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Um segundo enterro para Jango

O enterro de João Goulart, que aconteceu em 1976 na cidade de São Borja, foi acompanhado por 30 mil pessoas. Mas, na época, a despedida do ex-presidente não recebeu honras de chefe de Estado. Agora, 37 anos depois, ele terá a cerimônia oficial que merece. Assim que a exumação do corpo de Jango tiver chegado ao fim, um novo enterro vai acontecer. A data marcada é 6 de dezembro e o prefeito de São Borja, Farelo Almeida, estuda a possibilidade de decretar feriado municipal neste dia. Na data, às 10h, o avião da FAB com o caixão do ex-presidente pousará no aeroporto da cidade e, de lá, será levado, em carro de bombeiros, para uma igreja no centro da cidade. Três pessoas, além do padre, deverão se pronunciar na igreja: o senador Pedro Simon (que discursou no primeiro enterro), o filho de Jango, João Vicente, e o prefeito da cidade. Um novo caixão e uma urna funerária abrigará os restos mortais do ex-presidente. O segundo enterro de Jango deve começar por volta das 14h e não estão previstos discursos no cemitério. As roupas com que o ex-presidente foi enterrado serão repassadas à família, que estuda a possibilidade de doá-las a um museu.

Abaixo, um trecho do livro Jango, a vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva, sobre o enterro de 1976:

“No cemitério de São Borja havia tanta gente que foi muito difícil carregar o esquife até o jazigo da família Goulart, distante 50 metros do túmulo onde está enterrado Getúlio Vargas, o pai político de Jango”. A narrativa encadeia, depois que o caixão é depositado sobre a tampa do túmulo, o discurso do deputado emedebista Pedro Simon, sua lembrança de que a Getúlio e Jango o destino determinou o retorno a São Borja em caixões, e fala de Tancredo Neves, primeiro primeiro-ministro, em 1961, que lamentou ter Jango morrido longe do calor de sua gente, e o último ato: às 16h30, “o corpo foi colocado no interior do nicho”. Fim do fim, começo de uma dúvida sinuosa, tristeza: “Maria Thereza, os filhos, João Vicente e Denize, e a nora, Estela, deixaram o local, seguidos pelas irmãs de Jango. Ficou apenas a multidão cercando o jazigo e dificultando os movimentos dos que pretendiam abandonar o cemitério. Estendidas contra o céu nublado de São Borja, duas faixas permaneciam erguidas: “Jango continuará conosco” e “São Borja chora a perda de mais um filho ilustre”.

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Cineasta filma exumação de Jango para mostrar a história da Operação Condor

Diário de Pernambuco – Por Andrea Cantarelli

O novo longa-metragem do cineasta Cleonildo Cruz, Operação Condor, verdade inconclusa, começou a ser filmado na última quarta-feira (13) durante a exumação do corpo do ex-presidente João Goulart (Jango) na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul. A equipe vai percorrer, além do Brasil, mais cinco países para desvendar as entrelinhas da história da Operação Condor, uma aliança político militar entre os vários regimes militares da América do Sul: Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai.

Depois de 18 horas filmando o processo da exumação, Cleonildo disse que o caso de Jango é o ponto de partida do longa e também referência para os outros casos que serão investigados. “Existem três processos que envolvem a morte de João Goulart: o da Comissão da Verdade, um criminal (na justiça argentina) e um cível, no Ministério Público Federal; e todos serão abordados no filme”, explicou o cineasta. “Foi um momento emocionante que a gente sente participando da história”, completou, lembrando que conversou com peritos e amigos pessoais do ex-presidente.

O próximo destino da equipe é a Argentina, onde vai ficar cerca de um mês, para vasculhar as conexões de vários países na Operação Condor, criada com o objetivo de coordenar a repressão a opositores das ditaduras e eliminar líderes de esquerda instalados nos seis países do Cone Sul.

A ideia da obra, que terá 70 minutos de duração, é esclarecer os casos que envolvem esses países. “Nosso roteiro é percorrer o Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Paraguai e Bolívia, entrevistando especialistas, familiares das vítimas do Condor, historiadores e vamos refazer as trilhas do que foi a operação para que deixe de ser uma história inconclusa”, explicou Cleonildo.

