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Michelangelo se prepara para desaparecer

Michelangelo Buonaroti morreu em 18 de fevereiro de 1564, aos 89 anos, deixando para sempre sua marca na história da arte. No epílogo do livro Falem de batalhas, de reis e de elefantes, o escritor Mathias Énard resume a história de vida do artista em poucas palavras:

“em fevereiro de 1564, é a vez de Michelangelo, que se prepara para desaparecer.

Dezessete grandes estátuas de mármore, centenas de metros quadrados de afrescos, uma capela, uma igreja, uma biblioteca, o domo do mais célebre templo do mundo católico, vários palácios, uma praça em Roma, fortificações em Florença, trezentos poemas, sonetos e madrigais, outros tantos desenhos e estudos, um nome associado para sempre à Arte, à Beleza e ao Gênio: eis aí, entre outras coisas, aquilo que Michelangelo se prepara para deixar para trás de si, alguns dias antes de completar oitenta e nove anos, sessenta anos depois de sua viagem a Constantinopla. Morre rico, com um sonho realizado: devolveu à sua família a glória e as possessões passadas. Tem a esperança de ver Deus, e o verá decerto, pois crê nisso.”

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“A criação de Adão”, de Michelangelo, na Capela Sistina em Roma

 

Um dos grandes lançamentos do ano

Por Ivan Pinheiro Machado*

“Falem de batalhas, de reis e de elefantes” é um belo livro. E não é nenhum exagero colocar este lançamento entre os grandes acontecimentos literários do ano. O francês Mathias Énard, autor inédito no Brasil, escreveu “Zone”, “La rue des voleurs” (Rua dos ladrões), “Tout será oublier” (Tudo será esquecido) entre outros livros. 

Nasceu em 1972 e acumula em seu país vários prêmios como o “Prix Goncourt des Lycéens” e o “Prix Du livre em Poitou-Charentes” somente para este “Falem de batalhas…”. O tema é fascinante: no dia 13 de maio de 1506, Michelangelo desembarcou em Constantinopla para projetar uma ponte sobre o Corno de Ouro no estreito de Bósforo a pedido do Sultão Bayiazid. O grande pintor, arquiteto e escultor vivia um momento difícil na sua vida de “artista da corte”. E desafiando a cólera do temido Papa Julio II, o papa guerreiro, ele simplesmente desapareceu de Florença, deixando inacabado o projeto da tumba suntuosa do próprio Papa em Roma. Lá em Constantinopla, o poderoso Sultão tinha a esperança de que o legendário Michelangelo poderia dar cabo ao desafio que o já célebre Leonardo da Vinci não conseguira vencer. Bayiazid rtinha recusado o projeto de Da Vinci, por achá-lo simplório demais.

E é partindo desta passagem obscura da biografia de Michelangelo que Mathias Énard constrói esta novela brilhante. Misto de romance histórico e ficção, o autor usa a prerrogativa do escritor. Ou do “fingidor”, como dizia Fernando Pessoa referindo-se ao ofício de escrever poesia. Tudo são verdades? Onde é o limite entre os fatos e a farsa?

Baseado em fragmentos de verdade, Énard solta a imaginação apoiado na atmosfera mítica e mística da Istambul do século XVI. Reconstitui o ambiente de fausto e mistério, os personagens enigmáticos e a perplexidade do mestre italiano diante do mundo muçulmano, da arquitetura inebriante e sedutora com seus minaretes e abóbadas sensuais. E entre ficção e realidade o autor reconstitui o curto período da estada de Michelangelo Buonarroti em Istambul. O resultado é esta novela de leitura arrebatadora, que é contada com o mesmo fascínio das histórias nas quais se fala de batalhas, de reis e de elefantes.

* Editor da L&PM.

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