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Nossas mulheres…

A L&PM tem muitas mulheres. Escritoras, poetas, musas, personagens, nomes de livros. Basta digitar “mulher” na busca por títulos e ver o que aparece. Tem mulher no escuro, mulher de prazer, mulher de trinta anos, mulher com medo de barata, mulher de bandido, a mulher mais linda da cidade, mulher com exclamação. E mulher que é mulher e ponto.

No Dia Internacional da Mulher, escolha a sua e boa leitura! Abaixo, alguns exemplos que soam como uma homenagem:

Mulheres, de Eduardo Galeano: “Não consigo dormir. Tenho uma mulher atravessada entre minhas pálpebras. Se pudesse, diria a ela que fosse embora; mas tenho uma mulher atravessada em minha garganta.”

Estudos de Mulher, de Balzac: “Essa mulher, saída das fileiras da nobreza, ou elevada da burguesia, vinda de todas as partes, mesmo da província, é a expressão dos tempos atuais, uma última imagem do bom gosto, do espírito, da graça e da obstinação.”

A mulher mais linda da cidade, de Bukowski: “Das 5 irmãs, Cass era a mais moça e a mais bela. E a mais linda mulher da cidade. Mestiça de índia, de corpo flexível, estranho, sinuoso que nem cobra e fogoso como os olhos: um fogaréu vivo ambulante.”

24 horas na vida de uma mulher, de Stefan Zweig: “Toda essa recusa do fato óbvio de que em muitas horas de sua vida uma mulher pode ficar à mercê das forças além de sua vontade e consciência apenas disfarça o medo do próprio instinto do demoníaco em nossa natureza…”

Mulheres!, de David Coimbra: “Uma noite, Roberta chegou à conclusão: havia se transformado numa tarada. Só pensava na ideia que tivera ao ver os treinos de boxe da academia. Só naquilo, naquilo, maldição! No começo, rechaçou o pensamento. Tratava-se de uma fantasia, nada mais. Mas, com o tempo, a fantasia foi se solidificando, tornando-se real. Agora, ela precisava fazer.”

Só as mulheres e as baratas sobreviverão, de Claudia Tajes: “Meu nome é Dulce. Doce, em espanhol. Mas os argentinos, os uruguaios, os chilenos e todas as, digamos, línguas espanholas com quem já cruzei na vida não entendem como uma mulher pode se chamar Dulce. Então eu tenho que explicar, es como dulce de leche, e aí eles se derretem, pedem para provar, elogiam a minha doçura, essas coisas de Julio Iglesias que os latinos dizem como ninguém.”

Vai começar a maratona de leitura elétrica

Já sintonizou na Rádio Elétrica (www.radioeletrica.com)? Vale a pena, pois além de música, há bastante literatura por lá. Incluindo até leitura de livros ao vivo. Sob o comando da radialista Katia Suman, a partir do próximo sábado, 10 de novembro, a rádio online vai promover o volume 1 da Maratona de Leitura Elétrica. A partir das 10 da manhã até sabe-se lá que horas, escritores vão se revezar na leitura de Pornopopeia, de Reinaldo Moraes, sendo que o primeiro capítulo será lido pelo próprio autor. Reinaldo também é o tradutor de Mulheres, de Bukowski, obra da Coleção L&PM Pocket que, aliás, será lida no próximo volume da Maratona Elétrica.    

Então anota aí pra não esquecer: leitura das 465 páginas de Pornopopeia, de Reinaldo Moraes, ao vivo na programação da Rádio Elétrica, sem interrupções, por Reinaldo Moraes (via Skype), Claudia Tajes, Carol Bensimon, Pedro Gonzaga, Paula Taitelbaum, Luís Augusto Fischer, Daniel Pellizzari, entre outros. Pra completar, durante a leitura, serão sorteados livros. 

E para os que já têm compromisso no sábado, Katia Suman avisa que a leitura será publicada como podcast no site da Rádio Elétrica.

