Por Nanni Rios*
Há quem olhe para a edição de bolso de A trégua, do uruguaio Mario Benedetti, e duvide de sua grandeza: são apenas 160 páginas escritas em forma de diário, com espaçamento maior aqui e ali para dar o intervalo entre os dias. Mas como tamanho não é documento, ele merece uma chance: este pequeno livro carrega uma das histórias mais emocionantes que já li. E isso sim faz dele um grande livro!
Quando me deram A trégua para ler, eu sequer conhecia Mario Benedetti. Também não me explicaram o porquê do título do livro. Mas confiei na indicação e permiti que Martín Santomé se apresentasse. Ele não é um personagem curioso, doidão ou exótico – tanto que se eu passasse por ele na rua, provavelmente não o notaria. Mas ao descrever este Martín Santomé em primeira pessoa e em tom confessional, como se faz a um diário, Benedetti fala sobre solidão de um ponto de vista que é devastador para quem lê: ele fala de dentro do vazio. E ao fazer isso, ele transporta o leitor para dentro da história – e, a partir daí, não é mais possível largar o livro.
Santomé tem 49 anos e é um homem só. Viúvo, coube a ele a educação dos três filhos, Esteban, Jaime e Blanca – dos quais sempre se sentiu distante. O emprego burocrático numa repartição comercial esmaga seus dias e ele não percebe – ou não admite. Até que aparece em sua vida a jovem Laura Avellaneda, que parece ser o que faltava para dar uma trégua na solidão e espantá-la para longe. Com Avellaneda, ele se sente capaz de viver infinitamente, de se renovar, zerar o contador e começar hoje mesmo a ser feliz. Os mais espertos já devem ter identificado: o nome disso é amor. A trégua É o amor.
Bom, não vou contar aqui o que acontece após o encontro de Santomé e Avellaneda para não estragar o desfecho surpreendente – e cruel, diga-se de passagem – da história. Mas uma coisa eu garanto: depois do redemoinho de emoções compartilhadas – com acesso irrestrito aos sentimentos de Santomé por meio de seu diário – não há como voltar incólume. Benedetti nos nega a confortável posição de simples espectador e transforma a leitura de “A trégua” numa experiência quase pessoal, algo como “mexeu com Santomé, mexeu comigo”.
Ao terminar de ler, parecia que eu tinha acabado de presenciar uma tragédia e tinha visto o culpado fugir. Mas o culpado, neste caso, era o destino, aquele que tudo pode, impiedoso e frio. E para ele, não há trégua.
* Toda semana, a Série “Relembrando um grande livro” traz um texto assinado em que grandes livros são (re)lembrados. Livros imperdíveis e inesquecíveis.