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“Neste dia da minha libertação”

Condenado à prisão perpétua em 1964, Mandela se recusou a se retirar da atenção mundial. Em vez disso, tornou-se o foco de um crescente movimento internacional contra o apartheid. O slogan “Libertem Nelson Mandela” foi ouvido em muitas manifestações durante os anos 1970 e 1980 – e inclusive se tornou, em 1984, o refrão de uma canção de sucesso da banda inglesa de ska The Specials.

Apesar da desaprovação internacional, no entanto, o apartheid perdurou. Houve irrupções de violência severa em cidades negras, notadamente em Soweto, perto de Johannesburgo. No início dos anos 1980, o primeiro-ministro P. W. Botha (mais tarde, presidente) aceitara uma necessidade de mudança, anunciando que os brancos deveriam “se adaptar ou morrer”. Algumas leis do apartheid foram revogadas, mas Mandela se recusou a renunciar à luta armada em troca de uma oferta condicional de soltura em 1985.

Em 10 de fevereiro de 1990, o sucessor de Botha, F. W. de Klerk, finalmente ordenou a soltura de Mandela. No dia seguinte, o mundo inteiro assistiu a Mandela sair da prisão, admirado com a figura nobre e ereta que fora ocultada da vista por tanto tempo. Mais tarde, ele falou em um comício na praça Grand Parade, na Cidade do Cabo. Em seu discurso, ele saúda aqueles que o apoiaram durante seu confinamento e que mantiveram viva a luta contra o apartheid. Em seguida, insiste na necessidade de uma África do Sul democrática e não racial.

Mandela_discurso

“Neste dia da minha libertação”

11 de fevereiro de 1990, Cidade do Cabo, África do Sul 

“Amigos, camaradas e concidadãos sul-africanos, eu os saúdo em nome da paz, da democracia e da liberdade para todos. Estou aqui diante de vocês não como um profeta, e sim como um humilde servo do povo. Seus sacrifícios heroicos e incansáveis tornaram possível eu estar aqui hoje. Eu, portanto, coloco em suas mãos os anos de vida que me restam.

Neste dia da minha libertação, expresso minha afetuosa e sincera gratidão aos milhões de compatriotas e àqueles que, no mundo todo, lutaram incansavelmente para que eu fosse libertado.

Agradeço especialmente ao povo da Cidade do Cabo, esta cidade em que vivi por três décadas. Suas manifestações de massa e outras formas de luta serviram como uma fonte constante de força para todos os prisioneiros políticos.

Saúdo o Congresso Nacional Africano, que cumpriu todas as nossas expectativas em seu papel como líder da grande marcha para a liberdade.

Saúdo nosso presidente, o camarada Oliver Tambo, por liderar o CNA mesmo nas circunstâncias mais difíceis.

Saúdo os membros da base do CNA, que sacrificaram a vida pela causa nobre da nossa luta.

Saúdo os combatentes do Umkhonto we Sizwe, como Solomon Mahlangu e Ashley Kriel, que pagaram o preço mais alto pela liberdade de todos os sul-africanos.

Saúdo o Partido Comunista da África do Sul por sua excelente contribuição à luta pela democracia. Vocês sobreviveram a quarenta anos de perseguição implacável. A memória de grandes comunistas como Moses Kotane, Yusuf Dadoo, Bram Fisher e Moses Mabhida será estimada pelas futuras gerações.

Saúdo o secretário-geral Joe Slovo, um de nossos melhores patriotas. Ficamos animados com o fato de que a aliança entre nós e o partido continua forte como sempre.

Saúdo a Frente Democrática Unida, o Comitê Nacional da Crise na Educação, o Congresso da Juventude Sul-Africana, os congressos indianos de Transvaal e Natal e o Cosatu, e as muitas outras formações do Movimento Democrático de Massa.

Também saúdo a Faixa Negra e a União Nacional dos Estudantes Sul–Africanos. Observamos com orgulho que vocês agiram como a consciência dos sul-africanos brancos. Mesmo durante os dias mais obscuros na história da nossa luta, vocês mantiveram erguida a bandeira da liberdade. A mobilização de massa em larga escala dos últimos anos é um dos fatores principais que levaram ao início do capítulo final da nossa luta.

Estendo meus cumprimentos à classe trabalhadora do nosso país. Sua força organizada é o orgulho do nosso movimento. Vocês continuam sendo a força mais confiável na luta pelo fim da exploração e da opressão. Presto tributo às muitas comunidades religiosas que prosseguiram com a campanha por justiça quando as organizações do nosso povo foram silenciadas.

