Por Ivan Pinheiro Machado*
Editor, até pouco tempo atrás, era considerado apenas um leitor de luxo. Uma espécie de diletante privilegiado, quase como um diretor de uma fundação. Poucos imaginavam que uma editora pudesse ser uma empresa, ter obrigações prosaicas como pagar salários, direitos autorais, aluguéis etc. As pessoas se sentiam no direito de interromper o nosso jantar num restaurante para dizer que tinham uns poemas ou um romance “e você vai ter que ler e publicá-los!”. Este detalhe insalubre da profissão de editor é pouco conhecido. Vez por outra, numa festa ou num lugar público, você se torna refém dos chatos… Hoje, o mercado se profissionalizou e estas abordagens já não são tão frequentes como antes. Ainda acontece, mas o “público em geral” já tem ideia de que editor é um profissional como qualquer outro. Uma editora, ao contrário de uma fundação, é um negócio sujeito às leis do mercado.
Com os escritores acontecia praticamente o mesmo. Eram (e são) atormentados pelos mesmos chatos e amigos para lerem originais e darem uma opinião ou uma ajudinha para encontrar um editor. O José Onofre Krob Jardim, escritor e um dos melhores textos da imprensa brasileira, falecido recentemente, contava uma história muito boa sobre esta relação entre o “chato” e o escritor.
William Faulkner, prêmio Nobel de 1949, autor de “O som e a fúria”, “Enquanto agonizo”, “Luzes de agosto”, entre outras obras-primas, era famoso por criar ótimos títulos para os seus livros. Um dia, um amigo ligou e disse que seu filho havia escrito um romance muito bom, mas que estava com dificuldades para escolher o título. Ele pedia que Faulkner lesse o livro e desse um nome a ele. Educadamente, o grande escritor concedeu que o filho do amigo fosse a sua casa com seus originais.
Poucos dias depois, o rapaz cumpriu a promessa do pai e chegou na casa do escritor com um enorme calhamaço, um romance com quase 800 páginas datilografadas.
– Aqui está o livro para o senhor ler, Mestre.
Faulkner olhou apavorado para aquela montanha de papel e disse:
– Olha, meu filho, eu acho que já tenho um título para o seu livro…
– Mas o senhor não quer ler?
– Diga-me uma coisa. Por acaso a sua história se refere a tambores? Há alguma passagem em que os personagens toquem tambores?
– Não… com certeza não.
– Diga-me também o seguinte; em algum momento do livro existe uma cena em que há o som de clarins como fundo?
– Não. Respondeu o jovem, cada vez mais intrigado.
– Então está aí… Disse Faulkner com um sorriso sábio. Já temos o título: “Nem tambores, nem clarins”!!
*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o trigésimo primeiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.