Conheço o David Coimbra há 38 anos. Éramos adolescentes. Eu tinha acabado de chegar de Palomas para morar no bucólico Sarandi. Ele vinha do IAPI com seu senso de humor para nos divertir e provocar. Entramos juntos na Faculdade de Jornalismo da PUCRS. Já contei aqui que passamos quatro anos fazendo revoluções teóricas no bar da Mazza, na Bento Gonçalves, e nos trajetos de T1 até a Assis Brasil. O tempo, a distância e o fato de trabalharmos em empresas concorrentes não atingiram a nossa amizade. Falamos pouco, cada um mergulhado no seu turbilhão, mas o carinho permanece. Li de uma sentada o mais novo livro do David, “Hoje eu venci o câncer” (L&PM). É a história dele.
Que livro forte. David detalha o choque que foi a descoberta de uma doença que, segundo a previsão, não lhe daria mais do que cinco anos de sobrevida. Câncer com metástase. Resolveu lutar. David nunca foi de desistir. Arrancou a verdade do médico por telefone mesmo.
“– Vou fazer uma pergunta e queria que você fosse honesto – falei para o médico.
– Faça.
– Quanto tempo eu tenho.
– Difícil dizer…
– Qual a estimativa?
Depois de um instante de hesitação, a voz dele veio sumida:
– Se tudo der certo, cinco anos.
– Se tudo der certo?
– Sim.
– É possível ter mais tempo?
– Não. É muito improvável que você tenha mais do que esse tempo.
– Mas a grande possibilidade é ter menos tempo.
– Sim.
– Bem menos?
– Bem menos. A doença é mais agressiva do que pensávamos.”
Felizmente David não aceitou a previsão. Foi para os Estados Unidos em busca de tratamento. Está aí firme para alegria dos seus admiradores. A vida é cheia de ironias sem qualquer significado. Quanto eu tinha uns 20 anos, David teve de me levar ao hospital, em Tramandaí, por causa de uma pedra no rim. A minha primeira. Quem poderia imaginar que aquilo era nada perto do que lhe aconteceria. Volta e meia, nessas andanças, alguém me pergunta em tom debochado:
– Tu e o David ainda se dão?
– Por que não nos daríamos?
– Ora, vocês estão em lados opostos.
A oportunidade é sempre boa para responder suavemente:
– Não tenho lado. Estou sempre do lado da amizade.
Li o livro do David como quem lê uma carta. Há tanta coisa que nos escapa no dia a dia. Torço para que esse velho amigo de tantas utopias tenha vida longa. Imagino o David velhinho, cheio de ceticismo e de ironia machadiana (a do Machado de Assis, não a minha), relembrando os tempos apaixonados de hoje. Olhamos as mesmas coisas. Vemos diferente. Construímos nossa amizade em cima da diversidade.
Meu amigo David Coimbra
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