A invenção de Morel é a obra-prima de Bioy Casares, um livro literalmente fantástico, publicado originalmente em 1940. A história de um fugitivo da Justiça – que está refugiado em uma ilha deserta e de repente se vê cercado por um misterioso grupo de veranistas – acaba de ser publicado em HQ pela L&PM Editores. Leia abaixo o prefácio, escrito por Michel Lafon, professor de literatura argentina na Universidade Stendhal de Grenoble. Lafon foi o editor da tradução francesa de oito romances de Adolfo Bioy Casares publicados em volume único em 2001 e autor, junto com Benoît Peters, de Nous est un autre – Enquête sur les duos d’escrivains, que tem um capítulo dedicado à parceria de Borges e Bioy Casares.
Hoje, nesta ilha…
(Um prefácio para A invenção de Morel)
Hoy, en esta isla, ha ocurrido un milagro. É assim que começa o mais belo romance em língua espanhola do século XX. No começo dos anos 30, em Buenos Aires, um jovem conheceu um escritor quinze anos mais velho que já desfrutava de uma certa notoriedade, principalmente como poeta. Eles se tornaram amigos, amigos inseparáveis, que se encontravam quase todos os dias para falar de literatura, ler um para o outro suas obras em andamento, zombar dos contemporâneos e, às vezes, até mesmo escrever juntos, dando origem a uma fascinante criatura de quatro mãos.
O mais velho se chamava Jorge Luis Borges. Em 1939, ele escreveu “Pierre Menard, autor do Quixote”, a primeira de suas ficções: uma revolução literária estava em curso. O jovem tímido ao qual mulher nenhuma resistia se chamava Adolfo Bioy Casares. Em 1940, aos 26 anos, publicou aquele que na prática era seu primeiro romance, A invenção de Morel (seis livros o precederam, todos eles renegados). Pela primeira vez, ele não se sentia envergonhado por um livro saído de sua pena. Os amigos compreenderam de imediato que ele tinha enfim se tornado um escritor. Mais que isso, uma espécie de estado de graça, uma magia frágil pairou sobre esse romance e se repetiu em todos os livros seguintes.
A invenção de Morel, escreveu Borges no prefácio que abre o romance do amigo, é uma trama “perfeita”. De fato, é um romance que não se deixa esquecer, que escraviza o leitor, faz arder um desejo de relê-lo, revisitá-lo, recontá-lo à sua maneira, reescrevê-lo, reproduzi-lo. É sobretudo um dos mais belos mitos amorosos da literatura. Todo leitor que mergulha em suas páginas corre o risco de compartilhar para sempre do amor insaciável e desesperado do fugitivo venezuelano pela misteriosa e fascinante Faustine, de vagar como um louco pelos pântanos insalubres da ilha proibida, gritando seu nome sob a chuva…
Jean Pierre Maurey foi uma das vítimas da armadilha da ilha e de seu mecanismo infernal. Ao cruzar um dia com os habitantes fantasmagóricos, não quis mais saber de deixá-los. Durante vários anos, viveu com eles entre o museu, a capela e a piscina, seguindo Faustine de longe, observando os mínimos gestos, procurando por um sorriso, talvez um sinal de cumplicidade, um lenço descartado casualmente e guardado em segredo, com ardor. Com um rigor admirável, ele pôs os recursos das histórias em quadrinhos a serviço da narrativa fantástica. Poucas vezes, ao que me parece, uma obra literária foi objeto de uma adaptação tão sensível, tão sutil: é a reinvenção de Mourey.
Ao elogiar sua paixão e paciência, porém, não posso me esquecer dos ombros amigos que o acompanharam em seus sonhos: Adolfo Bioy Casares, com o olhar celestial, morto em 1999, e também seu filho, Fabián Bioy Casares, que se entusiasmou desde o início com o projeto de Jean Pierre Mourey, que contemplou maravilhado suas primeiras páginas, mas nos deixou no início do ano de 2006. Se a máquina de Morel continua a funcionar em uma ilha longínqua do Pacífico, ao ritmo das marés, esperemos que ela registre para a eternidade aqueles que passam por lá e nos são queridos. Será un acto piadoso.
Michel Lafon