Eduardo Galeano expressou, como nenhum outro escritor latinoamericano, o drama, o lirismo, a magia e o fascínio da América Latina. Dos miseráveis descendentes dos Astecas no México, dos Incas no Peru, aos mineiros do Chile, passando pelos índios bolivianos, os pastores da Terra do Fogo, guerrilheiros da América Central, poetas nicaraguenses, cidadãos portenhos, homens do povo no porto de Montevidéu, nas ruas de Caracas, enfim, onde quer que existam oprimidos, lutadores, inconformados, haverá um silêncio profundo quando a notícia de sua morte varrer os quatro cantos do continente. Engajado, sem ser sectário, escritor que levava às últimas consequências o ofício de escrever, Eduardo Galeano deixou para os seus leitores um patrimônio magnífico. São duas dezenas de livros que encantam e fazem pensar pela generosidade de suas ideias, pelo lirismo de sua prosa e pelo espetacular talento com que concentrou em seus textos curtos os momentos imensos da história da humanidade. Para os que com ele conviveram fica a lembrança do homem amável, cordial, de fala sedutora e pausada, que praticou até a morte o rito da amizade, do amor e da lealdade.
Ivan Pinheiro Machado, editor
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Esclarecimento: “Memórias de um revolucionário” foi apreendido pela ditadura
No domingo, 26 de outubro, na página 4 do Jornal Zero Hora, o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, foi citado em uma entrevista. Segundo o entrevistado dá entender em determinada resposta ao jornalista Alexandre Lucchese, o livro “Memórias de um revolucionário”, editado pela L&PM nos anos 1970, seria uma obra a favor da ditadura, o que não é verdade. A seguir, a resposta de Ivan que foi enviada ao jornal:
“Memórias de um revolucionário”, de Olympio Mourão Filho, é um livro que, literalmente, “desmancha” a elite militar da época (1977). Quando a L&PM publicou o livro, tal era o nível das críticas e até de ofensas aos chefes militares da ditadura, que nenhum editor em Rio e São Paulo ousou publicá-lo. É um brado contra a ditadura e a repressão dado justamente pelo militar que chefiou as tropas em 31 de março. Por isso, o livro foi apreendido. Além da apreensão violenta e arbitrária, houve a tentativa de prender eu e meu sócio, Paulo Lima, quando a Policia Federal invadiu e lacrou a gráfica que imprimia o livro. Na ocasião, fugimos da polícia no carro da sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre e tivemos que “sumir” algumas semanas. Fomos processados juntamente com o grande historiador brasileiro Hélio Silva, que era quem detinha os direitos autorais do livro, já que o General Mourão havia morrido. E depois de uma batalha judicial comandada pelo meu pai, o advogado e ex-deputado comunista Antonio Pinheiro Machado Netto, que durou dois anos, o livro finalmente foi liberado para circular. A decisão do judiciário foi histórica e decretou em 1979 (ano da Anistia) a liberação deste livro que foi o último a ser apreendido por motivos políticos no Brasil. (Ivan Pinheiro Machado)
A arte de Ivan Pinheiro Machado
Há mais de três décadas, Ivan Pinheiro Machado exerce, simultaneamente com sua atividade de editor da L&PM, o ofício de pintor. Como artista gráfico, ele já criou 1000 capas de livros e suas telas já participaram de mais de 20 mostras individuais no Brasil e no exterior. Agora, de 7 de abril a 6 de junho de 2014, Ivan estará com uma nova exposição no Espaço Cultural Citi, em São Paulo, com a curadoria de Jacob Klintowitz, onde apresentará 28 novas pinturas.
Veja mais imagens da exposição e acompanhe o trabalho de Ivan Pinheiro Machado no Facebook -> www.facebook.com/IvanPinheiroMachadoPinturas
Frankfurt à moda brasileira
O pavilhão brasileiro na Feira do Livro de Frankfurt está bastante movimentado. De comidinhas tipicamente brasileiras a encontros com gente conhecida como Mauricio de Sousa, o grande espaço dedicado ao Brasil, país convidado deste ano, está dando o que falar, o que comer e, claro, o que ler também. Abaixo, algumas fotos enviadas pelo editor da L&PM Ivan Pinheiro Machado.
A história e o futuro dos livros de bolso
O Prosa e Verso, caderno de literatura do Jornal O Globo, publicou no sábado, 31 de agosto, uma matéria assinada por Fernando Eichenberg que, diretamente de Paris, conta que os pockets se tornaram um fenômeno na Paris dos anos 60 e que agora seu mercado se encontra em retração. Complementando a matéria, há um texto assinado pelo repórter Maurício Meireles que, durante a Bienal, entrevistou o editor da L&PM, Ivan Pinheiro Machado, sobre como andam os livros de bolso no Brasil. Vale a pena ler:
Editor Ivan Pinheiro Machado participa do Fórum das Letras em Ouro Preto
A nona edição do Fórum das Letras começou na última quarta-feira, dia 29, e segue até o dia 2 de junho, em Ouro Preto (MG). O evento, com discussões norteadas pelo tema “Literaturas da Origem” tem programação gratuita e conta com a presença de grandes nomes da literatura contemporânea, como Affonso Romano de Sant’Anna, Marina Colasanti, Frei Betto, entre outros.