Retrospectiva: os destaques L&PM de 2011

2011 está na porta de saída. E como não poderia deixar de ser, a despedida do ano que termina vem com olhares para trás. A retrospectiva, afinal, faz parte do adeus e uma lista de “melhores do ano” acaba sendo tão tradicional quanto preparar o champanhe, a roupa branca e os fogos de artifício para o réveillon. Ao pensarmos no ano que chega ao fim (e em tudo que lançamos ao longo dele), fica bem difícil escolhermos os 10 livros mais marcantes. Porque foram vários e todos eles especiais. Acabamos levando em conta os títulos que tiveram mais destaque nas redes sociais e na mídia. E aqui estão eles no nosso “Top Ten L&PM 2011”.

A entrevista de Millôr Fernandes – Lançado em fevereiro de 2011, o livro apresentou aos leitores a mais longa e reveladora entrevista do grande Millôr, realizada no início dos anos 80 para a Revista Oitenta, então editada pela L&PM. É um intenso e bem-humorado depoimento que revela todas as faces de um dos maiores intelectuais do Brasil.

Biografia de Marilyn Monroe – Em março, Marilyn Monroe chegou à série Biografias L&PM. Um livro que revelou ser como sua personagem: a partir da primeira linha, impossível tirar os olhos dele. A família, os amores, os filmes, os dramas, tudo está aqui em frases que soam como o sussurro de uma diva.

Mulheres – Depois de anos esgotado no Brasil, Mulheres, um dos livros mais cultuados de Charles Bukowski, chegou à Coleção L&PM Pocket em meados de 2011. Também não dá para deixar de citar Cartas na Rua, o primeiro romance escrito por Bukowski e que, lançado em setembro, fez com que todos os romances do velho Buk agora estejam aqui. 

Os Smurfs – Aqui não vale a pena citar apenas um título dos Smurfs, mas dois: “O Smurf Repórter” e “O bebê Smurf” que, lançados em álbuns coloridos e em versão pocket, smurfaram por todas as livrarias e bancas do país. Lançados na mesma época do filme, fizeram tanto sucesso que ganharam até uma fan page especial no Facebook.  

Caixa Russa – Este não é exatamente um livro, mas uma caixa inteira. Mas é impossível não dar destaque para ela, pois além de ter chamado atenção, virou objeto de desejo de muita gente, com seus sete títulos que juntam duas obras de Gogol, duas de Tolstói, duas de Tchékhov e uma de Dostoiévski.

Feliz por nada – Apesar do título do livro de Martha Medeiros, motivos para ficar feliz não faltaram com as crônicas de Feliz por nada. Lançado em julho de 2011, ele logo foi parar na lista de mais vendidos de Veja, Época e O Globo e fecha o ano como um dos maiores sucessos literários do Brasil em 2011.

Atado de Ervas – O primeiro romance escrito por Ana Mariano foi a revelação do ano. Sucesso de público e crítica, ele levou a autora a concorrer ao Prêmio Fato Literário, promovido durante a Feira do Livro de Porto Alegre em 2011. Em suas 400 páginas, o livro monta um grande mosaico da vida no interior do Rio Grande do Sul.

Enciclopédia dos Quadrinhos – Revisada, atualizada e ampliada, a nova edição da Enciclopédia dos Quadrinhos, organizada e escrita por Goida e André Kleinert, foi lançada em outubro para alegria dos fãs de HQs. Ela traz referências inéditas a pesquisadores, fanzineiros e editores da área.

A vida segundo Peanuts – O destaque aqui poderia ser para o volume 4 de Peanuts completo, lançado em março. Ou para o belo O Natal de Charlie Brown. Mas A vida segundo Peanuts, que chegou em novembro, merece estar aqui por sua simplicidade e por ser um “gift book” muito fofo, livro perfeito para virar presente (até porque custa apenas 15 reais!).

Mangás – Aqui o destaque é para uma série. Quando os mangás chegaram à Coleção L&PM Pocket, em novembro, o alvoroço foi grande, pois os fãs do gênero não deixaram de se manifestar positivamente. Primeiro vieram Solanin 1, de Inio Asano, e Aventuras de Menino, de Mitsuru Adachi. Em dezembro, foi lançado Solanin 2.

Isadora Duncan: liberdade, revolução e dança

“Adeus, amigos! Vou para a glória!” foram as últimas palavras que Isadora Duncan disse em 14 de setembro de 1927, pouco antes de embarcar no carro que a matou. Sua echarpe ficou presa em uma das rodas do conversível, estrangulando-a. E assim termina a biografia da mulher de espírito revolucionário e apaixonado que reinventou a arte da dança e lutou até o fim da vida por um mundo melhor.

Descendente de escoceses e irlandeses, Isadora nasceu em São Francisco, nos Estados Unidos, no dia 27 de maio de 1877. Ficou na “Bay Area” até 1896, quando saiu para ganhar o mundo. Passou por Chicago, Nova York, Inglaterra, França, Grécia, Alemanha e Rússia, onde se envolveu com a revolução e os ideais comunistas.

Em sua autobiografia, escrita coincidentemente no ano em que morreu, ela conta que sua mãe tricotava roupas para vender e fazer algum dinheiro extra para o sustento dos quatro filhos, que criava sozinha. Vendo o desespero da mãe que não conseguia sequer comprar comida, a pequena Isadora resolveu vestir um gorro vermelho e ajudar nas vendas de porta em porta como narra Isadora – Fragmentos Autobiográficos, um dos primeiros livros da Coleção L&PM POCKET:

“De casa em casa, apresentei minhas mercadorias. Algumas pessoas eram bondosas, outras grosseiras. De modo geral, tive sucesso, mas foi o primeiro despertar, em meu peito infantil, da consciência da mosntruosa injustiça do mundo. E aquele pequeno gorro vermelho que minha mãe tricotara era o gorro de uma criança bolchevique.”

Isadora recorda em sua autobiografia que a dança faz parte de sua vida desde muito cedo, só que não da forma clássica, como na vida das meninas que frequentaram aulas de balé, mas da forma mais natural, intuitiva e libertária:

“Na infância, não tive brinquedos ou brincadeiras de criança. Muitas vezes fugia sozinha para as florestas ou à praia junto do mar, e lá dançava. Sentia que meus sapatos e roupas apenas me estorvavam. Meus sapatos pesados eram como correntes; minhas roupas eram minha prisão. Por isso eu tirava tudo. E sem olhos me espiando, inteiramente só, eu dançava nua diante do mar. E parecia-me que o mar e todas as árvores dançavam comigo.”

Vários anos mais tarde, em 1915, Isadora repete o feito da infância no Metropolitan, em Nova York. Nua e descalça, vestida apenas com um xale vermelho, ela surpreende o público e encerra seu espetáculo dançando o hino nacional francês, numa tentativa intensa e desesperada de sensibilizar os americanos e chamar atenção para os efeitos da Primeira Guerra Mundial que devastava a Europa.

Mas seus ideais e sua arte nem sempre foram compreendidos – quiçá bem aceitos – pelo público. E não era pra menos! Muito antes do surgimento dos movimentos feministas, ela já se posicionava a favor da emancipação da mulher e criticava a instituição sagrada do matrimônio. E, em 1916, quando resolveu repetir o maravilhoso feito do Metropolitan num café em Buenos Aires, foi quase deportada em nome da moral, dos bons costumes e dos sagrados símbolos pátrios.

Diante desta história, Eduardo Galeano não poderia deixar de falar de Isadora Duncan em seu livro Mulheres. O texto que leva seu nome traduz a alma radical e libertária de uma das maiores dançarinas de todos os tempos, que se transformou em exemplo para aqueles que sonham com um mundo melhor e que, para realizar este sonho, não medem consequências:

Isadora

Descalça, despida e envolvida apenas pela bandeira argentina, Isadora Duncan dança o hino nacional.

