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Mostra com as primeiras fotos de Henri Cartier-Bresson estão em São Paulo

Até 24 de junho, oitenta fotografias do início da carreira de Henri Cartier-Bresson, o mais influente fotógrafo do século XX, poderão ser vistas em São Paulo. A mostra Henri Cartier-Bresson: Primeiras Fotografias traz fotos clássicas e algumas inéditas, percorrendo o caminho do jovem fotógrafo, entre 1932 e 1935.

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Henri Cartier-Bresson torna-se fotógrafo no dia de 1932 em que compra uma Leica em Marselha. É seu batismo de fogo. O artista encontra seu instrumento. Impossível não lembrar das palavras de Paul Morand: “Aos doze anos, me deram uma bicicleta. Depois, nunca mais me encontraram…”.

A Leica será seu objeto mitológico. Dela nunca mais se separará, seja no exterior, seja na intimidade. Na rua, em casa, na casa das pessoas, em todos os lugares e o tempo todo, nunca se sabe. Não é um hábito de artista, mas de caçador de recompensas. Sempre pronto para atirar, à espreita, de sobreaviso. mas isso não impede o sentimento. Raras vezes se viu identificação tão completa entre um homem e uma máquina, uma osmose tão feliz entre uma alma e um mecanismo. Como um casal de amantes, poderíamos dizer que ele era a contraparte dela, e ela a contraparte dele. Eles parecem feitos um para o outro. Ao prolongar seu olhar da maneira mais natural possível, a máquina faz parte dele. (Trecho de Cartier Bresson, o olhar do século, de Pierre Assouline, publicado pela L&PM em formatos convencional, pocket e e-book)

A partir do dia em que comprou sua Leica, Cartier-Bresson criou uma das mais originais e influentes narrativas visuais da história da fotografia.

Antes de ser fotógrafo, no entanto, Cartier-Bresson dedicou-se à pintura e foi discípulo de André Lhote, o cubista que também foi professor de Tarsila do Amaral. E foi com seu mestre que ele descobriu que poderia usar a proporção áurea e a simetria na construção de suas fotos. Essa ligação com a pintura é notável nas 58 imagens selecionadas pelo curador João Kulcsár para a exposição Henri Cartier-Bresson: Primeiras Fotografias que está aberta ao público na Galeria de Fotos do SESI-SP.

Lhote é apenas uma das (boas) influências de Cartier-Bresson. Filho de uma família rica, que foi a maior produtora de linhas de costura na Europa (pelo menos até o começo dos anos 1960), Cartier-Bresson foi amigo de pintores Max Ernst e Matisse e ele mesmo chegou a pintar algumas telas surrealistas, até encontrar a escritora Gertrude Stein, mecenas dos vanguardistas parisienses, que o fez abandonar definitivamente as tintas e os pincéis. Ela examinou suas pinturas, despachando-o com uma única frase: “Melhor você se dedicar aos negócios da família”.

De fato, Cartier-Bresson teria sido apenas mais um entre os pintores surrealistas. Ou outro milionário excêntrico, se uma máquina fotográfica não surgisse em sua vida. Seu amigo Robert Capa, que fundou com ele a hoje gigantesca agência Magnum Photos, jogou a pá de cal em seus sonhos de pintor: “Melhor você se dedicar ao fotojornalismo, ou vão grudar um rótulo (surrealista) em você do qual jamais conseguirá se livrar”.

Mesmo assim, o surrealismo não saiu da cabeça de Cartier-Bresson, que cultivava o desejo de filmar com o espanhol Luis Buñuel, um dos pioneiros do cinema surrealista. Acabou virando assistente de Jean Renoir, que aceitou uma encomenda do Partido Comunista Francês para fazer um filme de propaganda (La Vie Est à Nous, de 1936), que ajudou a conduzir a Frente Popular ao poder. Cartier-Bresson fez posteriormente outros filmes políticos de apoio à causa republicana durante a Guerra Civil Espanhola.

As 58 imagens da mostra foram produzidas em vários países – Bélgica, Espanha, França, Itália e México – e cobrem desde exercícios formalistas baseados nos primórdios do construtivismo russo até o registro realista de um bordel mexicano, passando por uma emulação do estilo de Kertész, o fotógrafo húngaro que Cartier-Bresson venerava – e que teve uma atuação marcante na Paris dos anos 1920, até emigrar, em 1937, para os EUA.