Nesse sábado, dia 1º, Ivan Pinheiro Machado, editor da L&PM, participa da mesa “Espaço Sesc: O livro em questão”, com Silvia Leitão e Ivo Enoc, e mediação de Sérgio França. O debate acontece às 14h30, no Espaço Sesc – Anexo do Museu da Inconfidência.
A programação completa do Fórum das Letras pode ser conferida clicando aqui.
O quadro das multidões…
No dia 11 de agosto de 1911, a Mona Lisa foi roubada. Ela já era uma lenda e na época o roubo foi manchete de capa nos jornais do mundo inteiro. O quadro só foi recuoperado 2 anos depois, quando um certo Vincenzo Peruggia, tido como autor do roubo (leia “Roubaram a Mona Lisa!”, L&PM, 2009) tentava vendê-lo para galeristas italianos que avisaram a polícia. Na época, o ladrão disse que havia cometido o roubo por patriotismo, já que a Mona Lisa era uma obra do italiano Leonardo Da Vinci e, portanto, tinha que estar exposta na Itália. Na verdade, entre lendas, verdades e mentiras ficou um rescaldo de dúvidas. Foram dois anos em que a polícia bateu cabeça atrás de um ladrão que evaporou-se com o quadro. O poeta Guillaume Apollinaire foi preso como suspeito e Pablo Picasso foi ouvido pela polícia, igualmente como suspeito do roubo. E as pessoas faziam fila no Louvre para ver o vazio da parede, onde antes pendia a famosa pintura. Depois que o quadro foi recuperado, surgiram várias versões e muitas dúvidas. Inclusive de que a obra resgatada seria uma cópia magnificamente bem feita. Até hoje esta tese tem espaço e, como diriam os conterrâneos de Da Vinci “se non è vero, è ben trovato”. O certo é que a celebridade da Mona Lisa aumentou ainda mais, de forma gigantesca, e é, sem dúvida, como se vê abaixo, o carro chefe do Museu do Louvre que, generosamente, permite fotos.
Millôr, eterno Millôr
27 de março de 2013: exato um ano que Millôr Fernandes se foi. Um ano de saudades de um genial artista e grande amigo. Sua relação com a L&PM foi longa e embalada pela amizade de décadas. Anos que renderam encontros célebres, conversas inesquecíveis e livros eternos.
Clique aqui e leia mais sobre Millôr e seus livros.
Por que não publiquei Glauber
Por Ivan Pinheiro Machado*
No inverno de 1977, bem no começo da editora L&PM, recebemos uma correspondência que não trazia o nome do remetente. Eu tinha 24 anos e, editor principiante, havia mandado cartas pedindo livros para mais ou menos 20 intelectuais brasileiros “de peso”. Passados dois meses, ninguém havia respondido. O carteiro só trazia contas a pagar. Mas recebemos uma, aparentemente o primeiro retorno. Muito curioso, abri o envelope e fui direto à assinatura. Ilegível. Li o texto datilografado em duas páginas de papel A4 e, nas primeiras linhas, identifiquei um dos destinatários da nossa busca por livros novos.
A assinatura era de Glauber Rocha. Ele queria publicar a sua obra e mencionava “vários livros” e especialmente uma história do cinema.
Na carta de junho de 1977, Glauber escrevia: “minha ‘História do Cinema’ tem mil páginas [“¦], é um livro original porque eu revelo entrevistas inéditas com cineastas do mundo todo e conto a História do ponto de vista de um cineasta que viveu por dentro da cozinha. […] Conto a verdadeira história do Cinema Novo, 15 anos de política e cultura. Não existe bibliografia de cinema que preste no Brasil”. E encerrava assim: “Não quero enviar originais pelo Correio. Mandem alguém ou venham aqui”. Através de amigos no Rio consegui o telefone dele. Liguei, ele mesmo atendeu e combinamos uma reunião dois dias depois no Rio.
Saí de Porto Alegre com chuva e frio e cheguei ao Rio sob um sol feérico que brilhava num céu sem nuvens. Deixei minha pequena bagagem no hotel e fui direto ao edifício na Lagoa. Ao sair do elevador, senti um cheiro forte de maconha. Segui o rastro que estava no ar e cheguei ao apê 201, emprestado por um amigo psiquiatra a Glauber Rocha e a sua namorada, uma deslumbrante loura colombiana.