O historiador lembra que a Operação Condor, de acordo com pesquisas histórias, foi criada no Chile, em 1975, numa reunião convocada pela Diretora de Inteligência Nacional do Chile (DINA). O Brasil não assinou a ata de fundação mas participou ativamente da sua articulação. A partir dessa espécie de acordo da cooperação, os serviços de inteligência dos países do Cone Sul – Brasil, Argentina, Chile, Bolívia, Paraguai e Uruguai – trocavam informações entre os aparatos repressivos dos regimes militares, faziam intercâmbio de informações pelas embaixadas, realizavam operações de prisão, tortura e troca de prisioneiros. “A Comissão Nacional da Verdade já tem documentos que revelam que essa relação já existia muito antes, e no filme essa verdade será descortinada”, destaca.

A previsão para o lançamento do filme é dezembro de 2014. O cineasta e historiador já realizou outras obras como diretor, roteirista e produtor, todas com o intuito de desvendar os bastidores da história. Suas últimas produções, em 2012, foram Constituinte 1987-1988 e Haiti, 12 de janeiro.

Quer saber mais sobre os fatos que levaram às suspeitas de que o ex-presidente João Goulart foi assassinado? Leia Jango – a vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva:

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Quer saber mais sobre a Operação Condor? Leia Operação condor: o sequestro dos uruguaios, de Luiz Cláudio Cunha:

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Começa exumação do corpo de Jango

Nesta quarta-feira, 13 de novembro, o cemitério Jardim da Paz em São Borja, fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina, amanheceu em clima de filme policial. Por volta das 8h, teve início a operação de exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart, o Jango. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência, Maria do Rosário, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, estão presentes no local, assim como familiares do ex-presidente. O jazigo foi isolado com uma estrutura de metal e panos negros para garantir a privacidade. Mas antes do início dos trabalhos, numa quebra do protocolo, a equipe de 12 peritos, liderada por Amaury de Souza Junior, posou para fotos.

Peritos posam para foto - Diego Vara / Agência RBS

Peritos posam para foto – Diego Vara / Agência RBS

Autor de Jango, a vida e a morte no exílio, Juremir Machado da Silva escreveu sobre a exumação na sua coluna de hoje, publicada no jornal Correio do Povo. Leia abaixo: 

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Começou, por volta das 8h desta quarta-feira, a operação de exumação dos restos mortais do ex-presidente João Goulart, o Jango, no cemitério Jardim da Paz, em São Borja. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos da Presidência, Maria do Rosário, e o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, estão presentes no local, assim como familiares do ex-presidente.

Antes do início dos trabalhos, numa quebra do protocolo, a equipe de 12 peritos, liderada por Amaury de Souza Junior, posou para fotos ao lado do jazigo onde está o corpo e os jornalistas puderam entrar e registrar imagens.

Queda e exílio de Jango em debate

Jornal Zero Hora – 4/11/2013 – Por Guilherme Mazui 

Uma audiência pública às 19h de hoje, em Porto Alegre, contará com a participação de Waldir Pires, ex-ministro de João Goulart

Bastidores da queda de João Goulart, a tensão política com as reformas de base em 1964 e histórias do exílio do presidente deposto pelos militares serão contadas em uma audiência pública às 19h de hoje na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. São memórias do ex-ministro Waldir Pires, membro do primeiro escalão do governo Jango.

Organizado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência e pela Comissão Nacional da Verdade, o encontro serve como etapa preparatória da exumação do líder trabalhista. No dia 13, em São Borja, peritos brasileiros e estrangeiros removerão os restos mortais de Jango na tentativa de esclarecer se ele morreu de causas naturais ou se foi envenenado no exílio, em dezembro de 1976.

Aos 87 anos, Pires é vereador em Salvador. Ex-governador da Bahia, ministro nos governos Sarney (Previdência) e Lula (CGU e Defesa), foi consultor-geral da República de Goulart – posto equivalente ao atual ministro da Advocacia-Geral da União. Pela natureza do cargo, Pires despachava quase todos os dias com Jango no Palácio do Planalto. Acompanhou a tensão dos últimos dias que antecederam a queda do gaúcho e sua posterior ida para o exílio.