Comete esta ousadia numa noite de 1916, num café de estudantes de Buenos Aires, e na manhã seguinte todo mundo sabe: o empresário rompe o contrato, as boas famílias devolvem suas entradas ao Teatro Colón e a imprensa exige a expulsão imediata desta pecadora norte-americana que veio à Argentina para macular os símbolos-pátrios.

Isadora não entende nada. Nenhum francês protestou quando ela dançou a Marselhesa com um xale vermelho como traje completo. Se é possível dançar uma emoção, se é possível dançar uma ideia, por que não se pode dançar um hino?

A liberdade ofende. Mulher de olhos brilhantes, Isadora é inimiga declarada da escola, do matrimônio, da dança clássica e de tudo aquilo que engaiole o vento. Ela dança porque dançando goza, e dança o que quer, quando quer e como quer, e as orquestras se calam frente à música que nasce de seu corpo.

Em 1996, a L&PM publicou Isadora – Fragmentos autobiográficos, com tradução de Lya Luft, mas infelizmente o livro está esgotado. A autobiografia completa de Isadora Duncan está no livro Minha vida.

My Buk’s day

Por Reinaldo Moraes*

Women (pronuncia-se Uímem), do velho Buk, me caiu na mão, não lembro como, no início da década de 80, e logo pensei em traduzir a bagaça, de tanto que eu curti a leitura e releitura do livro. Bukowski virou meu ídolo literário da hora. Traduzi uns dois capítulos por conta própria e levei para a Brasiliense, editora forte na época, que topou bancar a empreitada. Meti, pois, mãos e pés e pinto e coração à obra, que saiu em 1984, se não me engano. Durante o trabalho, que levou quase um semestre, eu contava às pessoas que estava traduzindo o Women, do Bukowski, e as ditas pessoas sempre se espantavam com essa informação, pois entendiam que eu estava a traduzir “O hímen”.  Como é que eu podia estar traduzindo essa incômoda membrana que se antepõe à plena realização sexual das mulheres e também dos homens, by the way? E para que outra membrana eu estaria traduzindo o hímem? Para o diafragma? O peritônio?  Quando a minha versão em português de “O hímem” ficou finalmente pronta, batizada naturalmente de Mulheres (o curioso é que todas as mulheres que aparecem no livro já haviam se livrado do seu hímen há muito tempo), tomei um banho, botei uma calça branca comprada em Barcelona e uma camisa azul comprada em Paris, e fui, babando de orgulho, levar o calhamaço datilografado até a editora, que ficava pras bandas do centro de São Paulo.  Ao sair da editora, com o chequinho da tradução no bolso e tomado de grande alívio e sentimento de realização, resolvi entrar num bar com terraço da avenida Angélica, perto de onde eu morava, para tomar um chopinho vespertino de confraternização comigo mesmo. Eis que, meia hora depois, me entra no bar e senta-se na mesa ao lado da minha uma senhorita com uma camisa amarrada na barriguinha saliente, decote fuck-me-baby, calça justíssima realçando o bundão e umas sandálias de salto alto. Naquele tremendo piranha-look,  a fulana parecia saída diretamente das páginas calientes e divertidas de Mulheres que eu acabara de revisar apenas algumas horas antes. A mulher pediu um chope, puxou um cigarro e me pediu fogo, que eu não tinha, pois não fumava e não fumo. O garçom acendeu o cigarro dela. Fiquei na minha, tomando meu próprio chope e lendo, ou fingindo que lia, o jornal que eu tinha trazido comigo. Não muitos minutos se passaram antes que a piranhuda criatura viesse me pedir a página de cinema do jornal. Emprestei a página e logo entabulamos conversação de mesa a mesa. Que filmes legais estavam passando na cidade, quem já tinha visto o quê, esse tipo de conversinha mole. Quando ficou claro que logo nos tornaríamos mais íntimos, ela veio se sentar à minha mesa. Vários, quiçá muitos chopes depois, sem contar alguns Steinhaegers, saímos do bar abraçados, rumo ao meu carro, um Chevette 77, que fez o favor de nos conduzir até um hoteleco fuleiro do Bexiga, onde passamos algumas horas fazendo a mesma coisa que o sacana do Hank, o personagem-narrador de Mulheres, passara as 300 e tantas páginas do livro a fazer com a legião de namoradas, paqueras ocasionais e putas de alto bordo que por ali desfilam gostosamente. Era inacreditável: eu estava vivendo mais uma das aventuras sexuais errantes narradas pelo Buk com uma de suas mulheres teletransportadas da Califórnia para São Paulo, já com tradução simultânea. No fim, trocamos telefones e eu nunca mais vi a vagaba que, bêbada e pelada no nosso ninho do amor provisório do Bexiga, revelara-se muito da tesuda. Impossível uma experiência mais bukowskiana que essa, que conto aqui sem nenhuma intenção de me vangloriar como o grande literato machão que papa todas as bucetinhas desavisadas e mesmo algumas avisadíssimas, no melhor estilo do meu ídolo americano. Ou talvez eu até esteja mesmo tendo aqui essa intenção imbecil, porém viril, de me vangloriar um pouco, em que pese o fato de todas as glórias serem vãs, ao fim e ao cabo, e vice-versa. Afinal, fui Bukowski por um dia, depois de ter passado meses a fio diante da minha Lettera 22 às voltas com as poéticas putarias do velho safado. Eu merecia aquilo, tanto quanto mereço agora me vangloriar um teco daquela façanha erótica-etílica-poética com a peruete galinha da avenida Angélica, 30 anos atrás, inda mais agora que a minha tradução reaparece em formato de bolso pela L&PM, uma das melhores notícias que tive nos últimos tempos. O mesmo dirão, imagino, os futuros leitores de O hímen, esse clássico bukowskiano. E podem ficar todos sossegados: vagabas hão de pintar por aí, ontem, hoje e sempre.

