Precavido e organizado, o poeta português Fernando Pessoa “salvou” boa parte de sua intensa produção literária numa arca. Os poemas que ainda não tinham sido publicados foram organizados e etiquetados pelo próprio Pessoa para garantir que a posteridade não profanasse sua obra.
Nesta arca, havia um envelope verde com o rótulo “quadras”, cujo conteúdo revela um outro Fernando Pessoa – que também não está em nenhum de seus heterônimos. Eram 60 folhas com 365 quadras até então desconhecidas pelo grande público, que revelam um poeta simples que fazia registros do cotidiano e da vida na aldeia. Este material foi reunido no livro Quadras ao gosto popular (Coleção L&PM Pocket), que conserva desde a ordem dos papéis organizados por Pessoa até a ortografia da época.
Mas, afinal, o que é uma “quadra”?
Na introdução do livro Quadras ao gosto popular, assinada pela escritora Jane Tutikian, há uma explicação:
Vale dizer que este [a quadra] é o mais elementar e popular dos gêneros poéticos, cuja principal característica é a simplicidade do tema e do esquema métrico, composto por redondilhas maiores (versos de sete sílabas), também conhecidas como “medida velha” – esquema de composição muito utilizado pelos poetas medievais.
Mas a definição do próprio Fernando Pessoa, extraída do livro Missal das trovas e citado na mesma introdução, é muito mais poética:
A quadra é um vaso de flores que o povo põe à janela da sua alma. Da órbita triste do vaso escuro a graça exilada das flores atreve o seu olhar de alegria. Quem faz quadras portuguesas comunga a alma do povo, humildemente de todos nós e errante dentro de si próprio (…)
Aí vai um pouco da simplicidade e da leveza desta outra face de Fernando Pessoa:
8
Entreguei-te o coração
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por ‘star estragado
Que ainda não mo devolveste…
11
Duas horas te esperarei
Dois anos te esperaria
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?
117
O cravo que tu me deste
Era de papel rosado
Mas mais bonito era inda
O amor que me foi negado