Ao entrar no apartamento com vista para a lagoa Rodrigo de Freitas, Glauber ofereceu-me uma poltrona, uma cerveja e começou um longo, brilhante e exaltado monólogo sobre sua obra como escritor e sobre o potencial cinematográfico que a história do Rio Grande do Sul possuía. Ele sugeria uma filmagem da Guerra dos Farrapos com Marlon Brando no papel do líder da revolução, Bento Gonçalves. “Eu ligo pra ele e faço o convite. Ele me conhece. Vou propor uma participação na bilheteria.” E sugeria ainda que Sônia Braga fosse Anita Garibaldi. “Ela nasceu para ser a Anita”, disse. Por fim, mostrou-me dois calhamaços datilografados com cerca de 500 páginas cada um.
O primeiro era uma coletânea de “ensaios e observações filosóficas”, e o segundo era um “romance épico” que se chamaria “Django”, baseado na vida de João Goulart, o Jango. “Depois eu mostro a História do Cinema.” Eu observava perplexo aquela explosão verborrágica. Ele tinha uma fluência impressionante. Falava sobre o momento de abrandamento da ditadura, da genialidade de Golbery do Couto e Silva, o chefe do Gabinete Civil, que seria o “grande artífice do desmonte do regime”, era “o gênio da raça”, expressão que ele repetia sempre quando se referia ao Golbery e que acabou ficando célebre.
Depois de quatro horas ouvindo discursos, fui embora. Combinamos que eu retornaria no outro dia. Foi o que fiz. Lá chegando, tudo aconteceu como no dia anterior; mais uma sessão de discursos brilhantes. Ele falava, falava e, de tempos em tempos, fazia uma longa pausa arfando, exausto. Descansava um pouco e voltava a falar, falar.
A conversa (monólogo) acabou no começo da noite porque sua mulher lembrou que os dois tinham uma exibição especial de “Dona Flor e seus Dois Maridos”, o filme de Bruno Barreto. Combinei de voltar no dia seguinte para acertar os detalhes do contrato e pegar os originais dos livros. Foi o que fiz.
Cheguei às 15h e toquei a campainha. A loura atendeu a porta e, sem me convidar para entrar, disse constrangida: “o Glauber não pode atender, mas manda dizer que desistiu de publicar os seus livros”. E encerrou o assunto, fechando a porta na minha cara.
Fiquei ali parado por uns dois minutos tentando absorver aquele desfecho surreal. À noite voltei para Porto Alegre. Sem livro nenhum, mas pelo menos com esta curiosa história para contar.
* Ivan Pinheiro Machado é editor da L&PM. Este texto foi publicado originalmente na coluna “Arquivo Aberto” do Caderno Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 13 de janeiro de 2012.
Cenas de Nova York
Percorri as ruas, as pontes, Times Squares, cafés, o cais, visitei todos os meus amigos poetas beatniks e perambulei com eles, tive casos com garotas do Village e fiz tudo isso com aquela imensa e louca alegria que se sente quando se retorna a Nova York.
Tenho escutado grandes cantores negros a chamarem de “A Maçã”! “Ali está agora a vossa cidade insular dos manhattoes, envolta pelo cais”, cantou Herman Melville. “Envolta por marés flamejantes”, recitou Thomas Wolfe.Vistas completas de Nova York por toda parte, de New Jersey, dos arranha-céus.
O Bickford’s é o maior palco da Times Square – muita gente tem perambulado por ali há anos, homens e meninos em busca sabe Deus do que, talvez de algum anjo da Times Square que transforme aquela grande sala em um lar, o velho lar doce lar – a civilização precisa disso. – Aliás, o que a Times Square está fazendo ali? O melhor mesmo é aproveitá-la. – A maior cidade que o mundo jamais viu. – Será que há uma Times Square em Marte?
Vamos nos embebedar na Bowery ou comer aquele macarrão comprido com copos de chá no Hong Pat’s em Chinatown. – Por que estamos sempre comendo? Vamos dar uma caminhada pela ponte do Brooklyn e abrir o apetite outra vez. – Que tal um pouco de quiabo na Sands Street? Oh, fantasmas de Hart Crane!
Ah, vamos voltar para o Village e parar na esquina da Eighth Street com a Sixth Avenue para ver os intelectuais passarem. – Repórteres da AP correndo para seus apartamentos de subsolo na Washington Square, colunistas femininas com grandes cães policiais quase rebentando a corrente, detetives solitários passando como sombras, desconhecidos peritos em Sherlock Holmes (…)
Texto: trechos de Cenas de Nova York, de Jack Kerouac, tradução de Eduardo Bueno.
Fotos: Ivan Pinheiro Machado.