Saúdo os líderes tradicionais do nosso país. Muitos de vocês continuam a seguir os passos de grandes heróis como Hintsa e Sekhukune.

Presto tributo ao incessante heroísmo da juventude, vocês, os jovens leões. Vocês, os jovens leões, energizaram toda a nossa luta.

Presto tributo às mães, esposas e irmãs da nossa nação. Vocês são o alicerce da nossa luta. O apartheid causou mais sofrimento a vocês do que a quaisquer outras pessoas.

Nesta ocasião, agradecemos à comunidade mundial por sua grande contribuição à luta contra o apartheid. Sem o seu apoio, nossa luta não teria chegado até aqui. O sacrifício dos Estados na linha de frente será para sempre lembrado pelos sul-africanos.

Minhas saudações ficariam incompletas sem expressar meu profundo apreço pela força que recebi de minha amada esposa e família durante meus longos e solitários anos na prisão. Estou convencido de que a dor e o sofrimento de vocês foram muito maiores do que os meus […]

Hoje, a maioria dos sul-africanos, negros e brancos, reconhece que o apartheid não tem futuro. Precisa acabar por meio de nossa ação decisiva para construir a paz e a segurança. A campanha das massas em desafio ao apartheid e outras ações da nossa organização e do nosso povo só podem culminar no estabelecimento da democracia.

A destruição causada pelo apartheid em nosso subcontinente é incalculável. O tecido da vida familiar de milhões do meu povo foi destruído. Milhões estão desabrigados e desempregados. Nossa economia está em ruína e nosso povo está envolvido em rixas políticas. Nosso recurso à luta armada em 1960, com a formação da ala militar do CNA, o Umkhonto we Sizwe, foi uma ação puramente defensiva contra a violência do apartheid. Os fatores que exigiram a luta armada existem ainda hoje. Não temos outra opção senão continuar. Expressamos a esperança de que logo se crie um clima que conduza a um acordo negociado, para que não haja mais necessidade de luta armada. Sou um membro leal e disciplinado do Congresso Nacional Africano. Portanto, estou totalmente de acordo com todos os seus objetivos, estratégias e táticas.

A necessidade de unir o povo do nosso país é, hoje, uma tarefa tão importante como sempre foi. Nenhum líder individual é capaz de realizar
essa tarefa enorme sozinho. É nossa tarefa, como líderes, apresentar nossas opiniões à organização e permitir que as estruturas democráticas decidam. Quanto à questão da prática democrática, sinto o dever de esclarecer que um líder do movimento é uma pessoa que foi eleita democraticamente numa conferência nacional. Esse é um princípio que deve ser seguido sem exceções.

Hoje, desejo informar a vocês que minhas conversas com o governo têm o objetivo de normalizar a situação política no país. Ainda não começamos a discutir as demandas básicas da luta. Desejo enfatizar que eu, em momento algum, entrei em negociações sobre o futuro do nosso país, exceto para insistir em uma reunião entre o CNA e o governo.

O sr. De Klerk foi mais longe do que qualquer outro presidente nacionalista ao dar passos reais para normalizar a situação. No entanto, há outros passos, conforme delineados na Declaração de Harare, que precisam ser dados antes que as negociações sobre as demandas básicas do nosso povo possam começar. Reitero o apelo por, entre outras coisas, o fim imediato do estado de emergência e a libertação de todos, e não apenas alguns, os prisioneiros políticos. Somente tal situação normalizada, que permita a livre atividade política, pode nos permitir consultar nosso povo a fim de obter um mandato.

O povo precisa ser consultado sobre quem negociará e sobre o conteúdo dessas negociações. As negociações não podem acontecer por cima nem pelas costas do nosso povo. Acreditamos que o futuro do nosso país só pode ser determinado por um órgão que seja eleito democraticamente em uma base não racial. As negociações sobre o desmantelamento do apartheid terão de responder às demandas irrefutáveis do nosso povo por uma África do Sul unida, democrática e não racial. Deve haver um fim ao monopólio dos brancos sobre o poder político e uma reestruturação fundamental dos nossos sistemas político e econômico, para garantir que as desigualdades do apartheid sejam superadas e que nossa sociedade seja totalmente democratizada.

Devemos acrescentar que o próprio sr. De Klerk é um homem íntegro, plenamente ciente dos riscos de uma figura pública não honrar seus compromissos. Mas, como organização, baseamos nossas políticas e estratégias na dura realidade com a qual nos deparamos. E essa realidade é que ainda estamos sofrendo sob as políticas do governo nacionalista. Nossa luta chegou a um momento decisivo. Conclamamos nosso povo a aproveitar este momento, para que o processo rumo à democracia seja rápido e ininterrupto.

