Hoje, 10 de novembro, Martha Medeiros e Luiz Antonio de Assis Brasil têm encontros marcados com os leitores na Feira do Livro de Porto Alegre. Martha autografa seu livro, Um lugar na janela, às 16h. E Luiz Antônio de Assis Brasil falará sobre Figura na sombra na Sala Oeste do Santander Cultural às 18h e, às 19h, vai autografar seu novo livro. Leia aqui os textos publicados hoje no Caderno Especial Feira do Livro do Jornal Zero Hora.
O jeito Martha de viajar
Escritora lança “Um Lugar na Janela: Relatos de Viagem”
Por Rosane Tremea – Jornalista
É bem lá no final de Um Lugar na Janela que Martha Medeiros deixa clara a impressão das primeiras páginas do livro. Seus relatos de viagem podem ser traduzidos como anotações despretensiosas, daquelas que os mais ou menos viajantes fazem ao final de cada dia, recostados à cama da pousada, na sacada do hotel ou na mesa de um café. Tudo para não deixar escapar um detalhe, para não esquecer uma sensação, um sabor, um aroma, para não ser traído pela memória. Ainda que não se tenha, como ela diz, pretensões jornalísticas ou literárias.
Para perceber isso, não seria preciso chegar exatamente ao final do livro, que será lançado hoje, às 16h, na Praça de Autógrafos. Desde o início, Martha esclarece não se tratar de um guia de viagens, nem de tratados filosóficos ou antropológicos de autores como Paul Theroux ou Alain de Botton, ou da literatura que emerge das incursões de Pablo Neruda e Erico Verissimo.
Muito antes de se tornar uma escritora, Martha viajava. Diz ela, aliás, que a aventura começou às 14h do dia 20 de agosto de 1961, em Porto Alegre. Ou seja, os motivos que a levam a se mover por cidades, países e continentes são os que a fazem viver desde a hora do nascimento: o desejo da descoberta, para resumir.
É assim desde a primeira ida à Europa, aos 20 e poucos anos (naquele tempo, e não faz tanto tempo, a primeira vez não era tão precoce!), pulando de país em país, hospedando-se na casa de amigos de amigos, até o mais recente pouso em Nova York, a última escala descrita, na companhia das duas filhas.
Há de tudo no diário de bordo de Martha. De situações prosaicas – como embriagar-se de um pôr do sol, esperar em vão pela bagagem ao lado de uma esteira –, a outras nem tanto, como sentar perto de Harrison Ford num aeroporto sem conseguir dirigir-lhe a palavra. Ou, ainda, aquelas que a própria abominava, como cantar em coro num ônibus de excursão a caminho de Marrakesh.
Há passagens em que se imiscui a cronista, e ela dá um toque de autoajuda materna ao revelar momentos da convivência com uma das filhas, então com 19 anos, no longínquo Japão:“Só mesmo se afastando da rotina para estabelecer uma intimidade menos invasiva e mais calorosa. Viagens propiciam isso, uma quebra de hierarquia e uma democrática união diante do desconhecimento mútuo”.
Em Um Lugar na Janela, Martha confessa render-se a alguns de seus preconceitos, a manter muitos de seus princípios, a não se render ao consumismo e nem ao invasivo e às vezes inadequado hábito de fotografar tudo o tempo todo, de não abrir mão de uma boa companhia – ainda mais se for o amor de sua vida –, mas de não deixar de embarcar quando houver só a sua própria parceria.
Martha revela seu jeito de viajar. Que não é melhor nem pior que o de ninguém. É apenas o seu jeito, leve, de ver o mundo.
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Ilustres visitantes
Por Luiz Paulo Faccioli – Escritor
Porto Alegre, 1998. Luiz Antonio de Assis Brasil trabalha com avidez em seu novo romance, muitas páginas já escritas – talvez 80 –, quando estaca. A obra vai tomando a forma dos romances que o fizeram um dos mais importantes autores de sua geração. O texto à sua frente tem a prosa luxuosa, o andamento lento e as sutilezas estilísticas que sempre foram sua marca registrada. Mas o escritor sente que precisa mudar. Fiel ao que sempre ensinou a seus alunos, ele não tem dúvidas: deleta impiedosamente tudo o que havia escrito e recomeça do zero.
Em 2001, surge O Pintor de Retratos, obra demarcadora da nova fase. O público não estranhou: detrás daquela prosa agora econômica, atenta ao essencial – e, por isso mesmo, muito mais forte –, está o mesmíssimo autor, só que renovado.
De lá para cá, foram quatro romances formando uma espécie de tetralogia: todos eles são protagonizados por visitantes que chegam ao pampa e o decifram com olhos forasteiros. Esses personagens são o italiano Sandro Lanari, de O Pintor de Retratos, o cronista emissário do imperador, de A Margem Imóvel do Rio, o Maestro Mendanha, de Música Perdida. No mais recente, Figura na Sombra, figuram dois ainda mais ilustres: o médico e botânico francês Aimé Bonpland, que empreendeu diversas expedições científicas mundo afora acompanhando o naturalista e geógrafo alemão Alexander von Humboldt. A expedição às Américas, que durou cinco anos, definiu uma mudança de rumo: Humboldt retorna à Europa com o objetivo de escrever uma grande obra abrangendo todas as descobertas que fez, enquanto Bonpland decide deixar para trás o prestígio que tem na corte de Napoleão Bonaparte, e um amor incompleto pela imperatriz Josefina, para se estabelecer no pampa, interessado sobremaneira em nossa erva-mate.
Aqui, Aimé vira Don Amado, que aparece no belíssimo prólogo recebendo um emissário de Humboldt em sua estância Santa Ana, em Corrientes, Argentina, no ano de 1858.
Em suas pouco mais de 260 páginas, Figura na Sombra descreve as peripécias dos dois aventureiros em suas fabulosas expedições, em que ficção e história outra vez se mesclam. Porém, o que mais importa é a grande aventura humana: Bonpland e Humboldt têm uma relação tão rica quanto conflituosa, e Assis Brasil nos faz vivê-la em toda sua magnitude e complexidade em outro de seus magistrais romances.