– Fui um dos últimos a deixar o Planalto, escondido na madrugada. Só reencontrei Jango no Uruguai. O presidente evitou que o Brasil vivenciasse uma guerra civil – afirma Pires.

Passados quase 50 anos do golpe militar, o ex-ministro apoia a decisão do governo de exumar Goulart, forma de tentar retirar as dúvidas sobre o suposto envenenamento.

– Com o sistema de perseguição armado pela ditadura, não duvido que Jango tenha sido envenenado – diz.

Além de Pires, também palestram na audiência pública a socióloga e feminista Lícia Peres e familiares do líder trabalhista – outra audiência deve ocorrer na próxima semana em São Borja.

– Os encontros se inserem no que chamamos justiça de transição. É a capacidade de refletirmos sobre os atos realizados nos períodos de ditadura – explica a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário.

Neto do ex-presidente e advogado do instituto que leva o nome do avô, Christopher Goulart reforça a importância de reunir representantes dos movimentos sociais, em especial jovens, para recuperar o legado de Jango,.

A família também acompanha a definição dos detalhes da exumação, coordenada pela Polícia Federal. Depois de abrir o jazigo da famíia Goulart, em São Borja, peritos levarão o corpo para Brasília, onde serão realizados exames antropológicos e de DNA. Os testes toxicológicos serão feitos em laboratórios no Exterior. Não há prazo para divulgação dos resultados nem certeza se os laudos serão conclusivos.

Jango – a vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva, aborda justamente este tema. No dia 14 de novembro, às 17h na Feira do Livro de Porto Alegre, Juremir e Christopher Goulart, neto de Jango, conversam com os leitores sobre os fatos que despertaram a suspeita de que o ex-presidente possa ter sido assassinado. Logo após o bate-papo, às 19h, o escritor vai autografar o livro.

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Exumação de Jango terá maquete em 3D

Jornal Zero Hora – 22/08/2013 – Por Carlos Rollsing – São Borja

Escalado para investigar a morte de um ícone da história política do Brasil, um time de cinco peritos analisou o jazigo do ex-presidente João Goulart, em São Borja. Para facilitar a retirada dos ossos e o traslado para Brasília – o que deverá ocorrer até o final do ano –, foram feitas medições e fotos de vários ângulos. A partir das imagens, um programa de computador construirá uma maquete em 3D da sepultura, elemento que contribuirá no planejamento da remoção.

Ortiz explicou que os restos mortais de Jango estão inseridos em uma gaveta de tijolo maciço, do lado direito do jazigo, sendo a segunda de cima para baixo. Sob o mesmo mármore negro, também repousam outros oito corpos, entre eles o do ex-governador Leonel Brizola. Amaury ficou satisfeito com o resultado do trabalho, concebido para desvendar se Jango realmente sofreu morte natural em dezembro de 1976, como constam nos registros oficiais, ou foi envenenado pelas ditaduras do Cone Sul no contexto da Operação Condor.

Uma reunião, em 17 de setembro, poderá apontar o dia da exumação. A PF adiantou que, na data, a sepultura será cercada por tapumes para impedir a exposição de imagens que possam consternar a família.

Durante a perícia, alguns são-borjenses reclamavam. Pediam que deixassem o ex-presidente em paz. Outros simplesmente observavam. Artur Dorneles, um senhor de mãos engraxadas, se aproximou da grade do cemitério e, por cerca de 10 minutos, recordou o passado.

Quando Jango estava exilado na Argentina, onde morreu, Dorneles era encarregado de levar-lhe dinheiro e documentos. Ele sustentou uma tese que já gerou um livro: Jango não teria sido morto pelas ditaduras, mas por empregados que o traíram por interesse no seu dinheiro. O homem, depois de falar e se emocionar por três vezes, saiu andando e foi embora. A vida e a morte do ex-líder trabalhista mexem com as emoções da cidade.