Esperamos tempo demais pela nossa liberdade. Já não podemos esperar. É hora de intensificar a luta em todas as frentes. Afrouxar nossos esforços agora seria um erro que as gerações futuras não seriam capazes de perdoar. A visão da liberdade despontando no horizonte deve nos encorajar a redobrar nossos esforços. É somente por meio da ação disciplinada das massas que nossa vitória pode ser assegurada.

Conclamamos nossos compatriotas brancos a se unirem a nós na construção de uma nova África do Sul. O movimento pela liberdade também é o seu lar político. Conclamamos a comunidade internacional a continuar a campanha pelo isolamento do regime de apartheid. Suspender as sanções agora seria correr o risco de abortar o processo rumo à completa erradicação do apartheid. Nossa marcha pela liberdade é irreversível. Não devemos permitir que o medo se interponha em nosso caminho.

O sufrágio universal com um registro unificado de eleitores numa África do Sul unida, democrática e não racial é o único caminho para a paz e a harmonia racial.

Para concluir, desejo citar minhas próprias palavras durante meu julgamento em 1964. Elas são tão verdadeiras hoje quanto foram na época: ‘Eu lutei contra a dominação branca e lutei contra a dominação negra. Nutri o ideal de uma sociedade livre e democrática em que todas as pessoas vivam juntas em harmonia e com iguais oportunidades. É um ideal pelo qual espero viver e o qual espero alcançar. Mas, se for necessário, é um ideal pelo qual estou preparado para morrer’.”

O discurso de Mandela e de outros grandes oradores estão na obra 50 Discursos que mudaram o mundo moderno.

Começa no Rio de Janeiro a mostra de filmes que homenageia Nelson Mandela

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Às 20h de terça-feira, 4 de novembro, tem início a terceira edição da mostra de filmes “África Hoje”. Durante oito dias serão exibidos 16 documentários entre longas e médias metragens. As exibições acontecerão sempre no Instituto Moreira Salles no Rio de Janeiro. Com curadoria da cineasta Luciana Hees e coordenação de Mariana Marinho, estão presentes diversos temas e países, como a história do músico de blues Kar-Kar (Vou Cantar Para Ti), as dificuldades de vida na Tunísia (Foi Melhor Amanhã), as consequências do apartheid na África do Sul (Jeppe numa Sexta) e a manufatura em Madagascar (Ady Gasy). Mas o foco é o ex-presidente sul-africano Nelson Mandela, representado em produções com Contagem Regressiva e Mandela: Filho de África, Pai de uma Nação. Confira a programação na página oficial da Mostra África Hoje.

“A Mostra África Hoje tem como desafio trazer mais informação sobre este continente — um continente tão diverso como o nosso continente sul-americano e tão desconhecido para os brasileiros como o é o nosso próprio Brasil. Dar a conhecer 57 países é uma tarefa que exige dedicação, seriedade, habilidade e muito trabalho. Dedicação na pesquisa dos filmes, seriedade nos critérios de seleção, habilidade em diferenciar “gato por lebre” e muito trabalho em negociar, obter, converter, legendar, verificar, coordenar. Muito trabalho também para manter e ampliar a rede que é criada, possibilitando que sejam trazidas mais imagens deste continente e sobre ele. Imagens que retratem as gentes, as cidades, as preocupações, as rotinas, a política, os desejos, a escola, o trabalho.” (Luciana Hees – Curadora da Mostra)

A L&PM Editores publica o livro Mandela – O homem, a história e o mito nos formatos convencional e pocket.

O monumental Nelson Mandela

Em 2012, o artista sul-africano Marco Cianfanelli ergueu um monumento em homenagem a Nelson Mandela para marcar os 50 anos de sua prisão, ocorrida em agosto de 1962 pela polícia do apartheid. Na obra, o perfil de Mandela surge a partir de 50 colunas de aço que medem cerca de 10 metros de altura, cada. Ancorada no chão a partir de uma base de concreto, a escultura representa os 27 anos de Mandela atrás das grades, boa parte deles na solitária. O monumento está perto de Howick, distrito no centro da cidade sul-africana Natal, e foi erguido no exato local onde o líder foi detido. De perto, a escultura parece apenas um punhado de hastes de aço negro de forma irregular que apontam para o céu, mas a medida que o observador se afasta da obra, surge o rosto de Mandela. Clique aqui para ver mais fotos.