*Reinaldo Moraes é o tradutor do livro Mulheres, de Charles Bukowski, que acaba de chegar à Coleção L&PM Pocket, autor de Pornopopéia, entre outros livros, e escreveu este texto especialmente para o blog da L&PM.

As mulheres de Bukowski estão em casa

A capa de "Mulheres" que breve estará na Coleção L&PM POCKET

“Mulheres” e “Cartas na rua” são dois clássicos de Charles Bukowski (1920 – 1994) que foram contratados pela L&PM depois de vários anos de tentativas. Livros mais antigos, já publicados por outros editores, às vezes caem num “limbo” onde, por questões legais, deixam de ser publicados. Ou seja: por melhores e mais vendáveis que eles sejam, acabam não sendo recontratados porque envolvem filhos, netos, sobrinhos, mulheres, ex-mulheres… E por aqui não foi diferente. Mas finalmente conseguimos e, para completar os 16 títulos de Bukowski já publicados nesta casa, o romance “Mulheres” chegará em junho e “Cartas na rua” entre julho e agosto.  

Charles Bukowski representa o lado sombrio do “sonho americano”. Filho de pai americano de origem alemã e de mãe alemã, sua infância foi marcada pela violenta repressão familiar. Em 1923, o casal Bukowski estabeleceu-se nos EUA. Charles cresceu tímido, anti-social e complexado devido à acne que devastou seu rosto. Na adolescência, descobriu que o álcool fazia com que se comunicasse com o mundo. Mais tarde ele escreveria que a origem de seu alcoolismo era de que “ele havia descoberto no álcool uma forma de suportar a vida”. Curiosamente, antes de ser famoso nos EUA, foi best seller na Itália. Sua editora italiana, SugarCo, lançava os livros ao mesmo tempo em que saiam nos EUA.  Bukowski escreveu muito – mais de 50 livros – e por toda a vida foi fiel a sua editora Black Sparrow que acabou sendo vendida para a gigante Harper Collins.