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No cemitério em São Borja, perito da Polícia Federal mede o jazigo de Jango para que seja feita maquete 3D

O livro Jango, a vida e a morte no exílio, de Juremir Machado da Silva, reconstitui os últimos anos do ex-presidente João Goulart e trata de como foram construídos o imaginário favorável ao golpe e as narrativas sobre o possível assassinato do presidente deposto em 1964.

Agende-se: Palestra sobre Jango com Juremir Machado da Silva e Christopher Goulart (neto de Jango) na Feira do Livro de Porto Alegre  em 14 de novembro às 17h.

Divulgadas as etapas que antecederão a exumação de Jango

JangoJoão Goulart morreu em 1976 no exílio, sonhando em voltar para o Brasil. Anos depois, dois uruguaios, Foch Diaz e Ronald Mario Neira Barreto, surgiram do nada para levantar suspeitas sobre as condições da morte do ex-presidente. E enquanto Foch foi o primeiro a sustentar a hipótese de “morte duvidosa”, Neira apresentou-se como “réu confesso”, afirmando ter sido agente secreto no Uruguai e participado da Operação Escorpião para eliminar Jango por meio de uma ardilosa troca de medicamentos. O detalhe de como surgiu esta tese de assassinato e de como ela despertou o pedido de exumação do corpo de Jango está contada em detalhes no recém lançado Jango – A vida e a morte no exílio, o mais recente livro de Juremir Machado da Silva.

Esta semana, ao mesmo tempo em que o livro chegava às livrarias, novidades sobre o caso foram divulgadas. Leia o texto abaixo, publicado no site G1:

Família e governo definem etapas que antecederão exumação de Jango

A família de João Goulart (1919-1976) e o governo federal definiram nesta terça-feira (9), em Brasília, as etapas que antecederão a exumação do corpo do ex-presidente, sepultado em São Borja, na Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul. O reconhecimento do cemitério foi marcado para o dia 8 de agosto, quando serão tomadas as providências necessárias para desenterrar o caixão. Uma nova reunião será realizada em 3 de setembro, dia em que será selada a data oficial da exumação, prevista para ocorrer até o fim do ano.

Em contato com o G1, o neto de Jango e advogado da família, Christopher Goulart, adiantou os próximos passos do processo e revelou que todos os peritos estrangeiros já foram selecionados. “Ficou acertado que a Polícia Federal vai participar de todo procedimento e que a coordenação geral será realizada pela Comissão da Verdade, com o apoio do governo federal. Designamos técnicos da Polícia Federal para a exumação, além dos peritos internacionais. Serão dois argentinos, dois uruguaios, dois cubanos, além de toda estrutura da Cruz Vermelha”, detalhou Christopher. “Também teremos um outro perito que a família vai indicar para acompanhar de perto os trabalhos”, acrescentou.

Participaram da reunião a ministra Maria do Rosário, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, a presidente da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso, técnicos da Policia Federal e os peritos estrangeiros selecionados, além de representantes do Ministério Público Federal (MPF). “Frisamos que todas as provas documentais já estão reunidas para o início das atividades. Foi muito bom, muito produtivo. A sensação é de que mais um passo foi dado desde 2007. Não diz respeito somente à família, mas a todo país, que precisa conhecer a verdade.”

Após a exumação, os restos mortais de Jango serão levados a Brasília para serem periciados no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal.

O corpo do ex-presidente João Goulart será exumado devido à suspeita de que ele foi assassinado, possivelmente em uma ação da Operação Condor (uma aliança entre as ditaduras militares da América do Sul nos anos 1970 para perseguir opositores dos regimes). Segundo Christopher, a investigação apontou a possibilidade de que o Departamento de Ordem Política e Social (Dops), órgão do governo militar, tenha enviado um homem ao Uruguai para matar o político.

“Uma testemunha que era agente a serviço da repressão do Uruguai traz uma história de fundamental importância como linha investigativa, e trazendo fatos novos é obrigação da família pedir a investigação. Mas essa questão transcende o interesse da família. É interesse do Brasil saber como um presidente faleceu, até porque estamos nos aproximando do cinquentenário do golpe militar”, diz o advogado.

Juremir Machado da Silva autografa Jango – A vida e a morte no exílio no dia 17 de julho, às 19h, na Saraiva do Moinhos Shopping em Porto Alegre.