Marselha, França, 1932 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Marselha, França, 1932 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Bruxelas, Bélgica, 1932 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Bruxelas, Bélgica, 1932 / Foto: Henri Cartier-Bresson

EXCLUSIVO DIRETO DA FONTE

Prostitutas mexicanas em 1934 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Valência, Espanha, 1933 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Valência, Espanha, 1933 / Foto: Henri Cartier-Bresson

Henri Cartier-Bresson: Primeiras Fotografias

Galeria de Fotos do Sesi: Av. Paulista, 1.313, Fone: 3146-7439

De segunda a domingo das 10h às 20h

Até 25 de junho

Grátis

Metade Cartier, metade Bresson

O bebê que aparece nesta foto de 1909 é Henri Cartier-Bresson. Nascido em 22 de agosto de 1908, ele tinha cerca de 1 ano de idade quando foi fotografado junto a seus pais, Marthe e André. Além de ajudar o pequeno Henri a se manter de pé com tão pouca idade, o casal teve uma enorme participação na formação da personalidade de um dos maiores fotógrafos que o mundo já conheceu. E quem desvenda estas influências é o biógrafo Pierre Assouline no livro Cartier-Bresson: o olhar do século:

Apesar de batizado com o nome do avô paterno, Henri Cartier-Bresson puxou muito mais a sua mãe. Dizem que ele se parece com ela, por sua beleza, sua sensibilidade e seu caráter. Ou melhor, Henri é filho de uma normanda. Descendente de uma velha família de Rouen, dona de uma grande propriedade no vale que acabava em Dieppe, Marthe – nascida Le Verdier – é uma mulher de graça superior. Seus retratos, tirados por Boissonnas e Tapenier no ateliê da Rue de la Paix, revelam um porte, um aspecto, uma elegância e um brilho naturais. Nervosa, sempre cheia de dúvidas, ela podia ficar absorta em suas leituras por duas inteiros e só sair para se sentar ao piano.

(…)

No casal Cartier-Bresson, Marthe é a intelectual, a musicista, a meditativa. André, seu marido, é completamente diferente, por inclinação natural e por força das circunstâncias. Esse homem severo, de uma correção que chega à rigidez, é antes de tudo um homem de princípios, tornando-se assim, desde muito jovem, devido à morte de seu pai. Ocupado demais com suas responsabilidades familiares para se entregar à vida das ideias, ele escolhera a Escola de Altos Estudos Comerciais para ter acesso mais rápido à direção geral da empresa. Não deixava de ser um homem de gosto, só que toda a sua sensibilidade artística se concentrara no desenho, na pintura e no mobiliário.  (…) De tanto ver o pai passar a maior parte de seu tempo fechado no escritório, inclusive em casa, Henri desenvolve uma franca aversão pelo mundo dos negócios. (…)

Henri, o mais velho de cinco filhos, é normando até em sua preocupação incorrigível de se fazer passar por siciliano, e portanto mediterrâneo, pois fora concebido, ou melhor, desejado, em Palermo, onde seus pais haviam passado a lua de mel. É normando também na maneira como se assemelha tanto a um quanto a outro, acompanhando sua mãe na flauta quando ela toca piano e seu pai à floresta quando ele vai caçar. Justa divisão de tarefas e prazeres, mesmo se sentindo naturalmente mais próximo à mãe. Nessas grandes famílias burguesas, a mãe segue de perto a educação dos filhos, mais ainda quando sutis afinidades e evidentes semelhanças os aproximam. Sua influência é determinante.

Marilyn Monroe por Cartier-Bresson

No set de filmagem de Os desajustados (The misfits), em 1960, as lentes do fotógrafo Henri Cartier-Bresson flagraram uma moça de ar melancólico e olhar distante. Cabisbaixa, nem parecia a estonteante musa do cinema, que despertava a cobiça dos homens mais poderosos do mundo com sua beleza irresistível. Altiva, nunca decepcionou diante das câmeras. Mas os instantes precisos capturados pelo mestre da fotografia deixam transparecer uma Marilyn Monroe que poucos conheciam. Seu brilho radiante era, às vezes, só uma fachada para o público quando, na verdade, seu estado de espírito era sombrio.

Em Cartier-Bresson: o olhar do século, o biógrafo Pierre Assouline comenta este episódio da gravação de Os desajustados:

Mesmo ao cobrir um evento muito bem organizado, também acompanhado por vários colegas, Cartier-Bresson sempre consegue tirar pelo menos uma foto com a sua marca pessoal. É o que acontece em 1960, quando John Huston filma “Os desajustados”, e seus fotógrafos da Magnum revezam-se nas filmagens, dois a dois. Apesar do excesso e da superabundância de imagens, tanto em qualidade quanto em quantidade, ele consegue tirar uma foto de Marilyn sob os olhares dos demais, única por sua composição, sua ironia e sua ternura. Talvez a atriz não estivesse totalmente alheia à magia do momento. Durante o jantar da equipe, o fotógrafo coloca sua Leica sobre uma cadeira vazia à sua direita. A atriz chega atrasada. Um olhar à máquina, outro a Cartier-Bresson, o tempo de associar um ao outro e ele já tira proveito da ocasião:

– Você gostaria de conceder-lhe sua bênção?