Transgressor nato, poeta e ficcionista de enorme talento, seus livros são verdadeiros clássicos da contra-cultura. Sua prosa espanta, paradoxalmente, pelo lirismo e pela violência. Mais do que um autor pós beat, Bukowski é único e sua obra é um longo e poderoso grito de dor. O romance “Mulheres” foi lançado originalmente em 1978 e, depois de ser publicado pela primeira vez no Brasil em 1984, ficou décadas fora do mercado. Felizmente, agora ele está de volta.

Conheça aqui outras “Mulheres” de Bukowski que estão (ou estiveram) espalhadas pelo mundo:

A primeira edição, publicada pela Black Sparrow

Uma das edições da Itália, país que sempre acolheu Bukowski

A edição francesa manteve o nome original

Aprenda: "Kobiety" quer dizer "Mulheres" em polonês

A Alemanha mudou o nome para algo como "A vida amorosa de Hyäne"

"Mujeres" também fez sucesso na Espanha

23. Um sobressalto nos anos 90: ou a arte de cair para cima

Por Ivan Pinheiro Machado*

No final da década de 1990, o modelo de editora que colocamos em prática lá nos paleolíticos anos 70 começou a dar sinais de fadiga. A L&PM tinha cumprido um ciclo de 20 anos e penava indefinidamente num ambiente econômico adverso. Sem capital de giro (éramos muito jovens e muito duros quando fundamos a editora), tínhamos atravessado ditadura, crises econômicas, inflação de até 80% e 4 moedas; a saber: Cruzeiro, Cruzeiro Novo, Cruzado, Cruzado Novo, até chegarmos –  estropiados –  no Real. Era um momento de grande aperto fiscal e os juros eram exorbitantes. Dependentes dos bancos, sofríamos com juros escorchantes. E para piorar o cenário, grandes grupos editoriais nacionais e estrangeiros se movimentavam com grande poderio econômico e acirravam a concorrência pelos grandes autores. Estávamos extremamente fragilizados economicamente. E no meio da crise, como um boxeador cambaleando no meio do ringue, quase “jogamos a toalha”, o que no boxe significa desistir, encerrar a luta. A prova disso é que, em 1996, a L&PM esteve à venda pelo valor simbólico de um Real. Ou seja, se alguém quisesse, entregávamos a editora pelo valor da dívida.

Ninguém apareceu. Foi nesta época de incertezas que conhecemos um economista inglês, casado com uma brasileira e com um escritório de consultoria empresarial estabelecido no Rio de Janeiro. Chamava-se Ken Baxter. Morreu muito jovem, aos 50 anos, e deixou saudades entre os seus amigos. Ken era uma pessoa extraordinária. Interessou-se pelos nossos imensos problemas e foi, juntamente com os advogados José Antonio Pinheiro Machado, Elias Guerra e Fernando Carvalho, decisivo na nossa recuperação. Debaixo desta tempestade, decidimos que íamos lutar para sobreviver. E a primeira coisa a fazer, era… mudar. Quem não tem dinheiro, tem que ter ideias. Foi aí que decidimos concentrar nossa imaginação e nossa energia no projeto L&PM POCKET. Ken e nossos advogados “blindariam” a editora contra um pedido de falência. Enquanto isso, trabalharíamos 20 horas por dia para materializar a ideia dos livros de bolso.

Foi assim que tudo começou. Enquanto o “mercado” previa o eminente naufrágio da L&PM, a magnífica logística de distribuição da coleção POCKET foi sendo montada cuidadosa e vertiginosamente. Era uma corrida contra o tempo. Precisávamos de eficiência empresarial para implantar um sólido projeto cultural. Muitos foram os que nos ajudaram. Os autores, quase na sua totalidade, se mantiveram solidários, especialmente o grande escritor Sergio Faraco, que chegou a dar expediente na L&PM, chamando novos autores e editando antologias de autores clássicos para a Coleção Pocket. Foi criado um anel de solidariedades que nos protegeu e nos deu forças. Neste ambiente de incerteza, repito, nosso amigo Ken foi fundamental. Ele acreditou sempre e tinha uma fé impressionante que a coleção de livros de bolso “salvaria” a editora.

Fomos voltando das cinzas e, devagar, conseguimos retomar e ampliar ainda mais o nosso espaço, conquistando milhares de leitores. Hoje, temos mais de 2 mil livros ativos em catálogo. Neste mês, entre 18 lançamentos, a L&PM estará lançando o livro “Mulheres” de Charles Bukowski.  Volume número 950 da coleção L&PM POCKET, líder de mercado e a maior coleção de livros de bolso do Brasil.

*Toda terça-feira, o editor Ivan Pinheiro Machado resgata histórias que aconteceram em mais de três décadas de L&PM. Este é o vigésimo terceiro post da Série “Era uma vez… uma editora“.

10.000 mulheres na cama de Simenon

Quantas mulheres você conheceu biblicamente?
SIMENON – Falaram em dez mil.

E você, o que diz?
SIMENON – Talvez uma a mais, ou uma a menos.

Profissionais ou amadoras?
SIMENON – Muitas jovens atrizes e bailarinas.

As perguntas e respostas acima fazem parte de uma entrevista que o escritor Georges Simenon concedeu ao italiano Roberto Gervaso e que foi publicada na íntegra pela Revista Oitenta, editada pela L&PM em 1984. Anos antes, em uma outra conversa com o cineasta Frederico Fellini, Simenon já havia declarado publicamente que dormira com dez mil mulheres (Renato Gaúcho morreria de inveja!). Um comportamento que, cá entre nós, é inversamente proporcional ao de Maigret, o famoso personagem criado pelo escritor. Bem-comportado e fiel à sua esposa, o comissário Maigret  pulou a cerca apenas uma vez e só teria feito isso para conseguir uma informação importante de uma prostituta. Criador e criatura, portanto, não poderiam ser mais diferentes.

E não restam mesmo dúvidas de que Simenon era um conquistador (um garanhão?) e que amava o sexo oposto. Tanto que, no final da década de 40, viveu com três mulheres sob o mesmo teto: a oficial e mais duas amantes. Uma delas, Denise Ouimet, viria a ser sua segunda esposa. E foi Denise que, décadas mais tarde, ao se divorciar de Simenon, declararia que o ex-marido não era tudo isso: “Georges não dormiu com 10.000 mulheres, foram apenas 1.200” disse ela. Como um autor que escreveu centenas de livros conseguiu ter tempo para tantas aventuras é a pergunta que não quer calar.

Simenon e Denise que, após o divórcio, declararia: "Foram apenas 1.200 mulheres"

O imortal Bukowski

Apesar do estilo intenso de Bukowski levar a vida – tinha o álcool como fiel companheiro e não raro estava metido com drogas e orgias –  foi a leucemia que, em 9 de março de 1994, deu fim à vida de Henry Charles Bukowski Jr. – ou Hank para os íntimos.

“Don’t try” é o recado que ficou na lápide de seu túmulo, em Los Angeles. Parece que nem mesmo ele acreditava que chegaria tão longe, pois sempre que o assunto era morte, o tom era de conformismo, beirando a ironia:

“Sei que vou morrer logo e isso me parece estranho. Sou egoísta, gostaria de continuar a escrever mais palavras. Isso me dá um brilho, me joga no ar dourado. Mas, na verdade, por quanto tempo posso continuar ainda? Não é certo continuar. Diabos, de qualquer forma, a morte é gasolina no tanque. Nós precisamos dela. Eu preciso. Você precisa. Nós emporcalhamos o lugar se demorarmos demais.” (em O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio)

No site oficial do escritor, encontramos estas duas fotos em que ele simula seu próprio enterro:

Mas se depender da L&PM, o velho Hank jamais morrerá. Prova disso são os livros da série Bukowski.

10. Bukowski levanta o tapete e mostra a sujeira

Por Ivan Pinheiro Machado*

Charles Bukowski é publicado pela L&PM há quase três décadas. É por isso que o velho safado é super-identificado com a editora que publicou até agora quinze livros seus, incluindo “Delírios Cotidianos”, a bela adaptação de seus contos para HQ feita pelo desenhista alemão Mathias Schultheiss. Nesse ano de 2011, vamos publicar finalmente os seus primeiros romances, “Cartas na rua” e o incensado “Mulheres”. Aí teremos em nosso catálogo todos os seus romances, os principais livros de contos, alguns de suas melhores obras de poemas e o antológico “diário” publicado postumamente: “O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio”. Bukowski conquistou a admiração dos jovens de várias gerações; daqueles que são jovens há muito tempo e daqueles que são jovens recentemente. Esta permanência no coração dos leitores se deve a uma obra descarnada, sobre a qual paira a irresistível aura de transgressão. Há malucos que se tornam santos com o passar do tempo como Van Gogh, Rimbaud, Baudelaire, Artaud, Thoureau, Kerouac, Bukowski, entre dezenas de outros. E esta maravilhosa capacidade da juventude de cultuar aqueles que descarrilham dos trilhos do sistema transforma artistas marginalizados em clássicos. Desde que morreu, em 1994, a obra de Heinrich Karl Bukowski, dito Charles Bukowski, tem corrido o mundo. O bêbado inconveniente capaz de performances desastrosas, completamente embriagado em frente às câmeras da TV, passou a ser respeitado.

O lado sombrio do sonho americano

Nasceu na Alemanha e criou-se nos EUA, filho de um militar de origem alemã que lhe aplicava surras terríveis. Sua prosa e seus poemas “cortam como aço de navalha” e sua obra sistematicamente é o contraponto brutal ao “american way of life”. Foi 1982 que ouvimos falar de Charles Bukowski aqui na L&PM. Curiosamente, ele começava a fazer sucesso na Itália e a agente literária Ana Maria Santeiro, que representava a agência Carmen Balcells no Brasil, me passou um exemplar do livro “Erections, ejaculations, exhibitions and general tales of ordinary madness”. Fiquei perplexo com o título e fascinado com a violência dos contos. Na mesma época, o cineasta italiano Marco Ferreri fez um filme baseado no livro que chamava-se “Crônica de um amor louco”(em italiano “Storie di Ordinaria Folia”), com Ben Gazzara e a maravilhosa Ornella Muti que fazia o papel da “mulher mais linda da cidade”, um dos contos do livro. Rapidamente, a fama do filme espalhou-se e ele virou um verdadeiro “cult” da contra-cultura. Nós compramos os direitos do livro para o Brasil e o publicamos em dois volumes; o primeiro com o título do filme “Crônica de um amor louco” e no segundo adaptamos o título original para “Fabulário geral do delírio cotidiano”. Até hoje publicamos estes livros, agora na Coleção Pocket.

Em 1986, eu estava na Feira Internacional de Frankfurt com o dublê de jornalista e historiador Eduardo Bueno (que na época trabalhava na L&PM) quando conhecemos John Martin, o dono da legendária Black Sparrow, que publicou todos livros do velho Buk, com exceção de “Erections, ejaculations…” que saiu pela editora e livraria City Lights de San Francisco, pertencente até hoje ao poeta beat Lawrence Ferlinghetti. Martin era um grande editor. Foi ele que percebeu o talento de Bukowski e estimulou-o a largar o emprego nos correios e dedicar-se a literatura. Hoje, quase todos os seus livros estão na Coleção L&PM POCKET e o baixo preço é um apelo a mais para que os jovens o leiam. Bukowski não perdoa, não alivia. É sempre violento, irreverente, não tem nenhuma ilusão. É bom que os jovens o leiam. Ele é uma alternativa ao mundo idealizado que virou moda depois da vitória final da civilização do dinheiro e da globalização. Bukowski escancara o lado sombrio da nossa sociedade. Ele levanta o tapete e mostra a sujeira. É a voz dos desvalidos, dos perdedores, dos desempregados, dos doentes, dos falidos, dos feios, das putas, dos bêbados. Não tem nenhum charme, mas a violência que jorra das suas páginas é tão verdadeira que não tem como ficar indiferente.

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