Zuenir Ventura escreve sobre o novo livro de Flávio Tavares

Um golpe no golpe

Por Zuenir Ventura*

Sempre que surgem descontentamentos nos meios militares, mesmo sem consequências graves como agora, espera-se, é bom olhar para três momentos dramáticos de nossa história política recente: suicídio de Vargas em 1954; renúncia de Jânio em 1961; queda de Jango em 1964. A segunda dessas crises está sendo contada no livro “1961 — o golpe derrotado“, em que Flávio Tavares relata o que chama de “Os treze dias que mudaram o Brasil”, quando um movimento liderado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande Sul, resistiu à pressão dos ministros militares que tentavam impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Com estilo literário e rigor jornalístico, num ritmo de thriller policial, o livro é o relato de quem viu tudo como repórter e viveu como protagonista, já que o autor, armado de um 38, tinha como missão “grudar-se em Brizola”, para cobrir os acontecimentos e para o que desse e viesse. O resultado é uma mistura de gestos heroicos, lances patéticos e números engraçados, como o do trote telefônico que Flávio passou no general José Machado e em Dom Vicente Scherer. Exímio imitador do sotaque alemão, ele ligou para o comandante do III Exército como se fosse o arcebispo, e para este como se fosse o general, um propondo ao outro resistir ao golpe. Sem esse acordo, é possível que o desfecho da crise fosse diferente, assim como o adiamento do Gre-Nal ajudou a manter a unidade dos resistentes, divididos entre gremistas e colorados. O jogo punha em risco a coesão de que tanto precisavam naquele domingo.

Enquanto isso, em Paris, eu servia de intérprete de um Jango indeciso, sem saber se voltava para resistir ou se aguardava por lá. Foi quando um colega parisiense me entregou em uma nota: “O contato de Goulart com a imprensa é um empregado de Carlos Lacerda, seu maior inimigo.” Eu era correspondente da Tribuna da Imprensa. Não podia errar na tradução.

Quando, em vez dos tanques, apareceu no prédio o general Machado para conversar com o governador rebelado, houve apreensão. “Foi o momento mais difícil de minha vida”, confessaria Brizola a Flávio em 1979, em Lisboa. “Eu esperava tudo e qualquer coisa; que ele viesse me abraçar ou me prender”. Machado fora anunciar que o III Exército tinha decidido dar posse ao vice-presidente.

Em meio a tantas peripécias que não cabem neste espaço, chama a atenção o papel do rádio no movimento. Toda a mobilização e todas as proclamações foram feitas através da Cadeia da Legalidade, transmitida do porão do Palácio. “O radinho de pilha começava a popularizar-se, fazendo a palavra de Brizola chegar ao inalcançável”, conta o autor, e não há como não lembrar o fenômeno das redes sociais nas várias “Primaveras” no mundo de hoje. A imagem de alguém com o transistor colado ao ouvido era tão comum quanto a do celular agora.

* Zuenir Ventura é escritor e jornalista. Este texto foi publicado originalmente no Jornal O Globo em 21 de março de 2012. 

Zuenir Ventura participou do lançamento do novo livro de Flávio Tavares, dia 20 de março, na Livraria Argumento

Um mergulho na Legalidade, 50 anos depois

Em 25 de agosto, o Movimento da Legalidade completa exatos 50 anos. Para os que já ouviram falar, mas não lembram direito desta aula de História, ele foi o movimento de resistência comandado pelo governador gaúcho Leonel Brizola à tentativa de golpe militar que queria evitar que o vice-presidente da República, João Goulart, assumisse no lugar de Jânio Quadros, presidente que havia renunciado. Para marcar este cinquentenário, e para relembrar cada detalhe do episódio de agosto de 1961, o jornalista e escritor Flávio Tavares preparou um livro que será lançado em setembro pela L&PM Editores. Flávio foi, na época, o enviado especial do Jornal Última Hora ao centro de operações do movimento e acabou atuando como um porta-voz informal de Brizola, já que os outros jornais sofreram censura e estavam proibidos de cobrir a Legalidade.