A escultura vista de perto

A escultura vista de perto

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Ao nos afastarmos surge o rosto de Mandela – Foto Jonathan Burton

A escultura vista de longe - Foto Jonathan Burton

Quanto mais longe, maior o efeito – Foto Jonathan Burton

O vídeo abaixo, feito a partir de fotos do fotógrafo Jonathan Burton, mostra como a escultura foi erguida:

Para saber mais sobre a história do líder sul-africano, não deixe de ler Mandela – O homem, a história e o mito, de Elleke Boehmer (L&PM Editores).

O legado de Mandela

Continua evidente que devemos procurar o legado permanente da luta de Mandela pela liberdade no campo do ético, e não do econômico, do simbólico, e não do material. Ele representou uma grande causa, a luta contra o apartheid. Respondeu à necessidade extrema de redenção de seu país e à forte tradição dos mitos milenaristas apresentando-se na figura de salvador. Nacional e internacionalmente, ele é visto como um gigante ético sobranceando o século XX. Em termos mais práticos, demonstrou ser, ao longo da vida, um estrategista com visão de longo alcance na defesa da liberdade política e vigoroso intelectual ativista que se distinguia por finas instituições morais. Nunca deixou de avaliar, rever e reformular mais claramente suas reivindicações políticas, sempre mantendo-se consciente da necessidade sul-africana do mito libertador que ele mesmo encarnava.

(Trecho de Mandela: o homem, a história e o mito, de Elleke Boehmer, L&PM, 2013 – Tradução de Denise Bottmann)

No dia 5 de dezembro, aos 95 anos, Nelson Mandela finalmente descansou de uma vida inteira de luta. Mas seu nome e seu legado permanecerão vivos por gerações como um exemplo para a humanidade.

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Mandela: um camaleão versátil de múltiplas facetas

Capa_Mandela_14x21.inddQuem foi e o que representa Nelson Mandela? A biografia escrita por Elleke Boehmer e publicada recentemente pela L&PM tenta responder a essas questões. Madela: o homem, a história e o mito trata dos diversos episódios, histórias, símbolos e valores que estão implícitos quando se emprega o “famoso” nome Nelson Mandela. Como bem captou Zapiro em sua charge, comemorando o 80º aniversário de Mandela, ele desempenhou ao longo da vida um amplo leque de papéis: aluno estudioso, jovem urbano, guerrilheiro audacioso, o preso político com maior tempo de encarceramento do mundo, o salvador milenarista e assim por diante. Mostrou-se um camaleão versátil, até pós-moderno, que, em cada etapa de sua carreira ou na nova forma adotada, conseguia projetar um fascínio de múltiplas facetas. 

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Esta é uma das imagens que está em “Mandela: o homem, a história e o mito”

Em breve, Nelson Mandela na L&PM

No dia 18 de julho de 1918 nascia Nelson Mandela, ex-presidente da África do Sul de 1994 a 1999, considerado o mais importante líder da África Negra e ganhador do Prêmio Nobel da Paz de 1993. Para celebrar a data, compartilhamos a seguir, em primeira mão, um trecho do livro Nelson Mandela, de Elleke Boehmer, com tradução de Denise Bottmann, que a L&PM vai lançar este ano.

mandela1“Na cultura de celebridades que marca o novo milênio, centrada no indivíduo como criador do próprio destino, é frequente considerar que Mandela foi não só o senhor de seu destino pessoal (como diz seu poema favorito), mas também o principal arquiteto da nova África do Sul. Considera-se inegável que ele travou uma luta unilateral pelos direitos dos negros e que, em seu caso, justifica-se a teoria de que os grandes homens fazem a história. No entanto, como ele mesmo frequentemente lembra a todos, a luta de libertação da África do Sul foi efetivamente travada e saiu vitoriosa enquanto ele definhava na prisão. Mandela ressaltou: “Sou apenas um entre um grande exército do povo”.

Seu carisma pessoal é indiscutível. Todos os que o conhecem comentam o fascínio e a magia que dele irradia: uma soma de fama, estatura e boa aparência; uma memória enciclopédica para fisionomias; e mais alguma coisa indefinível, o atraente je ne sais quoi mandeliano. Um elemento central de sua personalidade, como escreve a romancista e sua admiradora Nadine Gordimer, é “um desprendimento do egocentrismo, a capacidade de viver para os outros”. Sua boa liderança e carisma foram fontes de inspiração importantes para a construção da África do Sul após 1994. Mandela é, certamente, um dos maiores símbolos de luta e persistência que jamais se viu, e fez de seu obstinado senso de justiça um exemplo para o mundo.”