Em 5 de maio de 1994, aos 87 anos, Mario Quintana voava para outros mundo, feito nuvem, feito passarinho, feito anjo. Deixou muitos versos e histórias para continuarmos lendo, recitando e contando. Para marcar a data, aqui vai um dos poemas do livro Quintana de Bolso:
O AUTORRETRATO
No retrato que me faço – traço a traço – às vezes me pinto nuvem, às vezes me pinto árvore…
às vezes me pinto coisas de que nem há mais lembrança… ou coisas que não existem mas que um dia existirão…
e, desta lida, em que busco – pouco a pouco – minha eterna semelhança,
no final, que restará? Um desenho de criança… Corrigido por um louco!
No livro Ora bolas – O humor de Mario Quintana, o jornalista Juarez Fonseca compilou e adaptou 130 historinhas reais de Mario Quintana. Para isso, contou com a colaboração de parentes, amigos, ex-colegas de trabalho e jornalistas que conviveram com o poeta e sua irreverência e bom humor. O resultado são pequenas anedotas deliciosas que mostram quem era, na verdade, Mario Quintana: um escritor talentoso com uma personalidade fascinante. Leia uma das histórias:
BRUNA
O jornalista Maurício Mello Jr., na época crítico literário do Correio Braziliense e bom conhecedor da literatura do Rio Grande do Sul (com a motivação extra de ser casado com uma gaucha), esteve em Porto Alegre por volta de 1985 para entrevistar Quintana. Depois de muita conversa séria, deixou para o fim uma questão que sabia ser do interesse dos leitores.
– Fale a respeito de sua amizade com Bruna Lombardi.
Mario pensou um pouco, bem pouco, e expôs o seu lado:
– Pois é… Não sei o que ela quer comigo. Mas eu estou cheio de más intenções.
Acaba de chegar a 4ª Edição de Ora bolas, revisada e aumentada e que inclui texto biográfico do escritor Ernani Ssó.
Mario Quintana Nasceu em Alegrete, RS, “filho do Freud com a rainha Vitória”, segundo ele mesmo disse, com a proverbial síntese e graça. O fato, acontecido num “solar de leões”, com sótão, porão, corredores e escadarias, mais assustador do que o mundo, foi comemorado pelos irmãos com a compra de duas rapaduras de quatro vinténs. Começava a noite de 30 de julho de 1906. Fazia um grau abaixo de zero.
Assim o escritor Ernani Ssó começa seu “Ensaio bio-bibliográfico” sobre Mario Quintana, publicado no livro Ora bolas (Coleção L&PM Pocket). Ora bolas é uma bem humorada coletânea de 130 histórias protagonizadas por Quintana e registradas pelo jornalista Juarez Fonseca que entrevistou amigos, familiares e conhecidos do poeta. São histórias como esta:
Gagá
Festas pelos setenta anos. A TV Globo mandou do Rio de Janeiro uma repórter para entrevistá-lo. Ingênua e desinformada, tratou-o como um velho gagá, cheia de diminutivos e perguntas bobas. Mario ficou uma fera. Mais tarde, conversando com a amiga Madalena Wagner, desabafou:
– Veio aqui hoje uma moça me entrevistar. Não entendeu que estou meio surdo mas que minha cabeça está ótima. E ela, em plena posse de suas faculdades mentais, nem desconfia que já nasceu morta…
Hoje é o “Dia do Gaúcho” ou, para aqueles que vivem mais acima do mapa do Brasil, a data que marca a Revolução Farroupilha, conflito que durou dez anos e que começou em 20 de setembro de 1835 numa oposição ao império de Dom Pedro II.
Neste dia, no Rio Grande do Sul, feriado regional, alguns vestem a bombacha, o lenço vermelho e empunham seu chimarrão pelas ruas. Outros, ao contrário, não são tão fanáticos assim. Como Mario Quintana. Veja a história contada no livro Ora Bolas – O humor de Mario Quintana:
SEM FANATISMO
Os TRADICIONALISTAS, essa turma que acha que inventou o cavalo e o campo, nunca conseguiram cooptar Mario Quintana. Temendo suas tiradas mortais, sempre se mantiveram a uma distância respeitosa. Mas ele não tinha por que pagar imposto ao altar da tradição e escrevia coisas do tipo: “Lembro que certa vez me encontrei com seu Zé na rua. Como bons gaúchos, paramos, relichamo-nos, abraçamo-nos…”
Mesmo assim, não faltavam incautos que vinham cobrar posições. Em um dia de boa paciência, Mario deu a um deles uma explicação sociológica:
– Eu não sou gaúcho fanático. Não sou porque meu pai nasceu no Mato Grosso, estudou no Rio de Janeiro, era farmacêutico e, para ele, o mate de boca em boca era uma coisa anti-higiênica.
Em 5 de maio de 1994, há exatos 17 anos, morria Mario Quintana, o poeta das coisas simples. Doce e irônico, sua marca foi a irreverência até nos temas mais tristes como a morte ou a própria tristeza. O poema a seguir faz parte do livro Quintana de Bolso:
Eu escrevi um poema triste
Eu escrevi um poema triste
E belo, apenas da sua tristeza.
Não vem de ti essa tristeza
Mas das mudanças do Tempo,
Que ora nos traz esperanças
Ora nos dá incerteza…
Nem importa, ao velho Tempo,
Que sejas fiel ou infiel…
Eu fico, junto à correnteza,
Olhando as horas tão breves…
E das cartas que me escreves
Faço barcos de papel!
No livro Ora bolas – O humor de Mario Quintana, o jornalista Juarez Fonseca resgata histórias engraçadas contadas por amigos, familiares e conhecidos. Mais do que o humor e a irreverência de Quintana, as breves anedotas revelam uma personalidade rica, forte e marcante:
Dor de dente
Três dias antes de morrer, no Hospital Moinhos de Vento [em Porto Alegre], ele achou inspiração para escrever uma frase e dá-la de presente às enfermeiras. Ao contrário da letra grande e quase ilegível dos últimos meses, mesmo tremida desta vez ela está miúda e nítida: “A maior dor do mundo é pente com dor de dente”.
Mario Quintana trabalhou como jornalista por quase toda a vida. No jornal Correio do Povo, de Porto Alegre, onde manteve uma coluna de cultura, de 1953 a 1977, ele conheceu a pequena Maria Claudia, para quem escreveu uns versinhos. Maria Claudia cresceu, virou escritora e passou a assinar Claudia Tajes. Ela conta esta história e recita de cor os tais versinhos no vídeo abaixo: