Em 1998, Martha Medeiros escreveu uma crônica sobre Alain de Botton que foi publicada no seu livro Trem-bala. E é porque este texto continua super atual e porque agora publicamos Alain de Botton na Coleção L&PM Pocket (Ensaios de Amor foi lançado em 2011 e este ano chegam Consolações da filosofia e Ansiedade de status) que resolvemos transcrevê-lo aqui no blog. Aliás, por falar em Martha Medeiros e Alain de Botton, em dezembro, a GloboNews fez uma matéria sobre felicidade centrada justamente neles. Depois de ler a crônica de Martha, vale clicar aqui e assistir.
Quem tem medo de Alain de Botton?
Alain de Botton não é um completo desconhecido: é um suiço radicado em Londres que lançou ano passado, no Brasil, o livro Ensaios de amor, e que repete a dose, agora, com o seu O movimento romântico, promessa de um novo sucesso editorial.
A crítica gosta dos livros de Botton, mas com reticências. Muitos acham que o escritor é apenas um produto bem divulgado da Cool Britannia, o movimento renovador da cultura inglesa que endeusa bandas como o Oasis e que tem como expoente o primeiro-ministro Tony Blair. Apenas isso? Acho que é mais do que isso.
Alain de Botton é um extraterrestre: um homem que gosta de discutir a relação. As mulheres curvam-se aos seus pés, os homens olham enviesado. O movimento romântico é quase uma continuação de Ensaios de amor, só mudam os nomes dos personagens. O que importa é o que acontece entre eles. Botton monta e desmonta o quebra-cabeças do amor com habilidade cirúrgica. Está tudo ali: a banalização dos sentimentos, os mal-entendidos e suas entrelinhas, a idealização, a influência que os ícones românticos exercem sobre nós, os questionamentos sobre a própria identidade, o desequilibro de poder (quando um ama mais do que o outro), o ceticismo de quem tem medo de se apaixonar, a nudez emocional feminina e outras armadilhas. Um manual de autoajuda? Nenhum parentesco. Alain de Botton tem duas armas secretas que elevam o status de seus livros.
O primeiro é que ele nunca resume seus pontos de vista baseando-se na experiência de um casal que interage apenas entre si: ele cria triângulos amorosos para melhor defender suas teses, abrindo o leque das especulações. O que é considerado infantilidade pela ótica de um parceiro pode ser considerado maturidade pela ótica de outro, estimulando a busca pela verdade. O recurso não é novo: até as telenovelas fazem isto, mas é aí que entra a segunda arma secreta.
O filósofo preferido de Alain de Botton não é Gilberto Braga. Durante o livro inteiro ele cita Platão, Schopenhauer, Nietzsche e Pavlov como se fossem a sua turma de bar. Tudo com pertinência e, aleluia, simplicidade. Os livros encurtam a distância entre filosofia e vida real e nos oferecem verdadeiros achados, seja uma análise pouco convencional sobre o comportamento de Madame Bovary, seja a função social das telas de Andy Warhol. Tudo ganha uma lógica atraente e inovadora, e nem é preciso doutorado para entender. Não há razão para ter medo de gostar de Alain de Botton. Ele mesmo defende a ideia de que não se deve ler um livro para tirar uma lição. Livros não têm uma finalidade, como os aspiradores de pó. Ensaios de amor e O movimento romântico são entretenimento e dissecação. Redimem nossas piores fraquezas, afagam nossas melhores intenções e, diante do quadro desestabilizante das idas e vindas amorosas, nos dão vontade de continuar a tentar.
Martha Medeiros, do livro Trem-bala