimo post da Série “Era uma vez… uma editora“.