Folha de S. Paulo – 03/03/2013 – Por Roberto de Oliveira
“Promete que fará sexo sem pudores, que fará filhos por amor e por vontade, e não porque é o que esperam de você…” Esse trecho do texto “Promessas Matrimoniais” vem causando burburinho e suspiros em casamentos.
É claro que nada disso acontece sob a tutela da igreja. Tratado como um poema, “Promessas” tornou-se uma espécie de mantra moderninho em oposição aos clássicos sermões dos padres. Caiu nas graças daquela turma que não é chegada às celebrações tradicionais, geralmente casais jovens, de perfil, digamos, “descolado”. Nesses eventos, assim como em redes sociais, sites e blogs sobre casamentos, “Promessas Matrimoniais” costuma ser atribuído ao poeta Mario Quintana (1906-1994), mas não é dele.
Foi criado em maio de 1998 pela escritora e colunista gaúcha Martha Medeiros, 52. O texto faz parte do livro de crônicas “Montanha-Russa“.
O casamento de Juliana Paes com o empresário Carlos Eduardo Baptista, no Rio, em setembro de 2008, ajudou a “bombar” “Promessas Matrimoniais” na web.
Só que a autoria estava equivocada. Erro dos sites de celebridades, de quem realizou o casamento ou dos pombinhos? Pastor queridinho dos famosos, Luiz Longuini, que celebrou a união da atriz, conta que sempre soube que o texto “era do Mario Quintana”.
Ele diz que Juliana Paes não sabia quem era o autor. “Depois do casamento descobri, pelo sucesso na mídia, que é da Martha Medeiros.” Hoje, Juliana Paes jura que sempre soube que o texto era de Martha. “Gosto desse texto faz muitos anos. Muito antes de pensar em me casar.”
Para a fotógrafa carioca Fabricia Soares, 36, o poema é “lindo”. “Há uma grande discussão na internet sobre a autoria. Uns dizem que é do Quintana, outros dizem que é da Martha Medeiros”, diz. Durante a cerimônia de sua união com o fotógrafo Alexandre Marques, 42, a juíza bolou um texto que emocionou a todos, um “pot-pourri” de trechos que falavam dos noivos, suas manias e amores, e, de quebra, enxertava partes de “Promessas”.
O ambiente era a tradicional confeitaria Colombo, no centro do Rio, em uma área reservada para um almoço com 12 convidados, entre amigos e parentes. Fabricia não conhecia o texto, tampouco o autor. A juíza de paz Lilah Wildhagen, 56, não incluiu no discurso a parte que trata de sexo. “Evito porque o Conselho de Ética pode vir em cima da gente”, justifica. “Apesar de o sexo ser inerente ao casamento, não é mesmo?” Às vésperas de celebrar 2.000 casamentos, Lilah conta que sempre usa trechos do texto nas cerimônias. “É uma forma de personalizar.”
A juíza pinça partes do texto com base em respostas de um questionário com 32 perguntas aplicado aos noivos antes da cerimônia. A autoria? Ela ignora. “É de um autor desconhecido. Na internet, dizem que é de Mario Quintana. Não é. Nem dele, nem da Martha Medeiros, nem de Carlos Drummond de Andrade. Apesar de a Martha ser genial”, diz ela.
Assim começa “Promessas Matrimoniais”, de Martha Medeiros
EFEITO COLATERAL
Segundo a professora Lucia Rebello, do Instituto de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em toda a obra de Quintana “não existe nada sobre casamento, promessas matrimoniais e sermões”. “Mesmo o estilo do texto não tem nada a ver com a poesia de Quintana.”
Martha, a verdadeira autora, lembra que talvez a ideia de escrever a crônica tenha surgido quando ela foi a um casamento de uma amiga. Antes de entrar com os tópicos iniciados com a palavra “promete”, ela faz uma introdução na qual explica que “achava bonito o ritual do casamento na igreja, com seus vestidos brancos e tapetes vermelhos”, mas que o sermão do padre lhe desagradava.
“Promete ser fiel na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, amando-lhe e respeitando-lhe até que a morte os separe? [sic]’ Acho simplista e um pouco fora da realidade. Dou aqui novas sugestões de sermões.”
Segundo a escritora, há uma série de textos creditados a ela incorretamente e textos seus atribuídos a outras pessoas. “É uma chatice com a qual a gente tem que aprender a conviver”, diz. Martha considera “impressionante” o volume de créditos errados veiculados na internet. Cita nomes como Carlos Drummond de Andrade, Caio Fernando Abreu e Clarice Lispector, que também costumam ser “vítimas” desse “troca-troca autoral”. “Confesso que não gosto, mas não dá para fazer disso uma cruzada. É um efeito colateral da internet”, diz ela.
A escritora avisa que não gostaria de parecer “antipática”, mas que preferiria ser lida só em seus livros e nos jornais. “Além de autoria trocada, colocam enxertos, dão outros finais às histórias, criam finais melosos.”
Seja do poeta, seja da cronista, o que importa para esses casais é tentar cumprir as promessas. E ser feliz!