Por Paula Taitelbaum*
Já faz uns dias que todos nós acompanhamos o caso do Machado de Assis pintado de branco pela Caixa Econômica Federal. Pobre Machado: sem querer, virou Michael Jackson. Num misto de desleixo e ignorância (talvez mais ignorância do que desleixo), uma das maiores instituições públicas do país cometeu uma gafe de proporções homéricas. Pura estupidez humana. E põe humana nisso, já que a fila de gente que aprovou o casting, acompanhou as filmagens e deu ok ao produto final não deve ter sido pequena. Se pensarmos que envolveu a direção e o marketing da Caixa Econômica Federal, a criação e o atendimento da agência de propaganda (no caso a BorghiEhr/Lowe) e o pessoal da produtora de vídeo (a conceituada Conspiração Filmes), a conta, por baixo, soma umas cem pessoas. Será que ninguém destes leu sobre a vida de Machado (melhor nem perguntar se leram a obra de Machado)? Como assim?
Eu confesso que não assisti ao comercial no ar, vi agora há pouco, pelo Youtube. O ator escolhido é de uma brancura rinso constrangedora. Só falta ter olho azul! Bastaria trocar a assinatura final para virar comercial de OMO: “Fizemos o teste: deixamos Machado de molho e removemos até as manchas mais difíceis!”.
Caixa Econômica Federal e todos os envolvidos são culpados. Não há perdão para eles. Até porque não é apenas uma questão de valorização dos negros, mas de verdade histórica.
No final, entre comerciais mortos e contas bancárias feridas, vejo algo de positivo no ar. Pense bem: fazia tempo que o povo não falava tanto em Machado de Assis. E, pelo menos agora, as pessoas vão saber que, em uma de suas fotos mais famosas, clicada por ninguém menos do que o célebre Marc Ferrez, Machado não estava bronzeado. Ele era mulato. Que o erro, afinal, sirva de lição.
A L&PM publica todos os romances de Machado de Assis na Coleção Pocket e produziu um documentário sobre o escritor para a L&PM WebTV.
* Paula Taitelbaum é escritora e coordenadora do Núcleo de Comunicação L&PM.