Ela faz que senta sobre a Leica, roça-a de leve com as nádegas, esboça um sorriso malicioso e pronto…

As fotos de Cartier-Bresson e sua Leica “abençoada” fazem parte da exposição “Quero ser Marilyn Monroe” que entra em cartaz na Cinemateca Brasileira, em São Paulo, a partir de 04 março. Serão 125 obras de 50 artistas distribuídas nos 500 m² da mostra. Uma oportunidade imperdível para ver de perto, além das fotografias de Cartier-Bresson, o trabalho de artistas como Andy Warhol, Douglas Kirkland, Cecil Beaton, Milton H. Greene, Richard Lindner, Kim Dong-Yoo, entre outros.

Um retrato “rasgado” de Cartier-Bresson

No prefácio do livro Cartier-Bresson – o olhar do século, que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket, o biógrafo Pierre Assouline não se constrange em assumir publicamente sua paixão pelo biografado. E diferente do que podem pensar os mais puristas, isto não é demérito algum. Pelo contrário: ele consegue contaminar o leitor, que embarca numa instigante viagem pela vida de um dos maiores fotógrafos que o mundo já conheceu.

Sob o título “Quando o herói se torna um amigo”, o prefácio de Pierre começa descrevendo como foi seu primeiro encontro com Cartier-Bresson em 1994 e segue dando pistas da personalidade que ele ajudou a desvendar nas páginas que seguem, deixando o leitor com água na boca. Bem no início, ainda é possível identificar algum compromisso com a objetividade exigida de um jornalista em relação a seu objeto de trabalho. Mas depois de alguns parágrafos, ele sucumbe à emoção:

É curioso bater nas costas de um mito, insólito contradizer uma lenda, estranho interpelar uma instituição, arriscado criticar um clássico, audacioso corrigir um monumento… No Japão, diriam que ele é um tesouro nacional vivo. Com um levantar de ombros, um gesto da mão, Henri Cartier-Bresson liquida esse falso problema. Considera todas essas palavras verdadeiros palavrões. Até mesmo o suave nome de “artista” o exaspera, tanto vê nele uma noção burguesa herdada do século anterior.

Apesar do encanto, é impossível não mencionar o já conhecido temperamento difícil do mestre da fotografia como traço marcante de sua personalidade:

Cartier-Bresson é a impaciência em pessoa, mas também a curiosidade, a indignação, o entusiasmo e a cólera. Esse meditativo frenético não para no lugar, incapaz de dominar seu próprio temperamento, como se a verdadeira vida estivesse sempre no movimento. Sua intranquilidade acaba por perturbar a paisagem. Ele é daqueles que devem sua nobreza à excentricidade. Nada o deixa mais secretamente feliz do que fazer um uso deliberado do aristocrático prazer de desagradar. Quando pensamos em tudo o que seus olhos viram, sentimos vertigens.

Assouline finaliza sua longa e rasgada introdução preparando o leitor para as páginas que vêm a seguir:

Se quisermos entender Henri Cartier-Bresson, precisamos nos desfazer da concepção tradicional de tempo e assimilar outra, às vezes anacrônica, em que o calendário dos fatos não necessariamente coincide com o das emoções. Precisamos também levar em conta que o tempo do relógio não é o mesmo do homem, que cada um tem sua mística interior e que contar os acontecimentos de uma vida sem levar em conta a própria lógica seria tão inútil quanto lembrar uma ópera por seu libreto. Proust disse tudo isso, e mais: “Há dias montanhosos e árduos que levamos um tempo infinito a escalar, e dias de declive que se deixam percorrer a toda velocidade, cantando”.

Cartier-Bresson passou sua vida assim. Ele não viajou, ele morou no exterior sem se perguntar quando voltaria. Mais do que uma sutileza, trata-se de outra compreensão do mundo. Sua obra é prova disso.

Cartier-Bresson – o olhar do século foi publicado pela primeira vez pela L&PM em 2003, em formato convencional, e agora chega à Coleção L&PM Pocket com o mesmo conteúdo da edição anterior, encarte com fotos e tudo mais, só que em formato de bolso. (Nanni Rios)