Paula Taitelbaum
Entre lançamentos e reedições, todo dia chegam livros da coleção de bolso à minha mesa. Entre os que recebi essa semana estava As aventuras de Robinson Crusoé, de Daniel Defoe. A emocionante aventura do náufrago mais famoso da literatura fez com que eu recordasse outra história. Lembrei de uma questão que me foi apresentada há alguns anos pelo professor do Parque Lage, Charles Watson, em seu curso de Processo Criativo: “Se você fosse um escritor e, depois de um naufrágio, ficasse totalmente sozinho em uma ilha deserta; se tivesse total certeza de que jamais seria resgatado, que ninguém nunca, em hipótese alguma, fosse ler os seus escritos, você continuaria escrevendo?”. Meus colegas de curso, entusiasmados com suas próprias capacidades artísticas e com todas as possibilidades criativas que ali afloravam, responderam, em sua maioria, que sim, obviamente continuariam escrevendo, inclusive para matar o tempo, para registrar suas memórias, etc, etc. Eu não tive tanta certeza. Não cheguei a responder em voz alta, mas pensei que a possibilidade de escrever para ninguém ler era praticamente nula pra mim. No entanto, o grupo continuou cruzando suas palavras por um tempo, defendendo entusiasticamente que um escritor não precisa de leitores, discutindo a tese quase à exaustão, até o professor interromper. Se não me engano (já aviso que às vezes me engano), ele disse que essa questão foi levantada por Sartre em um ensaio ou artigo. E disse mais: que mesmo que os presentes ali duvidassem, era provado que ninguém escreveria numa ilha deserta se tivesse a certeza de que não haveria leitores para sua obra, nem mesmo leitores póstumos. As necessidades de sobrevivência numa ilha deserta seriam muito mais latentes e não haveria sentido em criar arte sem um receptor. Mas… – sempre existe um “mas” nessas horas – o professor expôs que existia, sim, uma possibilidade de continuar escrevendo. “Que possibilidade seria essa?” Perguntou mais uma vez o caro Watson. Dessa vez arrisquei: “Talvez…” disse eu. “Talvez se eu pudesse me distanciar do texto de uma forma que eu não o percebesse como meu, se eu conseguisse me espantar com a leitura, me descolar da própria autoria, ser eu o meu leitor, então, quem sabe, eu continuasse escrevendo…”
O professor sorriu satisfeito.“Exatamente”, falou ele. “Essa seria a única maneira de continuar escrevendo”.
Faz tempo que fiz esse curso. Mas nunca esqueci a lição.
P.S.1: Eu realmente espero nunca ir parar em uma ilha deserta. Mas um dia, quem sabe, ainda consigo me distanciar de mim mesma…
P.S.2: Se você já leu Robinson Crusoé, sempre vale a pena ler de novo. Se não leu, nunca é tarde para se apaixonar por esse livro.