Ontem a editora Caroline Chang começou a publicar suas impressões sobre VIIIa. Semana TyPA de Editores. Para ver o primeiro post, clique aqui.
Caroline Chang
– É invejável o nível de preparo dos livreiros, em geral. Sim, tive que soletrar nomes de alguns autores, mas também pode ser culpa do meu castelhano de pé quebrado. De modo geral, os livreiros conhecem os livros que vendem e são capazes de opinar sobre eles. Imagino que isso se deva em parte ao melhor nível educacional argentino (embora também haja queixas de que o ensino privado está maquiavelicamente clientelizando o processo educacional, coisa que conhecemos bem no Brasil), em parte à posição privilegiada que a leitura e a cultura livresca ocupa na vida portenha.
– Eu nunca havia me dado conta da dimensão que ocupa, na vida cultural argentina, do fato de as grandes editoras espanholas comprarem direitos para língua espanhola e os leitores argentinos se verem em uma de três situações: ou a editora espanhola que compra os direitos de tradução para o espanhol exporta os livros para as livrarias e distribuidoras argentinas, e nesse caso o livro chega ao leitor argentino a um preço que é no mínimo o dobro do que custaria se fosse produzido no país; ou então a editora espanhola não distribui direito os livros na Argentina (seja por problemas nos canais de distribuição, seja por acreditar, baseado na carreira espanhola do livro, que ele não terá êxito comercial, o que nem sempre é verdade, já que se trata de contextos culturais diferentes); ou, melhor dos casos sob o ponto de vista do leitor argentino, a editora espanhola que compra os direitos para tradução para o espanhol tem uma casa editorial filial na Argentina, podendo então produzir tiragens na Argentina, para o leitor local, que então tem acesso ao livro a um preço argentino, e não europeu. Alguns setores do mercado editorial argentino inclusive defendem que agências literárias e editoras que vendem direitos de tradução deveriam comercializar em separado direitos para traduzir o livro na Espanha e, por exemplo, na Argentina (tal como acontece com Brasil e Portugal: direitos para explorar um livro em língua portuguesa no Brasil é vendido para uma editora brasileira, e os direitos para explorar o mesmo livro em língua portuguesa em Portugal, para uma editora portuguesa). Assim os direitos ficariam livres para editoras argentinas que quisessem explorar tal livro e tal autor, o que certamente fortaleceria a cadeia nacional. (Vale lembrar que a separação dos direitos entre Portugal e Brasil é recente: poucas décadas atrás, os agentes vendiam direitos mundiais para língua portuguesa para editoras portuguesas, e nós, leitores brasileiros, nos víamos na obrigação de importar o livro e ler Lawrence Durrell em português de Portugal.)
– Suspeito que nossos irmãos argentinos conheçam melhor a literatura brasileira que nós a argentina. El Corregidor (
www.corregidor.com.ar ), por exemplo, tem uma série que se chama Vereda Brasileira, onde se encontra o que de melhor a nossa literatura produziu. A editora Adriana Hidalgo tem, na sua serie de traduções, uma clara veia brasileira, tendo publicado João Gilberto Noll, Clarice Lispector, Dyonélio Machado e – pasmei quando vi –
Grande Sertão: Veredas, além de
Sagarana. Me corrijam se estou errada, mas creio que não há nenhuma editora brasileira que tenha uma série numerosa e longeva de literatura platense, que dirá argentina.
Caroline ao lado da estátua de Mafalda em San Telmo / Arquivo pessoal
– Por fim, vida longa a uma menina baixinha de quem o Gobierno de La Ciudad (de Buenos Aires) inaugurou há pouco uma estátua, no velho bairro de San Telmo, próximo à casa de Quino, seu criador (esquina da calle Defensa com calle Chile). Foi com ela que a literatura argentina fez sua grande e indelével entrada na minha vida.