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Lou Andreas-Salomé em livro e filme

Já está em cartaz em todo Brasil o filme “Lou”, cinebiografia de Lou Andreas-Salomé (1861-1937), romancista, e ensaísta que foi, acima de tudo, um espírito livre. Aos vinte anos, ela começa uma amizade filosófica com Nietzsche e brinca com o fogo de seu amor. Aos trinta, companheira do poeta Rainer Maria Rilke, guia-o no caminho da criação e foge de sua paixão. Aos quarenta, é acolhida por Freud como sua discípula mais brilhante. Mulher entre homens, ela sonha com um “mundo de irmãos”, de casamento sem sexualidade, de maternidade sem procriação, de inconsciente sem instintos destrutivos. Filosofia, poesia e psicanálise são os instrumentos da única afirmação que interessa a essa provocante mulher: o laço indissolúvel do indivíduo com a vida como um todo.

O filme “Lou” tem direção da alemã Cordula Kablitz-Post e traz as atrizes Katharina Lorenz e Nicole Heesters nos papéis principais (em duas fases da vida da personagem). Veja o trailer:

A Coleção L&PM Pocket publica a biografia de Lou Andreas-Salomé. Vale a pena conhecer melhor essa mulher.

Lou Salome

Você sabia que o poeta Rainer Maria Rilke…

– Ao nascer, em 4 de dezembro de 1875, recebeu o enorme nome de René Karls Wilhelm Johann Josef Maria Rilke?

– Foi vestido de menina até os cinco anos por sua mãe, numa tentativa dela compensar a morte de uma filha recém nascida?

– Foi amante da intelectual e escritora russa Lou Andréas-Salomé e que foi por sugestão dela que mudou o nome de “René” para “Rainer”?

– Aprendeu russo com a namorada russa para que pudesse ler Dostoievski e Tolstói no idioma original?

– Visitou Tolstói em sua casa e, ao ser questionado pelo escritor russo sobre sua ocupação, disse timidamente que se ocupava “com a lírica”.  E que depois disso Tolstói fez chover sobre o poeta um vivo e humilhante discurso contra toda a lírica?

– Casou-se, em 1901, com uma estudante de artes chamada Clara Westhoff e que ela estava grávida dele ao se casarem?

– Em 1902, mesmo separado de Clara foi com ela e a filha Ruth para Paris, pois a ex-mulher tinha sido aceita como aluna no estúdio de Auguste Rodin?

– A fim de escrever um ensaio sobre Rodin, Rilke virou secretário particular do grande escultor francês, encarregado inicialmente de sua correspondência estrangeira?

– Foi demitido por Rodin e impedido de entrar no ateliê do escultor por ter respondido algumas cartas sem a aprovação do patrão?

– No Brasil, teve poemas traduzido por Manuel Bandeira e Cecília Meireles?

Rilke criança, vestido pela mãe com roupas de menina

Rilke criança, vestido pela mãe com roupas de menina

Da esquerda para direita: Professor Andreas (marido de Lou Andreas-Salomé), August Endele, Rilke e Lou Andreas-Salomé

Da esquerda para direita: Professor Andreas (marido de Lou Andreas-Salomé), August Endele, Rilke e Lou Andreas-Salomé em 1897

Rilke com Lou Adreas-Salomé e o poeta Spiridon Drozin em 1900

Rilke com Lou Adreas-Salomé e o poeta Spiridon Drozin em 1900

Rilke e Rodin

Rilke e Rodin

No estúdio de Rodin, Clara modela um busto de Rilke

No estúdio de Rodin, Clara modela um busto de Rilke

De Rilke, a Coleção L&PM Pocket publica Cartas a um jovem poeta e Os cadernos de Malte Laurids Brigge.

O triste fim de Friedrich Nietzsche

Melancólico e solitário, Nietzsche foi atormentado pelo fantasma da doença mental de seu pai e acabou acometido do mesmo mal.

Durante o verão de 1900, seu estado de saúde se agravou por causa de uma bronquite que evoluiu para doença pulmonar. Vítima de apoplexia, Friedrich Nietzsche morreu às onze e meia da manhã de um sábado, 25 de agosto, aos 54 anos.