Aqui, você pode ler um artigo de Flávio publicado no Domingo, 21 de agosto, no Jornal Zero Hora e conhecer, com exclusividade, um trecho do primeiro capítulo de seu livro.

A renúncia de Jânio, por Flávio Tavares*

O estranho gesto da renúncia de Jânio Quadros à presidência da República completa 50 anos no dia 25. Nada foi tão rocambolesco nem gerou tantas consequências quanto aquele ofício seco e direto que seu ministro da Justiça levou ao presidente do Congresso naquela tarde de 1961: “Nesta data e por este instrumento, deixando com o ministro da Justiça as razões do meu ato, renuncio ao mandato de presidente da República”. Em apenas 24 palavras, se esvaía como água pelos dedos das mãos o poder de quem governara o país durante sete meses de forma imperial, com o apoio até de antigos adversários.

Com a renúncia, veio o golpe de Estado do ministro da Guerra, vetando a posse do vice-presidente João Goulart – para ele “um comunista”. Logo, o Movimento da Legalidade – a rebelião do governador Leonel Brizola reuniu o III Exército e a população, paralisando o golpe. Mas o grande protagonista foram armas inusitadas – primeiro, a imprensa; logo (e principalmente) o rádio. Brizola foi o grande artífice, mas sem a Cadeia da Legalidade seus discursos não teriam tido o poder de convocação direta, pessoa a pessoa, mobilizando tudo e todos.

Por que Jânio Quadros renunciou? Nas “razões” deixadas com o ministro da Justiça, disse só uma frase de efeito: “Fui vencido pela reação e assim deixo o governo”. Sem dar explicações, esquivou-se sempre a responder ou se enfurecia ao ouvir a pergunta. Em 1980, 19 anos após a renúncia, eu o visitei em São Paulo e, durante três horas, ele falou sem parar de Napoleão e Churchill, verbos e conjunções, José Bonifácio, metais e metaloides, Getúlio e Che Guevara, moeda e câmbio, sem dar pretexto a que eu tocasse na renúncia. Entendi aí que a genialidade extravagante e desordenada do ciclotímico o tinha feito líder político imbatível em 1960.

Com esse estilo, ele conquistou a presidência num triunfo eleitoral avassalador. Nele, tudo era mutante, como se fosse gerado e parido pelo imponderável, mas para o público isso era genialidade. No governo, fez o que quis, com momentos deslumbrantes de estadista e outros mesquinhos, de míope político distrital. A renúncia inesperada, porém, ficou atravancada na História, num desafio sem explicações.

Em tudo, só hipóteses. A mais estapafúrdia era de que ele tentou um “golpe branco” para, após renunciar, ser reconduzido pelo povo com poderes amplos, tipo “ditador constitucional”. Em termos concretos, porém, isto era absurda fantasia: Jânio nunca preparou nenhuma força popular de mobilização nem tentou seduzir os ministros militares, que sempre o apoiaram e também se surpreenderam com o gesto.

O povo-povão deu explicação mais simples: a renúncia foi coisa da cabeça de cachaceiro!

Jânio morreu em fevereiro de 1992, sem explicar-se em público. Agora, ao preparar um livro sobre o Movimento da Legalidade (que a L&PM lança em setembro), deparei com um depoimento do ex-presidente a seu neto (também Jânio), feito em 1991, em que abertamente afirma que renunciou “por crer que os militares, os governadores e o povo exigiriam que continuasse no poder”.

Numa confissão de avô, nada ocultando, conta que mandou o vice-presidente João Goulart à China, “lá longe” para “não haver quem assumisse o poder, pois Jango era inaceitável para a elite”. E conclui: “Achei que voltaria a Brasília na glória. Deu tudo errado”.

Seria ele um ator louco que representava para si mesmo? Ou, traído pela mitomania, acreditou que o sonho de poder viraria realidade numa mágica? Em qualquer caso, faltou a Jânio o que sobrou a Brizola: audácia e capacidade de mobilizar o povo.

* Este texto de Flávio Tavares foi originalmente publicado na página 15 do Jornal Zero Hora do dia 21 de agosto de 2011.

Clique sobre as páginas para ler um trecho do primeiro capítulo do livro de Flávio Tavares a ser publicado em breve: