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Ferlinghetti e seu parque de diversões da cabeça

Lawrence Ferlinghetti é um dos beats originais, da turma de Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William Bourroughs. Aos 97 anos, lúcido e produtivo, ele se diz cansado e “só esperando pelo blecaute final”, conforme relatou em recente entrevista à Folha de S. Paulo. Na entrevista, aliás, o escritor, fundador da editora City Lights, fala de poesia, anarquismo, Obama e os amigos beats Ginsberg e Burroughs. A entrevista é de Rafael Sassaki. Clique aqui para lê-la na íntegra.

Ferlinghetti lendo

Como começou a escrever poesia? Como foi escrever “Um Parque de Diversões da Cabeça”?
Não me dei conta que era poeta, me dei conta de que tinha algo a dizer. Eu havia acabado de voltar de Paris, onde vivi por 4 anos, fazendo doutorado. E vim direto para São Francisco, onde nunca havia estado. O que escrevi nos meus primeiros anos aqui foi influenciado por autores franceses. Mas o que acontecia em São francisco imediatamente passou a afetar minha escrita. Os anos 1950 foram uma época revolucionária. Havia mais oportunidades em São francisco do que em Nova York, que já estava vendida, onde tudo já havia sido tomado. Em São Francisco você podia fazer qualquer coisa, ainda havia uma última fronteira na América, e era um lugar excitante de se estar.

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De Lawrence Ferlinghetti, a L&PM publica, além de Um parque de diversões da cabeçao romance Amor nos tempos de fúriaAlém disso, Uivo, de Allen Ginsberg, livro publicado originalmente pela City Lights (e pelo qual Ferlinghetti foi processad0), também faz parte do catálogo L&PM.

Aterrorizado
pelo som da minha própria voz
e pela sonoridade dos pássaros
cantarolando em fios ardentes
numa quietude de domingo vi a mim mesmo
trucidando inúmeros pecadores e perus
cães barulhentos com pontudas tetas mortas
e cavaleiros negros em armaduras
com rótulos Brooks
e calças com cadeados Yale
Sim
e com pênis erectus como lança
perfurei velhas damas
rejuvenescendo-as
num espasmo de minha espantosa espada
retrocedendo-as à virgindade
capuzes e cabeças
oh sim
adormecida hipocrisia encapuçada

prosseguimos conquistando tudo
mas enquanto isso
o tempo padrão real segue em frente
e novos bebês engarrafados com dentes reais
devoram nosso fantástico
futuro fictício.

(De Um parque de diversões na cabeça, Lawrence Ferlinghetti, poema traduzido por Eduardo Bueno)

“Howl”, um filme sobre um doce poeta e sua densa poesia

Por Paula Taitelbaum

Já assisti Howl (Uivo) duas vezes. Uma amiga baixou e legendou para mim. Para os que estão chegando agora, explico: Howl é o filme que conta a história do processo vivido pelo poema homônimo (em português, Uivo) de Allen Ginsberg. Eis minhas breves divagações:

Howl é um filme de amor: a paixão do escritor por seus escritos. Howl é um filme de terror: o horror de ver alguém que tenta transformar metáforas em monstros. Howl é um filme que não conta uma história: canta uma poesia. James Franco encarna Allen Ginsberg com maestria em pouco mais de noventa minutos que mesclam tempos e linguagens diferentes. Vemos o poeta beat em preto e branco recitando seu longo, lânguido e denso poema, em 1955, na Six Gallery em São Francisco. Somos levados a uma viagem ácida e atemporal em desenho animado que lembra The Wall, do Pink Floyd. Aterrisamos no tribunal em que, no ano de 1957, Lawrence Ferlinghetti, o editor de Howl, está sendo julgado por obscenidade com base no conteúdo erótico e homossexual do poema. Entramos na casa de Ginsberg, quando o filme recebe um tom de documentário e o poeta vivido por Franco conta a um repórter (ou talvez um biógrafo) passagens de sua vida e o que sente ao escrever, enquanto flashbacks mostram sua relação com Jack Kerouac e Neal Cassady. Não é um filme extraordinário, está longe de ser um filme inovador, tão pouco se revela um filme que concorreria ao Oscar, por exemplo. Mas para quem cria ou ama poesia, o filme emociona, soa como inspiração, faz refletir sobre o ato de escrever. Nos EUA, sua bilheteria não foi nada generosa e provavelmente por isso ele dificilmente entre em circuito comercial no Brasil. Já em Londres, sua estreia está marcada oficialmente para hoje e todos os principais jornais britânico trazem textos e reportagens que falam sobre o assunto. No The Guardian de quarta-feira, por exemplo, é possível ler uma matéria que traz alguns depoimentos de pessoas que conviveram com Ginsberg, entre elas, John Cassady, filho de Neal e Carolyn Cassady. Seu depoimento revela uma das faces mais interessantes desse filme para mim: a oportunidade de conhecer um pouco melhor a doce personalidade de Allen Ginsberg. Veja o que disse John:

“Eu o considero meu segundo pai, mas ele era mais como um tio. Eu me lembro que, em 1964, os Beatles tinham acabado de chegar nos EUA – eu tinha 14 anos e era um grande fã deles. Eu morava com meus pais em uma casa na Califórnia e Jack (Kerouac) e Allen e todo mundo estava sempre por lá. Foi uma infância bem interessante, como você pode imaginar. Eu estava sentado na mesa do café na frente de Allen e ele disse: ‘Johnny! Você quer saber um furo de reportagem? Quer saber de uma sujeira?’ Ele fez um olhar conspiratório e disse: ‘Os Beatles fumam maconha.’ E eu perguntei: ‘O que é maconha?’ E Allen olhou atônito para mim e fez aquela cara do tipo ‘você não é o filho de Neal Cassady, como assim o que é maconha?’. Ele ficou todo excitado para me contar: então ali estavam Allen Ginsberg e Bob Dylan introduzindo os Beatles à maconha num quarto de hotel depois do show de Ed Sulivan. Quantos garotos ouviram uma história como esta?

Uma vez minha mãe fez um festão em 1973, esqueci qual a desculpa. Allen apareceu com um grande curativo na sua perna direita, de muleta. Eu perguntei o que tinha acontecido e ele me deu uma piscada e disse: ‘Perseguindo mulheres’. Bem, ele sabia que eu sabia a verdade e eu dei uma grande gargalhada. Quando a polícia chegou na festa havia carros acima e abaixo da rua por cinco quilômetros. Eles viram Allen e pediram um autógrafo. Os policiais eram seus fãs. Ou seja: é ou não é um grande mundo esse? Allen foi sempre muito gentil e uma alma generosa, nunca foi egoísta. Só muitos anos depois eu descobri que ele era uma espécie de rock star da literatura.”

Clique sobre a imagem e veja vídeo com trechos de "Howl" legendados na L&PM Web TV

O poema Howl (Uivo) é publicado na L&PM em versão convencional e pocket.