Ainda que suas dores físicas tenham sido a origem e a causa de seu isolamento exterior, é no sofrimento psíquico que se deve buscar as raízes de seu individualismo exaltado: foi  ele que levou Nietzsche a ressaltar o caráter único de uma solidão como a sua. A história desse homem “único” é, do começo ao fim, uma biografia da dor e não tem nenhum ponto comum com qualquer individualismo geral, uma vez que seu conteúdo não provém do “contentamento de si mesmo”, mas da força com que Nietzsche consegue “suportar a si mesmo”. Acompanhar as alternâncias dolorosas de ascensão e declínio que demarcam seu desenvolvimento intelectual é reler toda a história dos ferimentos que ele se inflingiu. “Esse pensador não precisa de ninguém que o refute: para tanto ele se basta”. Essas palavras audaciosas que Nietzsche emprega acerca de sua própria filosofia escondem uma luta heroica, longa e dolorosa consigo mesmo. (Lou Andreas-Salomé sobre Nietzsche – Em Nietzsche, Dorian Astor, Série Biografias L&PM)

Este impressionante vídeo traz cenas de Nietzsche, captadas em 1900:

A L&PM tem uma série inteira dedicada a Nietzsche. Clique aqui para ver.

A “dominatrix” Lou Andreas-Salomé

Friedrich Nietzche e Paul Rée, ambos alemães, ambos filósofos, ambos apaixonados pela mesma mulher: a jovem russa Lou von Salomé. Em 1882, os dois amigos – primeiro Rée e depois Nietzsche – pediram a mão de Lou em casamento. Ela, que na época tinha apenas 20 anos, não aceitou nenhum deles. Após recusá-los, Nietzsche sugeriu que os três fizessem uma foto juntos. A história desta fotografia, até hoje polêmica, está contada em “Lou Andreas-Salomé”, de Dorian Astor (Série Biografias L&PM).

O pedido solene acontecerá em 13 de maio, em Lucerna: um encontro é marcado no parque Löwengarten, ao pé da estátua do leão. Rée aguarda no hotel, ansioso, Nietzsche faz sua declaração, Lou reitera sua recusa, relembra sua aversão pelo casamento, insiste numa comunidade intelectual e amigável, à qual o nome de Rée não deixa de ser associado. Eles vão ao encontro de Rée no hotel. Nietzsche, para salvar as aparências, propõe que eles celebrem a Trindade com uma fotografia que seria encomendada a seu amigo Jules Bonnet. Rée detesta sua própria imagem e é reticente; mesmo assim, os três amigos acertam a representação de sua amizade, sob a direção de Nietzsche. Esse famoso retrato não deixa de causar desconforto. O trio se organiza ao redor de uma pequena charrete, diante de um cenário representando a montanha de Jungfrau (a Virgem).

bonnetNietzsche

Rée, no centro e em primeiro plano, olha para a câmara com um sorriso embaraçado, suas mãos procuram uma posição, a direita colocada dentro do colete, a esquerda roçando a atrelagem. Atrás dele, Nietzsche segura a atrelagem com mais convicção, com o olhar voltado para longe, em direção a um ponto obscuro. Lou está desconfortavelmente sentada dentro da charrete, fixando a câmera com um semirrorriso satisfeito: ela segura na mão direita um chicote ornamentado com lilases, pronta para fustigar os dois homens como dois bons cavalos de tração. Sua mão esquerda segura como rédeas as extremidades de uma corda enlaçada ao redor dos braços de Rée e Nietzsche. Comenta-se que o próprio Bonnet se chocara com a incidência da pose. Mas os três nada quiseram ouvir.

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Muito se comentou essa fotografia, que alimentou, em relação a Lou von Salomé, a imagem da mulher fatal e cruel, aos pés de quem os homens – mesmo um gênio da dimensão de Nietzsche – se humilhavam, como que estupidificados. Se for para interpretar essa posição como uma encenação masoquista (dois homens amarrados e submissos, e uma dominadora armada com um chicote), também será preciso especificar que a relação masoquista repousa num contrato livremente aceito, no qual o mestre do jogo não é aquele que pensamos. (…) Depois de analisar por tempo suficiente essa fotografia, vemos que o mais tragicamente sério é Paul Rée, aquele que não queria ser fotografado, aquele que não gostava de si mesmo, aquele que Nietzsche descreveria dois meses depois, num rascunho de carta para Malwida, da seguinte maneira: “A ideia de perpetuar a humanidade lhe é insuportável: ele não consegue vencer seu sentimento de aumentar o número de infelizes.” Rée desejaria de fato aquele casamento? Tudo acontece como se cada um dos três personagens da fotografia, reunidos para “celebrar a impossibilidade de um simples casamento”, fizesse com os outros dois um contrato de natureza completamente diferente: retardar a realização, adiar o desenlace, ser pura tensão, pura direção. Sujeitos a rebentar como uma corda tensionada demais. As duas bestas de carga se esgotarão. A condutora se sairá melhor.  

Em 1887, Lou se casaria com Friedrich Carl Andreas. Em 1897, se tornaria amante do escritor Rainer Maria Rilke e, mais tarde, seria acolhida por Freud como sua discípula mais brilhante.